dezembro 27, 2008

A CANOA FURADA DA MÍDIA ISENTA, OU MESMO, HONESTA

Não sei se conseguirei , sobre o tema a que me propus neste artigo, dizer tudo o que eu penso e de forma sucinta que não leve algum pretenso leitor ao tédio e à desistência. O que eu sei, apenas, é que o assunto é complexo, polêmico e árduo. Tentarei, pois, enxugar o pensamento e, para isso, abandono de imediato esta já meio longa introdução, para ir direto àquilo que desejo discutir.

A realidade. Parece estar diante de nossos olhos. Fácil apreendê-la e compreendê-la, portanto.

Ledo engano. Temos, do mundo que nos cerca, somente uma visão parcial e completamente deturpada por nossos olhos, imperfeitos e limitados; por nossa weltanshauung, tão variada e complexa quanto cada cabeça pensante existente no mundo; por nossa herança genética, de resultados imprevisíveis; pelo meio em que vivemos, que tanto influenciamos quanto por ele somos influenciados; por nossa educação, a que se juntam tanto os elementos próximos, como pais, parentes,mestres, amigos e conhecidos, quanto distantes, como toda a rede de conhecimentos que nos chegam através de todos os meios e de todos os nossos sentidos; por todos os elementos que nos cercam e que contribuem para que olhemos o mundo com um viés próprio e absolutamente diferente de todos os demais.

Uma paisagem, por exemplo. Mesmo que duas pessoas conseguissem sobrepor os seus olhos para contemplá-la, ainda assim veria cada uma um aspecto, um detalhe, uma cor que o outro não conseguiria captar, além de obter impressões totalmente diferentes a partir de estados diferentes de consciência, de pensamento, de conhecimento. A mesma paisagem poderia despertar indiferença em mim e saudades em você.

Se conseguíssemos reunir todos os olhares de todos os homens, desde o mais primitivo ser humano que surgiu sobre a terra, teríamos um painel tão absurdo de realidades, que seria tudo, menos a própria realidade.

Portanto, se há apenas uma natureza, uma única realidade, há tantas interpretações quantos são os indivíduos que a contemplam.

Dito isso, é preciso ficar claro: não há isenção. Ou seja, não existe nenhuma possibilidade de que aquilo que eu digo, escrevo ou comunico não esteja contaminado definitivamente por minha visão de mundo, por minha weltanshauung.

Nenhuma mídia (jornal, televisão, revista, internet), nenhuma arte (literatura, escultura, pintura etc.), nenhum ato humano, afinal, são descolados do ponto de vista de quem os emite, porque todo ser humano tem a sua própria e inconfundível visão de mundo, como se fosse uma espécie de registro único, uma impressão digital.

A grande ilusão humana é querer juntar uma grande quantidade de pessoas sob um mesmo guarda-chuva ideológico, como a religião, por exemplo. O cristianismo pode ter alguns bilhões de seguidores, mas certamente cada indivíduo que se confessa cristão professa a sua crença de forma diferente dos demais, embora não o perceba ou não seja capaz de detectar as infinitas nuances de sua fé em relação a todos os outros indivíduos.

E a grande ilusão de aglutinar tudo em grandes blocos de pensamento nasceu e desenvolveu-se a partir da criação do pensamento metafísico, que consiste em criar um mundo paralelo, um mundo além do mundo, uma projeção perfeita de uma realidade que nos parece imperfeita porque não a apreendemos nem a compreendemos em sua totalidade. Assim, existe o mundo que vemos, com todas as suas limitações e deformações promovidas por nossos sentidos, e o mundo mágico, ilimitado, organizado em torno de leis imutáveis. Perfeito. Nele habitam nossas almas, nossos anseios. E nele habita o deus ou os deuses que criamos para nos proteger e a quem entregamos nossos sonhos.

A metafísica, dizem, descobriu-a os gregos. Mas já existia muito antes deles, desde que o primeiro homem teve consciência de que não conseguiria explicar fenômenos que ele não compreendia, como a vida e a morte, ou toda a gama de sentimentos físicos ou provocados por um cérebro que se desenvolvia e que se transformava numa usina de conhecimentos, de criatividade e de consciência da realidade.

