dezembro 10, 2008

SOMOS TODOS MUITO COMPLACENTES

Vou meter minha colher num assunto complicado. Complicado e polêmico. Que não deverá agradar a muita gente, diria, até, que não agradará à maioria quase absoluta dos seres humanos. Mas, vamos lá. Verité oblige.

A crença deísta baseia-se e se desenvolveu na mais estúpida forma de filosofia criada pelo ser humano, a metafísica. Acreditar na simples possibilidade de que há um mundo etéreo, além do real, fez-nos reféns de crenças absurdas, que cultivamos desde tempos imemoriais. Crenças que destroem no homem qualquer possibilidade de uma melhor compreensão de si mesmo e dos fenômenos naturais.

Somos fruto de um longo e aleatório processo evolutivo, natural, harmônico às vezes, cruel, na maioria das vezes, por envolver a luta de forças poderosas e antagônicas. Da batalha evolutiva de bilhões de anos, aqui estamos, um estágio da célula primeva, mas um estágio. De onde viemos exatamente e para onde vamos, como seres vivos, não sabemos e talvez não venhamos a saber nunca. Isso, porém, absolutamente, não importa. Porque, dentro da linha evolutiva, uma geração de humanos é um nada, um milésimo de milímetro em bilhões de quilômetros percorridos e a percorrer. O tempo, o nosso tempo, é tão finito e vago como o piscar de um vaga-lume na escuridão da noite.

Criar a possibilidade absurda da permanência, através de uma alma imortal, determinou um tipo de pensamento mágico que persegue o homem desde os primórdios de suas mais primitivas estruturas mentais. A metafísica contida nessa magia destruiu sua capacidade de pensar logicamente em suas origens e destino. Deuses e rituais mágicos são, apenas, conseqüência de uma necessidade absurda de imortalidade, como se, criado por criatura surgida dessa necessidade, ele tivesse que sobreviver para comprovar a si mesmo que é o produto máximo dessa pretensa criação. É, portanto, a demonstração mais acabada de nossa arrogância, mais até que fruto da ignorância.

A civilização dos homens fundou-se, então, em princípios deístas, metafísicos, de crença em deuses, profetas, vida além da morte e todos os demais ritos e pensamentos ilógicos daí provenientes. Um manto perverso de miséria e cegueira cobriu, talvez para sempre, a capacidade do homem de se ver como um produto da evolução, como um animal evoluído, e não, como pregam as metafísicas deístas, um anjo decaído, uma criatura formada à imagem e semelhança de um criador que tem todas as qualidades que o ser humano, individualmente, gostaria de ter, para se imortalizar.

As conseqüências disso estão aí: todas as religiões, todas as seitas, todas as filosofias deístas condenam a vida e exaltam a morte. São crenças de adoração a deuses mortos que ressuscitam, a deuses que prometem benesses celestiais, a deuses que condenam o pretenso materialismo dos seres humanos e enaltecem o espírito, seja lá o que queiram dizer com esse tal de espírito. Tão forte a idéia, que o termo se tornou absolutamente banal, e sinônimo de todas as boas qualidades do homem. Um absurdo completo!

Cultuar a morte é dar pouco valor à vida. Afinal, a vida só começa, mesmo, com a salvação prometida pelo deus. No céu, no paraíso, no tal outro lado da vida. E não adianta dizer que, nesses milhares e milhares de anos de civilização e de documentação, não há uma só prova, uma única, de que alguém tenha voltado de além-túmulo, ou sobrevivido à morte. Os deístas apresentam como provas milhões de falsos testemunhos, de meros desejos ou, mesmo, de inúmeros casos da mais clara prestidigitação, para encher os ouvidos e as mentes dos crentes no poder de deuses que nunca, em tempo algum, alguém viu ou com eles alguém teve contato que se provasse cientificamente.

Então, morrer é o que de menos pior pode acontecer ao ser humano. Mesmo que a morte de um ser querido nos atormente e nos faça sofrer. Resignamo-nos, porque, primeiro, é vontade do deus; segundo, porque deverá estar, o ente querido, no paraíso ou ao lado desse deus; terceiro, porque iremos todos nos reencontrar um dia, seja quando morrermos, seja num pretenso juízo final.

Então, matar também não faz muita diferença, embora condenemos o assassínio. Condenamo-lo, em termos. Porque lhe perdoamos. Afinal, a vontade de um deus cumpriu-se pelas mãos de um mortal, também filho desse deus. Choramos muito os assassinados, os que morrem pelas mãos de outro ser humano, mas, no fundo, nos consolamos. E queremos, mais que a justiça dos homens, a justiça divina.

Por isso, quando vejo o desespero nos rostos de pais, mães, irmãos, familiares e amigos de pessoas assassinadas inutilmente em nossas ruas, em nossas cidades, em qualquer lugar, seja por balas perdidas, seja por bandidos e assaltantes, seja por terroristas ou soldados em campos de batalha, não consigo deixar de pensar em como somos todos tão complacentes com esses assassinos. Em como pedimos inutilmente justiça aos homens, quando, na verdade, só confiamos, como idiotas ancestrais, na tal justiça divina que alimenta todos esses assassinatos.

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