(Marcha da TFP, com o Plínio Correa à frente - Viaduto do Chá/SP)
Ouve-se, com frequência, que
aumentou o grau de intolerância das pessoas. Que o mundo ficou pior, por causa
disso. Que hoje tudo é motivo de xingamentos e protestos, de desrespeito e
provocações.
Sim, é verdade. Ou parece ser
verdade. Porque nem tudo o que parece, na verdade, acontece.
Vou começar o meu raciocínio com
um exemplo dos anos sessenta, setenta. Naquela época, era comum encontrarmos
pelas ruas do centro de São Paulo, passeatas bastante significativas de jovens vestidos
de preto, com uma capa vermelha, portando
estandartes cristãos e entoando hinos e palavras de ordem, sob o comando de Plínio
Correa de Oliveira, a famigerada TFP. Não havia celulares, nem internet, as
comunicações eram precárias. Os jornalões vendiam papel, ou seja, as matérias
publicadas deviam ser devidamente escolhidas e pautadas. Por isso, pouco saía
na imprensa sobre essas passeatas. Mandar um repórter cobri-las ficava caro. Elas
repercutiam entre as pessoas que as presenciavam. E só. Talvez, se houvesse um
tumulto (durante qualquer tipo de manifestação), coisa mais ou menos rara, é
que se pudesse noticiar alguma coisa
Hoje, ao contrário, qualquer
grupelho que se disponha a fazer barulho - quinze ou vinte idiotas - chama a
atenção da mídia. Basta alguém fotografar, filmar, postar nas redes sociais e
logo um número impressionante de pessoas toma conhecimento. E como qualquer
pneu pegando fogo na pista para o trânsito e provoca o caos na cidade, chamar a
atenção por esse meio tornou-se relativamente fácil. Bastam os mesmos quinze ou
vinte cretinos mal intencionados. E a repercussão é imediata.
Além disso, os meios de
comunicação tornaram-se instantâneos e, portanto, baratos. Joga-se no ar uma
notícia, principalmente na internet, e meia hora depois ela já está sepultada
por milhares de comentários, desmentidos e outras notícias semelhantes. E mais:
a ideologização desses meios de comunicação foi facilitada. É muita gente
escrevendo. É muita gente dando palpite. É muito "formador de opinião“ a
berrar nas redes de televisão suas bravatas e ideias obtusas e absurdas de
forma inconsequente, em busca do melhor escândalo, do comentário mais
esdrúxulo, da imagem mais chocante. Porque tudo isso passa, como um raio. E
daqui a pouco tempo, já são outras as imagens e outros os motivos do berreiro.
Com um fator importantíssimo: a interação com o público. Não somente nas redes
sociais da internet, mas também nas redes de televisão: lá estão girando, ao pé
da tela, as frases mal alinhavadas de dezenas de pessoas a dizer o que "pensam"
ou, o que é mais comum, o que "acham" do que está acontecendo. E haja
"achismo"!
O que eu quero dizer: no passado,
antes dessa era de comunicação instantânea, difusa e ao alcance de qualquer um
que saiba juntar um "a" com um "b", as pessoas também eram
intolerantes, rancorosas, maldosas, estúpidas, dispostas a xingar qualquer um
que se lhes opusesse, desagradáveis com vizinhos e parentes, com amigos e
inimigos, preconceituosas, machistas, fundamentalistas em suas crenças
religiosas, rancorosas em relação a seus adversários políticos. Porém, tudo
isso era muito difícil de vir à tona, ou ficava no pequeno círculo de vivência
de cada um. Podia-se reunir em associações, como a TFP do Plínio Correa, e
assemelhadas, para buscar companheiros de ódio, mas isso era complicado:
necessitava-se deslocar para uma sede, discutir e votar regulamentos e moções,
aceitar regras etc. Então, só os fanáticos é que se aventuravam nessas
empreitadas. E já eram bastantes, os fanáticos, para cobrar, quando necessário,
a sociedade e as autoridades. Principalmente quando suas causas achavam as
pessoas certas nas redações da grande imprensa. Haja vista a adesão popular ao
golpe de 1964. Sem internet, "apenas" com o incentivo da imprensa, das
milhares de paróquias e do precário telefone, as "marchas com deus pela
família" reuniram milhões. Também o fato se repetiu, na campanha das
diretas, no sentido inverso. E, um pouco mais tarde, no impeachment de Collor
de Melo.
Esses fatos, no entanto, o golpe,
as diretas e o impeachment, eram excepcionais. Ganharam repercussão e tiveram
um grande poder agregador. Seu poder de mobilização extrapolava a força de
qualquer mídia, de qualquer liderança, de qualquer outro movimento. Havia,
sempre, por trás, uma ideologia a ser defendida, uma ideia poderosa, um elemento
de fácil percepção e assimilação. Por isso, obtiveram sucesso.
Hoje, tudo é muito mais fácil.
Uma palavra que ganhe as mentes, pelas redes sociais, mesmo saída de um
grupelho, pode ser a centelha a incendiar a imaginação e a possibilidade de
ação de milhares de pessoas, em poucas horas, em poucos dias. O poder de
mobilização de grupos, por menores que sejam, se bem articulados e bem orientados
quanto àquilo que a massa deseja (devidamente interpretadas as intenções, os
gostos, as opiniões e os desejos dessa massa, através da leitura correta de
dados de pesquisa) multiplica-se através de mecanismos robóticos e da ação de
correligionários voluntários ou involuntários, num processo que, depois de
desencadeado, tem mínimas possibilidades de ser interrompido. Vem à lembrança
uma música - "tem bobo pra tudo". Pois, é: há ideias e sugestões e
convites para todos os gostos.
Tudo aquilo que ficava reprimido
ou comprimido em ambientes restritos, hoje - na era da "café solúvel"
- ganha caracteres maiúsculos e fotos e filmes e desenhos e destaque em
pouquíssimo tempo. E dá até mesmo àqueles que têm o poder da mídia - rádio,
televisão, jornais, revistas... - o "direito" de também insultar e
revidar e chutar o balde no momento mesmo em que ficam sabendo do que disse o
outro sobre si ou sobre o que ele pensa. É o insulto ao alcance de todos. Instantâneo.
Revidado na hora O ódio disseminado num estalar de dedos, e sem arrependimentos,
já que em poucas horas de "curtidas" já ninguém se lembra disso,
mesmo. Sem qualquer racionalização. Sem consequência. Às vezes, só os advogados
e juízes, nos tribunais, vão se lembrar, mas depois de tanto tempo, quem se
importa?
Afinal - pensa-se ainda de forma
primitiva e conveniente - chumbo trocado não dói. E o chumbo fica a cada
minuto, a cada hora, a cada dia mais grosso. De todos os lados. Porque a
humanidade é formada de pessoas que sempre foram, são, e infelizmente ainda continuarão sendo por
muito tempo, intolerantes, rancorosas, maldosas, estúpidas, dispostas a xingar
qualquer um que se lhes oponha, desagradáveis com vizinhos e parentes, com
amigos e inimigos, preconceituosas, machistas, fundamentalistas em suas crenças
religiosas, rancorosas em relação a seus adversários políticos etc., etc.,
etc...
E vivam as exceções, claro!
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