Voltando à mídia e à comunicação humana que são, na verdade, o objetivo de discussão desse emaranhado de idéias a que tento ordenar, talvez meio canhestramente: se eu escrevo, aqui, essas linhas, está claro que o que eu penso está contaminado por aquilo que eu sou e, quando me comunico, ou tento me comunicar, o meu objetivo, por mais que eu queira ser isento, será sempre trazer o meu receptor (ouvinte , leitor etc.) para dentro de minha visão de mundo, ou seja, eu quero influenciá-lo. Este o objetivo da comunicação entre os homens: tentar influenciar uns aos outros.

Quando, por exemplo, um jornal, se diz isento, ele está mentindo. Está sendo desonesto, na sua comunicação, porque está vendendo como verdade a mentira da isenção. É humanamente impossível uma comunicação, por mais simples que seja, não ter a finalidade de influenciar o outro. Porque em tudo que comunicamos trazemos indelével e definitivamente a marca de tudo aquilo que somos, de tudo aquilo que nos formou como indivíduos.

Vamos a um caso simples: os Estúdios Disney, que todos conhecem. Tudo o que a Disney faz, desde o primeiro desenho de seu fundador, tem por características, primeiro, a busca da excelência do produto, em termos formais; em segundo, tudo, absolutamente tudo, está contaminado por um ideal (que credito também ao pensamento do fundador): a transmissão e a fixação dos valores e princípios que norteiam a sociedade estadunidense, que podemos, de acordo com nosso ponto de vista, achar que são válidos para o mundo todo (como acham os que trabalham nos, para e com os Estúdios Disney) ou achar que são um veneno para as demais seres humanos.

No Brasil, os grandes conglomerados midiáticos têm, todos, absolutamente todos, a sua ideologia, que se reflete em cada linha ou em cada evento que eles patrocinem, publiquem ou divulguem. Não há como escapar.

Você pode eleger, de acordo com critérios pessoais (e também aí está presente a sua weltanshauung), a mídia mais honesta, ou aquele jornal ou revista ou canal de televisão que menos tenta manipular seu pensamento, embora saiba que todos eles o fazem. Mesmo aquela mídia que parece cometer certas incoerências, que costuma vender camufladamente com o nome de isenção o dar a palavra ao contraditório, no fundo, o que faz, sempre, e em todos os momentos, é tentar fazer você engolir o peixe deles, ou seja, a sua ideologia.

Exemplifico: a poderosa Rede Globo, entre outros princípios, tem e transmite sempre uma ideologia católica romana. No entanto, em nome do entretenimento (que é o seu guarda-chuva maior, no ramo, tanto que até os seus jornais são leves e agradáveis, mesmo quando transmitem a mais negra tragédia), permite-se levar a seus telespectadores um filme como “O Código da Vinci”, uma bobagem, uma brincadeira, mas uma grande bobagem anticristã, anticatólica, condenada veemente pelo Vaticano. Isso é isenção? Claro que não. É apenas manipulação da mente, ao dizer: olhe como nós somos isentos, permitimos que você assista a esse filme. Na verdade, de forma sutil, quer dizer: é uma grande brincadeira ficcional, senão não o estaríamos veiculando, ou seja, reafirma os valores cristãos através da exposição do contrário

Assim, para concluir esse já longo arrazoado, que não sei bem se tem a clareza necessária para a compreensão de todos, o que eu quero, mesmo, é influenciar um ou outro possível ou provável leitor para a minha ideologia. E se esse leitor tiver um pouquinho, só um pouquinho de paciência,para atentar para as minhas palavras, perceberá muito bem qual é o pensamento que norteia o que eu disse e qual, enfim, é a minha weltanshauung. Porque é assim que devemos ver a mídia que nos massacra em todos os momentos de nossa vida: com cuidado e com visão crítica, embora embarquemos a todo instante em canoas furadas que eles nos vendem, como a isenção ou, mesmo, a honestidade de seus propósitos.

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