junho 08, 2009

AINDA O TRÁFICO, AINDA AS DROGAS, AINDA A HIPOCRISIA...




Consumo de drogas e tráfico. Problema cascudo. Que a sociedade não enfrenta do modo como devia: sem moralismos. Porque, ou discutimos isso como pessoas civilizadas ou estamos pondo em risco o próprio conceito de civilização.

Como jogar lenha nessa fogueira? Bem, o primeiro passo é deixarmos de ser hipócritas e reconhecermos que há, sim, quase total culpa pelo tráfico de uma certa classe média e média alta que consome toda e qualquer droga que se lhe apresentam como salvadora de suas neuroses. Não adianta combater o tráfico, se a sociedade não se conscientizar de que uma coisa não funciona sem a outra: o consumo é causa e o tráfico, efeito. Mas isso é apenas um lado do complexo prisma que envolve a discussão sobre drogas.

Primeiro, vou deixar clara minha opinião sobre o tema drogas: nunca consumi, não consumo e não consumirei jamais qualquer droga alucinógena, porque acredito que o ser humano não precisa disso. Não há provas de que cocaína ou maconha ou seja lá o que for aumentem em um átimo sequer a capacidade de entender a realidade ou de tornar alguém mais capaz do que é naquilo que faz. Nenhum artista (ou cientista ou quem quer que seja), e isto é mais do que provado, realizou qualquer obra-prima quando estava drogado, se não tivesse capacidade de criá-la sem o seu uso. Ou seja: a droga não aumenta a capacidade nem criativa nem intelectual de ninguém. Mas estão provadas cientificamente a dependência química e a deterioração física e mental dos usurários de drogas. Além dos problemas familiares, sociais, financeiros.

Dito isto, vamos a um argumento a favor da droga: a liberdade que tem o indivíduo de dispor de si como lhe aprouver. É um direito inalienável esse ou pode ser discutido? Pode, ou deve, o direito individual prevalecer sobre o social a despeito de quaisquer outras implicações? Acho que é esse um dos cernes da questão. Porque, na verdade, estaremos discutindo isto: que tipo de sociedade nós queremos?

Vamos, em tese, concordar com o argumento do direito individual. Que vantagens e desvantagens haveria na descriminalização das drogas? Com certeza, há muitas vantagens: eliminaríamos, em primeiro lugar, o tráfico, já que a droga seria comercializada de forma controlada, embora livre, com o pagamento de impostos e demais regulações legais. Só o fim do tráfico já seria um argumento poderoso a favor da legalização. Mas ainda há outros: o controle (pelo estado e, consequentemente, pela sociedade) impediria que menores usassem drogas e isso também pode ser um ponto altamente positivo. E mais: os drogados teriam assistência no uso, evitando-se as mortes por overdose; teriam locais certos de consumo, assistência médica e psicológica; tratamentos para desintoxicação quando resolvessem deixar o vício etc. etc. Há experiências dessa legalização em países europeus que comprovam que não há aumento significativo no uso de drogas, no início da liberalização, ocorrendo, inclusive, uma certa diminuição do número de usuários após algum tempo. Não sei se é verdade, mas parece lógico que isso ocorra. Portanto, teríamos uma sociedade mais justa, mais respeitosa dos direitos individuais, convivendo de forma pacífica com as diferenças. E isso parece bom. Há outras implicações? É lógico que sim, e esse pequeno artigo não pretende nem ir a fundo na questão nem levantar todos os problemas relacionados a tal decisão. Apenas dizer que, se pretendemos examinar sem moralismos o uso de drogas pela sociedade, devemos fazê-lo de forma desapaixonada e criteriosa, tendo sempre em mente a pergunta fundamental: que tipo de sociedade queremos?

E a descriminalização pode ser um caminho, porque o atual modelo repressivo tem-se revelado impotente para resolver o problema. Mas ela não é e não pode ser encarada como um modelo definitivo, tampouco como solução de todos os problemas, porque, a despeito da carga democrática e de aparente respeito humano que traz, ainda há questões mais profundas a serem discutidas, talvez mais adiante, talvez agora. Por exemplo: por que o homem precisa de drogas? Será que a necessidade de alienação está, de alguma forma, embutida na nossa herança genética ou terá sido criada em função das pressões do meio? Terá a ciência, algum dia, capacidade de anular os efeitos das drogas e libertar, para sempre, o homem desse tipo de dependência? Podemos entregar às drogas alguns indivíduos em nome da teórica salvação dos demais? Será que não estamos usando os drogados como bois de piranha de nossa própria incompetência como seres humanos? Vale a pena desperdiçar alguns cérebros para salvar outros? Não criaríamos uma nova casta de humanos, o que levaria à segregação e ao preconceito, futuramente? Não é perigoso demarcar, como gado, alguns indivíduos porque são diferentes e necessitam, para viver, de drogas e alucinógenos? Enfim, não será o melhor dos mundos um mundo em que se liberem as drogas, mas pode ser o início de uma discussão que leve à solução do problema. Ou vamos continuar sendo hipócritas na defesa do combate violento aos traficantes, esquecendo-nos de que eles são alimentados pelas mesmas pessoas, ou seus familiares, ou seus amigos, ou seus conhecidos, que vociferam nos meios de comunicação contra a violência do tráfico? Há aspectos emblemáticos nessa luta contra o tráfico: que outro empreendimento humano não se abalaria com prejuízos de milhões de dólares, ao serem apreendidas toneladas de drogas em todo o mundo, e continuaria suas atividades, como se nada tivesse acontecido? Não parece uma luta sem fim, sem qualquer perspectiva de vitória?

Acredito, e faço disso minha crença inabalável, que as drogas são perniciosas, sim, incluindo entre elas o álcool e o fumo, e que seu uso e abuso têm trazido mais, muito mais problemas que benefícios; e mais: acredito que o homem não precisa delas para se tornar melhor, ou pior, pois são apenas instrumentos de fuga da realidade, sinal, muitas vezes, de covardia diante do ato de viver, que é, sim, complexo e difícil, mas deve ser encarado como a experiência única e vital do ser humano. Também não estou me debandando assim facilmente para as fileiras dos que defendem de forma demagógica e irresponsável o uso indiscriminado de drogas e sua descriminalização. Não me iludo e nem devem se iludir as pessoas menos desavisadas com slogans e mecanismos de pressão de minorias. Mas, a discussão séria do problema e, até mesmo, a possibilidade de concordar com a liberalização do uso das drogas devem fazer parte da pauta de qualquer sociedade democrática e preocupada realmente com a relação entre seus membros e seus mecanismos de defesa, com seu funcionamento mais lógico e mais republicano, com seu futuro, enfim. Sem hipocrisias.



(Escrevi esse artigo em 11.4.2005 e republico-o, por continuar pensando o que pensava e porque leio no jornal a campanha da PUC/SP para impedir que seus alunos fumem maconha no campus da Universidade).


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