abril 27, 2023

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O MAL QUE PODE CAUSAR AOS SERES HUMANOS

(Adrien Vernet)

O que mais me encantava na ficção de Isaac Asimov, quando ele escrevia sobre os robôs do futuro, era o aspecto ético incutido na memória profunda das máquinas do que hoje chamamos de inteligência artificial (IA), com as três leis da robótica:

· Um robô não pode causar dano a um ser humano nem, por omissão, permitir que um ser humano sofra.

· Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a primeira lei.

· Um robô deve proteger sua própria existência, desde que essa proteção não se choque com a primeira e a segunda lei.

A preocupação do autor se concentra na segurança dos seres humanos, já que seus robôs são cada vez mais “humanizados”, a tal ponto que conseguem até mesmo filosofar sobre sua própria existência e a sua relação com seus criadores, num dos contos belíssimos de “Eu, Robô”. Se ele, o robô, é mais inteligente e mais capaz do que qualquer ser humano, como pode ser uma criatura e não ele mesmo o criador? Mas, as três leis da robótica não permitem que ele transforme em revolta o que a sua lógica parece levar, ou seja, a uma espécie de domínio da máquina sobre o ser humano.

Essa era uma preocupação que parecia ser suficiente na ficção, para que nos preparássemos para a “inteligência” robótica. Estávamos seguros. Mas, a realidade atropela a ficção e hoje a segurança humana está localizada em aspectos impensáveis na época de Asimov, que não está tão longe assim.

Para não nos alongarmos muito, já que o assunto é complexo, lanço a pergunta que não quer calar: em que aspectos da vida humana a IA nos ameaça?

Antes de responder, quero dizer que sou fã diletante da IA no que ela pode nos trazer de benefícios em inúmeros aspectos da vida cotidiana, na resolução de problemas complexos e até mesmo na administração de muitas situações em que temos tido imensas dificuldades, como, por exemplo, o trânsito, principalmente das grandes cidades, com seus congestionamentos, acidentes e atropelamentos. Diz Yuval Harari, em um de seus livros, que, num futuro não muito distante, os humanos serão proibidos de dirigir máquinas, como os automóveis, resolvendo-se, assim, problemas como atropelamentos, falta de espaço para garagens, poluição etc.

Mas, voltemos àquilo que eu creio ser a maior ameaça da IA aos seres humanos: a criatividade.

A capacidade de criar obras de arte, sejam de que tipo for, desde uma escultura até um romance ou poemas, talvez seja um dos aspectos mais complexos da evolução humana. Somos capazes de imaginar e de sonhar. Mas, acima de tudo, somos capazes de transformar a imaginação e o sonho em obras que encantam e, principalmente, tornam mais humanos e mais civilizados os seres humanos que somos. Ou seja: a arte humaniza o ser humano. Mais do que qualquer outro aspecto civilizatório, contemplar uma obra de arte, ler um romance ou um poema, assistir a uma peça de teatro, aplaudir um espetáculo de dança, ouvir música etc., tudo isso tem para nós o valor inestimável de um acervo que eleva a nossa mente a um tal grau de satisfação e de orgulho de sermos humanos, que nenhuma outra obra tem capacidade de realizar. A necessidade da existência da arte e dos artistas reside precisamente nisso.

Assim, quando os algoritmos da IA ganham capacidade de realizar obras de arte, a partir de um incalculável e inimaginável banco de dados, e até mesmo nos convencer de que o que ela realizou é uma obra de arte, ela está ameaçando o ser humano em seu cerne, em seu aspecto mais profundo de humanidade. Porque, por mais que seja passível de ser julgada como obra de arte um quadro ou um romance ou um poema ou uma música etc. que a IA produza, não passa de um pastiche, ou seja, a reorganização em outros padrões aparentemente criativos de obras pré-existentes. Mesmo que um músico, por exemplo, julgue de “qualidade” uma valsa ou uma música pop ou um rock criados pela IA, ele está sendo enganado por uma falsa percepção de originalidade, já que as notas musicais ali produzidas apenas compilam centenas de milhares de outras composições, num arranjo “inteligente”. Um romance ou um poema escritos pela IA, mesmo que pareçam originais, não passam de um rearranjo de frases e situações de seu imenso banco de dados. Há, portanto, a ilusão de originalidade, mas é uma pseudo originalidade, um pastiche apenas. O pior disso tudo é que há muita gente se enganando sobre isso. Achando que IA é realmente uma saída para a sua própria falta de originalidade e, num desvio ético tenebroso, publicando livros e outras obras “criadas” pela IA como se fossem de sua autoria e driblando a boa fé dos consumidores de arte.

Eu acredito que está nas nossas mãos, na capacidade de criar e de imaginar dos seres humanos, a responsabilidade de discutir seriamente até onde pode interferir em nossas vidas essa imensa capacidade tecnológica da IA. Assim como Isaac Asimov criou as três leis da robótica, para a segurança dos humanos, devíamos começar a pensar seriamente em leis de ética para impedir mesmo que a IA invada a criatividade humana com sua pseudo criatividade e chegue ao ponto de tornar ainda mais bárbaro o ser humano, ao tomar dele a capacidade de sonhar e criar. Um basta vigoroso a isso, antes que, com o tempo, normalizemos a “arte” da máquina em detrimento da arte criada por humanos. Porque, quando isso acontecer, aí sim teremos sido dominados completamente pelos robôs, sem que eles precisem se revoltar contra seus criadores.

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