Os chuveirinhos de praia da Zona
Sul do Rio podem (eu disse "podem") estar contaminados. Um notícia
desagradável, principalmente para os banhistas das praias cariocas. Sai a
notícia e algum comenta: não basta tudo isso que aí está e o brasileiro ainda
toma banho de merda. Reducionismo. Puro reducionismo: o Brasil se reduziu à
Zona Sul do Rio de Janeiro, mais precisamente, aos chuveirinhos das praias
cariocas.
Moleques - de 14 a 18 anos - de
bairros periféricos de São Paulo combinam se encontrar num determinado
shopping, para jogar conversa fora, paquerar, tomar sorvete e se divertir. A
rede social - que tudo amplia - leva a que milhares compareçam ao
"encontro", que assusta pessoas, que chamam a polícia, que provoca
tumulto (a presença da polícia em um shopping é sempre motivo de susto,
preocupação e até pânico). Não aconteceu nada. Mas a moda "pega"
entre a molecada, de São Paulo e outras grandes e poucas cidades que têm
shopping centers, esses templos elitistas da moda. A imprensa amplia o alcance
e a importância disso que eles mesmos, os moleques de férias e sem lugar para
se encontrar, denominaram de "rolezinho", festinha,
"encontrinho". Detalhe: apesar de muitos morarem em bairros de
periferia, e até em favelas, não são exatamente os "excluídos", pois
usam tênis e roupas de marca e têm celulares de última geração, através dos
quais marcam seus encontros via internet. Aliás, até admiram os shoppings,
porque lá estão as mercadorias que são o seu sonho de consumo. Mas, como a
"coisa" se ampliou, haja análise sociológica e haja repressão, dos
donos dos shoppings e da polícia. Os primeiros, em geral por
"segurança" e "burrice": segurança, porque não percebem que
não são esses moleques que vão pôr em risco o seu empreendimento; burrice,
porque poderiam achar formas de capitalizar esses encontros e torná-los até
mesmo lucrativos para seu estabelecimento, com uma boa e inteligente campanha
de marketing. A polícia, porque adora reprimir e descer o cacete. E a discussão
se alastra nas redes sociais, como se o Brasil se resumisse a isso,
"rolezinho" de moleques em férias. Reducionismo. Puro reducionismo.
Já que um fenômeno circunscrito - que até pode se alastrar para algumas outras
cidades - torna-se parâmetro e paradigma de todos os fatores de exclusão social
do País.
O repórter histérico da televisão
repete dezenas, sim, dezenas de vezes, o assalto ocorrido no interior do Paraná
(ou de qualquer outro estado), no qual morreu alguém ou alguém foi seriamente
baleado. Ficamos com a impressão de que o fato ocorreu à porta de nossa casa e
basta colocarmos o pé na rua, para sermos assaltados, roubados e mortos. E o
repórter esbraveja contra a falta de segurança do País, ampliando ainda mais a
sensação de insegurança, de medo, de pavor. Reducionismo. Puro reducionismo: o
Brasil inteiro é medido e avaliado por uma única ou por algumas poucas
ocorrências policiais devidamente filmadas e repetidas à exaustão.
E assim ocorre com todos os fatos
que vemos diariamente na televisão, ouvimos no rádio, lemos nos jornais e
revistas: enchentes, rebeliões em presídios, desabamentos, acidentes em
estradas, mortes de motociclistas etc. etc. etc. São, muitas vezes, fatos
graves, sem dúvida nenhuma, mas que têm a marca única de serem localizados, ou
seja, não são fatos que estão acontecendo a todo momento em todos os lugares.
Sua repetição e ampliação - e mais: a tentativa, muitas vezes com sucesso, de
transformá-los em referência para tudo - fazem desses fatos a medida de tudo,
como se o País, tão grande, tão múltiplo, se reduzisse a eles, apequenando-se
diante da expressão que ouvimos a todo momento: "isto é Brasil', ou
"o brasileiro é assim ou assado". E também isso se transfere para o
reducionismo estúpido de julgarmos o comportamento de grupos como se fosse o
comportamento de todos: "o homem brasileiro é machista" ou "o
carioca é preguiçoso", "o paulistano é estressado" etc. Até
mesmo características físicas - que podem, sim, às vezes, parecer ser de todos,
mas é de apenas uma parcela da população - tornam-se "a" marca:
"a mulher brasileira tem bunda grande". E tantas e tantas besteiras
ouvimos todos os dias, repetidas e repetidas como mantras de ideologias ou de
quem tem preguiça de pensar ou de unir os dois neurônios para olhar a
realidade, que achamos que são verdades absolutas, truísmos que aceitamos sem
qualquer senso crítico.
Quer saber? Isso tudo é um saco!
Por isso, não leio, não ouço, não
compartilho opiniões de "especialistas", sejam eles de economia, de
sociologia, de meteorologia, de culinária, de qualquer coisa, quando convidados
a dar opiniões no calor dos acontecimentos, diante de câmeras de televisão ou
de repórteres de jornais e revistas. Porque, mesmo que sejam pessoas estudiosas
e sérias, aparecem na mídia a falar o que a mídia quer que eles falem, ou
sejam, são especialistas em reducionismos idiotas com aparência de seriedade.
Servem apenas para enganar, num engodo que se repete e torna "a"
verdade tudo o que afirma com cara de "doutores", como se a verdade
fosse única, indivisível e absoluta.
E esse mal - o reducionismo
corrosivo que nos torna reféns de ideias rasas e pré-concebidas estabelecidas como verdade -
está na raiz de preconceitos de todos os tipos; na raiz de insatisfações e
rebeldias sem causa; na raiz de julgamentos sem prova escorados em interesses
escusos; na raiz de nossos terrores mais infundados; na raiz, enfim, de nossa
ignorância da realidade. Porque o reducionismo funciona como antolhos, que nos
obrigam a ver uma só realidade e, assim mesmo, distorcida.
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