abril 14, 2009

A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

A tal semana santa já passou. A igreja já pregou mais uma vez o seu deus na cruz e já o ressuscitou. Mas, por aqui, os mortos continuam renascendo. Continuam pulando de seus túmulos para nos azucrinar a vida. Agora mesmo, o Serra, o impoluto Governador de São Paulo, acaba de trazer de novo à vida o falecido ex-ministro da Educação de FHC, o senhor Paulo Renato. E segundo os noticiários, respira sem aparelhos e tem a língua solta, para falar as bobagens de sempre.

Mas, não é só na política que os mortos-vivos (por que o povo vota sempre neles é a pergunta que não quer calar) pulam de seus túmulos, em qualquer época, para ações as mais descabidas (aparentemente), mas, na verdade, contribuindo para ações sutis e muito bem orquestradas de gente que quer ressuscitar fantasmas muito mais poderosos.

Vamos tentar entender esse imbróglio.

Defensora dos tucanos e grande eleitora de Serra, a Folha de São Paulo, há tempos, tentou vender a idéia de que a ditadura brasileira, comandada por meia dúzia de gorilas que tomaram o poder no golpe de 1964, não foi tão terrível quanto outras do continente. Até meio pelo contrário (se se pode dizer assim), foi bastante complacente e generosa, podendo se chamada de “ditabranda” (um neologismo pavoroso, não só pela semântica).

Ou seja, copiando aquele comercial que diz que nossos japoneses são melhores do que os de outros países, nossos gentis militares foram melhores do que os vilelas ou do que os pinochês de nuestros hermanos. Mataram menos gente, sim. Torturaram menos gente, sim. Se bem compararmos com a violência ali pela Cordilheira ou ali pelo Plata. Como se isso fosse um mero concurso de “vamos ver que arranca mais orelhas” e nós fôssemos os distintos perdedores. Como se tortura e morte em porões, por motivos políticos, se contabilizassem apenas pela quantidade de mortos, feridos, desaparecidos e torturados.

Agora, o Estadão ameaça também entrar no coro dos que desejam a ressurreição dos mortos mais fantasmagóricos de nossa História, ao dar voz a uma senhora que serviu (e muito bem) aos governos militares, para vir a público e declarar que “hoje em dia, pela força de versões sempre repetidas, a atual geração aceita que o 31 de Março foi um golpe militar. Não foi. O verdadeiro golpe foi tramado por Brizola e deu errado. As Forças Armadas cumpriram o dever constitucional de manter os Poderes funcionando: Judiciário, Congresso e Executivo.”

Que é isso, cara pálida?

As Forças Armadas mantiveram os três poderes funcionando, sim. Lembram como? O Executivo com a borduna, a prender, matar, exilar, torturar a torto e a direito. O Congresso, amordaçado pelos puxa sacos da Arena, ameaçado de fechamento (e depois a ameaça se cumpriu!) e de cassações. O Judiciário, obrigado a cumprir as leis draconianas dos atos institucionais, que baniram direitos como habeas corpus.

Sim, os poderes, podres poderes, funcionavam!

Então, qual é o problema se a senhora Sandra Cavalcanti levanta de seu túmulo e vem escrever uma coluna política no Estadão? É a opinião dela e não do jornal...

Ora, vejamos. Claro que o jornal se exime da responsabilidade de artigos assinados, em termos legais. Mas, eticamente, se convidou tal “personalidade” para escrever, é porque, no fundo, endossa o que ela escreveu. Ou eles não sabem a opinião de quem convidam para suas páginas de editoriais? Ou acham que é por seus grandes serviços prestados à nação, que também o falecido Fernando Henrique Cardoso frequenta suas páginas periodicamente e citado a todo instante na imprensa tucana, como na Folha e naquela revistinha de quinta, chamada Veja?

Ora, senhores e senhoras, estão orquestrando, e muito bem, um movimento típico de nossa imprensa: lançam foguetes de prospecção, verdadeiros bois de piranha, ou seja, batem e recuam, como fez a Folha de São Paulo com a tal “ditabranda”, mas recuam estrategicamente, porque o estrago já foi feito. Já plantaram a ideia, já jogaram sob as penas da galinha o ovo da serpente.

O sábado de aleluia, com a ressurreição dos mortos, e sua consequente revisão do passado, está apenas começando, neste pobre País, destinado a conviver com esse tipo de gente.

Fiquemos, pois, espertos.

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