janeiro 07, 2009

NOVA IDADE

Anoiteço. Ainda não o lusco-fusco do fim do dia, mas a curva descendente para a noite. Aquele tempo em que não se comemora mais um ano, e sim, lamenta-se menos um ano. Deprimente? Talvez. Mas assim a vida é, assim somos nós, pobres mortais.

Viver é morrer um pouco a cada ano, a cada mês, a cada dia, a cada minuto, a cada segundo. A areia que cai da clépsidra não retorna, mesmo que invertamos o fluxo. E viver é também contar os que ficaram nos obstáculos da vida, desde os mais simples, como a escolha de parar de viver (eu disse simples? – que idiota!) até os mais complexos, como o definhar-se em longos leitos brancos de casas que não são as nossas. Eles, os que ficaram pelos caminhos, estão lá, inúteis e belos no seu momento. E nós, aqui, envelhecendo com suas lembranças. Melhor deixá-los.

Olho-me no espelho. Não sou eu, claro, aquele velho gordo e grisalho que me olha, desconfiado. Sorrio. E reconheço o sorriso, mesmo disfarçado pelo grotesco do tempo. Consolo-me: ainda sorrio como soía. Mas dói. Esta a imagem clássica: o velho que procura o jovem nos traços obtusos do espelho. Caio na armadilha. Sabendo, embora, que, literariamente, e só literariamente, esse truque funciona. Lembra-me Dorian Gray e almejo um espelho que fosse a verdade e um jovem que fosse mentira. Ah, a literatura!

Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse. Não sei mais agora do que sabia antes, não pude antes mais do que posso agora. Jogo com as palavras, buscando consolo ou isso é a mais pura verdade? Não sei. Apenas sei que não me acho o velho sábio que um dia disseram que eu seria, e já não tenho o frescor de quando consolavam minha ignorância. Mais um truque de quem não se conforma com o que vê?

Ah! gostaria de não me conformar. Realmente, gostaria. Pintar os cabelos, arrepiá-los como vejo os dos jovens de hoje (e rio-me das tantas toucas para amansar os rebeldes cabelos de criança!); vestir uma daquelas bermudas largonas de não sei quantos bolsos; comprar o tênis mais caro da loja mais chique; orgulhar-me da camiseta de banda, com uma caveira brilhante; e muitos, muitos piercings, no nariz, na orelha, no umbigo... e nem me importar que fosse tudo isso muito, muito ridículo para a minha idade, principalmente ao limitar o vocabulário a meio dúzia de tá ligado, é isso aí!

Não, isso é bobagem. São delírios dessa merda que chamam de terceira idade, para nos domesticar, para nos colocar no nosso mundo, no nosso tempo, como se nós, os jovens de mais de sessenta pudéssemos ser todos empalhados e colocados à visitação publica numa estante envidraçada de um museu de história natural.

Mesmo que tempo faça em todos os homens e em todas as mulheres os mesmos estragos (que nem silicone e cirurgia resolvem, depois da algum tempo), é sábio o suficiente o tempo para passar de modo diferente para cada um. Carrego comigo, como indivíduo único, alegrias, tristezas, experiências e caminhos que nenhum outro ser humano pode compartilhar. Por isso, não me importa que o velho gordo e grisalho ria de mim no espelho: dou-lhe uma banana (que ele retribui) e solto uma gargalhada, que ele não sabe como imitar.

E vou em frente, nessa nova idade. Ou novidade.

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