janeiro 19, 2014

O MIMIMI DOS REDUCIONISTAS









Os chuveirinhos de praia da Zona Sul do Rio podem (eu disse "podem") estar contaminados. Um notícia desagradável, principalmente para os banhistas das praias cariocas. Sai a notícia e algum comenta: não basta tudo isso que aí está e o brasileiro ainda toma banho de merda. Reducionismo. Puro reducionismo: o Brasil se reduziu à Zona Sul do Rio de Janeiro, mais precisamente, aos chuveirinhos das praias cariocas.

Moleques - de 14 a 18 anos - de bairros periféricos de São Paulo combinam se encontrar num determinado shopping, para jogar conversa fora, paquerar, tomar sorvete e se divertir. A rede social - que tudo amplia - leva a que milhares compareçam ao "encontro", que assusta pessoas, que chamam a polícia, que provoca tumulto (a presença da polícia em um shopping é sempre motivo de susto, preocupação e até pânico). Não aconteceu nada. Mas a moda "pega" entre a molecada, de São Paulo e outras grandes e poucas cidades que têm shopping centers, esses templos elitistas da moda. A imprensa amplia o alcance e a importância disso que eles mesmos, os moleques de férias e sem lugar para se encontrar, denominaram de "rolezinho", festinha, "encontrinho". Detalhe: apesar de muitos morarem em bairros de periferia, e até em favelas, não são exatamente os "excluídos", pois usam tênis e roupas de marca e têm celulares de última geração, através dos quais marcam seus encontros via internet. Aliás, até admiram os shoppings, porque lá estão as mercadorias que são o seu sonho de consumo. Mas, como a "coisa" se ampliou, haja análise sociológica e haja repressão, dos donos dos shoppings e da polícia. Os primeiros, em geral por "segurança" e "burrice": segurança, porque não percebem que não são esses moleques que vão pôr em risco o seu empreendimento; burrice, porque poderiam achar formas de capitalizar esses encontros e torná-los até mesmo lucrativos para seu estabelecimento, com uma boa e inteligente campanha de marketing. A polícia, porque adora reprimir e descer o cacete. E a discussão se alastra nas redes sociais, como se o Brasil se resumisse a isso, "rolezinho" de moleques em férias. Reducionismo. Puro reducionismo. Já que um fenômeno circunscrito - que até pode se alastrar para algumas outras cidades - torna-se parâmetro e paradigma de todos os fatores de exclusão social do País.

O repórter histérico da televisão repete dezenas, sim, dezenas de vezes, o assalto ocorrido no interior do Paraná (ou de qualquer outro estado), no qual morreu alguém ou alguém foi seriamente baleado. Ficamos com a impressão de que o fato ocorreu à porta de nossa casa e basta colocarmos o pé na rua, para sermos assaltados, roubados e mortos. E o repórter esbraveja contra a falta de segurança do País, ampliando ainda mais a sensação de insegurança, de medo, de pavor. Reducionismo. Puro reducionismo: o Brasil inteiro é medido e avaliado por uma única ou por algumas poucas ocorrências policiais devidamente filmadas e repetidas à exaustão.

E assim ocorre com todos os fatos que vemos diariamente na televisão, ouvimos no rádio, lemos nos jornais e revistas: enchentes, rebeliões em presídios, desabamentos, acidentes em estradas, mortes de motociclistas etc. etc. etc. São, muitas vezes, fatos graves, sem dúvida nenhuma, mas que têm a marca única de serem localizados, ou seja, não são fatos que estão acontecendo a todo momento em todos os lugares. Sua repetição e ampliação - e mais: a tentativa, muitas vezes com sucesso, de transformá-los em referência para tudo - fazem desses fatos a medida de tudo, como se o País, tão grande, tão múltiplo, se reduzisse a eles, apequenando-se diante da expressão que ouvimos a todo momento: "isto é Brasil', ou "o brasileiro é assim ou assado". E também isso se transfere para o reducionismo estúpido de julgarmos o comportamento de grupos como se fosse o comportamento de todos: "o homem brasileiro é machista" ou "o carioca é preguiçoso", "o paulistano é estressado" etc. Até mesmo características físicas - que podem, sim, às vezes, parecer ser de todos, mas é de apenas uma parcela da população - tornam-se "a" marca: "a mulher brasileira tem bunda grande". E tantas e tantas besteiras ouvimos todos os dias, repetidas e repetidas como mantras de ideologias ou de quem tem preguiça de pensar ou de unir os dois neurônios para olhar a realidade, que achamos que são verdades absolutas, truísmos que aceitamos sem qualquer senso crítico.

Quer saber? Isso tudo é um saco!

Por isso, não leio, não ouço, não compartilho opiniões de "especialistas", sejam eles de economia, de sociologia, de meteorologia, de culinária, de qualquer coisa, quando convidados a dar opiniões no calor dos acontecimentos, diante de câmeras de televisão ou de repórteres de jornais e revistas. Porque, mesmo que sejam pessoas estudiosas e sérias, aparecem na mídia a falar o que a mídia quer que eles falem, ou sejam, são especialistas em reducionismos idiotas com aparência de seriedade. Servem apenas para enganar, num engodo que se repete e torna "a" verdade tudo o que afirma com cara de "doutores", como se a verdade fosse única, indivisível e absoluta.


E esse mal - o reducionismo corrosivo que nos torna reféns de ideias rasas e  pré-concebidas estabelecidas como verdade - está na raiz de preconceitos de todos os tipos; na raiz de insatisfações e rebeldias sem causa; na raiz de julgamentos sem prova escorados em interesses escusos; na raiz de nossos terrores mais infundados; na raiz, enfim, de nossa ignorância da realidade. Porque o reducionismo funciona como antolhos, que nos obrigam a ver uma só realidade e, assim mesmo, distorcida.

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