dezembro 18, 2008

BENTO, BENTINHO, QUE TE QUERO CASMURRO

O Bruxo de Cosme Velho deve estar quase feliz. Seu nome corre por todas as mídias. Comemora-se bem a sua caturrice. Um sorriso, o máximo que se pode conseguir dele, já velho e casmurro, viúvo inconsolável, assoma em seus lábios encarquilhados, enquanto perambula pelo velho casarão. Abre e lê os jornais. Vê a televisão. Compra revistas bem editadas. A tudo aprova, batendo na beira da cadeira de balanço com seu velho pincenês, enquanto se diverte por dentro com tantas e tantas análises feitas de sua obra.

Pois é, podemos imaginar a cena. Afinal, tudo é possível, em se tratando de Machado de Assis. Só não é possível deixar de reconhecer sua importância, sua grandeza, sua genialidade.

O maior escritor brasileiro, talvez um dos maiores do mundo – sou obrigado a curvar-me, mesmo admirando um Rosa ou um Graciliano, tão grandiosos quanto ele – tem, no seu centenário um momento raro de reconhecimento desse povo que lê tão pouco e que precisaria realmente reencontrar seus grandes autores.

Machado já tem aquela aura que o tempo dá aos que são eternos. Além de ter nascido no século XIX, um dos mais prolíficos séculos das letras de toda a história da humanidade e ter vivido aquele momento transformador que formou nossa consciência, nossa cultura.

Mas, do que eu quero falar, mesmo, nesse breve e despretensioso artigo, é de Don Casmurro, o romance-enigma, a obra mais comentada de Machado, tendo já direito a filmes, a mini-séries na televisão, a centenas talvez milhares de artigos a falar, quase todos de... Capitu.

A mulher de olhos de ressaca tomou corações e mentes. Lê-se romance para entender Capitu, para falar de Capitu, para buscar razões de Capitu, para decifrar o mistério de Capitu. Quando, na verdade, pelo menos em minha opinião, o grande mistério, a grande personagem não é Capitu, mas Bentinho.

Não há dúvida de que Capitu é uma grande personagem, mas é criação de Bentinho, vista e observada por ele, o narrador que vive a vida através do espelho Capitu, para mostrar a si mesmo, para se criar como personagem. A que assistimos, então, ao acompanhar a saga de Capitu, vista pelos olhos de Bento? A transformação lenta de um menino em homem e desse homem em um ser amargo, casmurro, ensimesmado e duro.

Dom Casmurro é um romance alquímico: Machado coloca no cadinho da dúvida de Bentinho toda a sua arte de escritor, desvelando pouco a pouco aquilo que a vida faz de um ser humano ao longo de sua trajetória em busca do conhecimento, do autoconhecimento. E não deixa pedra sobre pedra, nessa construção amarga. O pessimismo do autor destila em cada linha, em cada palavra, a mensagem cruel de que é preciso duvidar, de tudo e de todos, para encontrar a sabedoria, mesmo que nos arrisquemos a nos tornar tão amargos, que os amigos nos alcunhem de Casmurro, tendo o dom sido acrescentado pela ironia da situação.

Dom Casmurro, e não Capitu, na verdade, é a grande personagem de Machado, a despeito de tudo o que já se escreveu sobre ela. Que me desculpem as mulheres e aqueles que adoram ficar na duvidazinha meio besta da traição ou não de Capitu.

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