outubro 29, 2018

CHOREMOS NOSSAS PITANGAS E PREPAREMOS A RESISTÊNCIA


 


Chorar as pitangas, de acordo com o folclorista (e não por acaso um camisa-verde dos anos trinta) Luís da Câmara Cascudo, tem a ver com expressão portuguesa “chorar lágrimas de sangue”, já que são vermelhas as nossas pitangas. Choremos, pois, nossas pitangas; façamos nosso dever de olhar o que podia ter sido e não foi; analisemos a situação e, sobretudo, preparemos nossas fileiras para o que virá, que o vento que sopra para um lado, de repente, muda. 

Estamos, claro, falando das eleições de ontem. Eles venceram. O ódio, muito bem plantado, primeiro pelos órgãos da nossa mais do que conservadora imprensa, por ocasião do golpe aliada aos movimentos bem articulados da direita hidrófoba, liderada pela FIESP do Paulo Skaf e pelo PSDB, o perdedor não conformado das eleições anteriores; mais adiante, pela fúria moralizante de juízes que julgam não pelo valor das provas nos autos, mas de acordo com suas convicções, formadas em cursos nos Estados Unidos, para orientá-los e conformá-los nos princípios de um direito que fere nossas mais caras tradições de que “in dubio pro reo”; e, mais recentemente, já em plena campanha política, pela apropriação do ódio pelo partido do candidato nazista que, em conluio com Steve Bannon e sua Cambridge Analytica, disseminou através das redes sociais algo não quantificável de fake news pregando o ódio e a destruição do inimigo, como se adversário político fosse realmente inimigo. A quem dirigiu-se todo esse ódio? Ao Partido dos Trabalhadores, o inimigo a ser vencido. 

Então, eles venceram. Venceram a batalha, mas a luta continua, para usar o jargão militar que lhes é caro. 

O que fez o PT de errado? Na minha opinião, apenas um erro cometeu o candidato do partido, durante a campanha. Quando questionado sobre se o PT devia fazer mea culpa de seus erros do passado, agiu ele como uma “madre Teresa de Calcutá”, com a lisura e a educação que lhe é própria, confessando com uma certa humildade que o partido teria cometido alguns erros, mas... etc., etc. etc. Ora, numa campanha política, não se confessam erros cometidos. O que passou passou. Vejam o exemplo, no passado, de Getúlio Vargas: depois de quinze anos de ditadura, em que perseguiu, prendeu, torturou, matou e exilou adversários e inimigos, voltou em 1950 como o grande “pai dos pobres”. “Bota o retrato do velho /bota no mesmo lugar / que o sorriso do velhinho / faz a gente trabalhar” – foi o bordão ufanista de sua campanha, uma campanha que lembra não o ditador, mas o homem com autoridade para tocar para frente o País. Devia, pois, o candidato do PT dizer que o partido não teria cometido erro algum, e sim elementos do partido, já devidamente punidos, e alguns até mesmo injustamente, teriam cometido deslizes. Quanto ao partido, sempre agiu com lisura e quando esteve à frente do governo obteve grandes realizações em prol do povo e é o que ele, candidato, pretendia resgatar: o emprego, a distribuição de renda, a saída da pobreza e independência do FMI. (A lógica é simples: partidos e entidades, sejam elas públicas ou privadas, não cometem erros ou “fazem” coisas, mas seus membros é que são os responsáveis por tudo o que de certo ou errado se faz em seu nome, tanto é que não se coloca uma empresa no banco dos réus, mas sim o seu presidente, por exemplo). 

Dizer que o PT não devia ter lançado candidato é não entender nada de política. Um partido que se preze não pode desperdiçar uma eleição, tem que tentar se reerguer, principalmente um partido que fora destroçado pelas forças do atraso e que agora precisava lutar mais do que nunca contra as forças do nazi-fascismo. E o partido conseguiu uma proeza que poucos julgavam possível: apresentar um candidato que chegou ao segundo turno e obteve um cabedal de votos que o torna praticamente invencível numa futura campanha para a presidência, daqui a quatro anos. Digo quase invencível, porque não creio no sucesso do candidato nazista. E aqui passo a dizer por quê. 

Não preciso mais traçar o perfil do candidato vitorioso: todos sabem que ele é tudo aquilo que disse durante anos e anos de boquirrotice e de disseminação do ódio a minorias, a mulheres, a tudo que não esteja na sua cartilha de militar de uniforme sujo e mal lavado. Vamos falar mais especificamente de suas promessas de campanha e de suas estratégias de governo. 

Primeiro, as estratégias de governo. Prometeu o candidato não negociar cargos. Ou seja, escolher um ministério e, consequentemente, os cargos de primeiro e segundo escalão da administração, de forma independente, sem intromissão de políticos. Ora, isso é uma armadilha que ele armou para si mesmo, por pura estupidez ou por artimanhas de campanha: se não negociar com políticos, ou seja, com o Congresso, onde não tem maioria ou, se a tiver, será uma maioria fluida, ocasional, não governa. O famigerado “centrão” e os partidos a ele ligados constituem a massa fisiológica mais ardorosa quanto a cargos e posições, quanto a benesses e barganhas com o poder, porque é dessas permutas que eles tiram os seus votos e mantêm os seus eleitores no cabresto do toma-lá-dá-cá mais abjeto. Sem essa massa amorfa e interesseira, nada se aprova no Congresso. Não se governa. Se ele, no entanto, ignorar as próprias palavras e negociar com a malta faminta, será cobrado em altos brados não só pela oposição como pela imprensa e por seus eleitores. Será a primeira decepção. Veremos qual vai ser o jogo do capitão nazista. 

Uma outra armadilha suspensa sobre sua garganta, dentre muitas: o discurso da honestidade. Ora, a malta que o rodeia está faminta. E faminta das benesses do poder e de tudo o que ele pode proporcionar em termos econômicos. Poder atrai dinheiro e dinheiro dá poder, o círculo vicioso não será quebrado, principalmente porque o capitão nazista tem filhos, e esses filhos – que também estão na política – não irão deixar passar a oportunidade para terem o seu quinhão entre os mais poderosos – e mais ricos. A ocasião, neste caso, não faz o ladrão, porque ele já vem feito. Vejam o exemplo do ex-governador do Rio de Janeiro: filho de um homem probo, um intelectual, não teve nenhum pejo em assaltar com vontade os cofres públicos, para ostentar riqueza e poder ao lado de ricos e poderosos em Paris e onde mais houvesse riqueza e poder. Alguém acha que os “filhotes” do capitão vão resistir aos apelos da ganância e da ostentação? Só se você acredita no chupa-cabras. 

Muitas outras armadilhas – promessas de campanha – estão suspensas sobre a cabeça e poderão estraçalhar as pretensões do capitão, diante das dificuldades que ele terá, em termos políticos, de implantar medidas que, no ardor de uma campanha, podem parecer a solução para inúmeros problemas, mas no dia a dia da dura realidade irão encontrar paredões intransponíveis não só na oposição, mas também em interesses contrariados de grupos até mesmo ligados ao próprio governo. Exemplo? Reforma tributária. Outro exemplo: reforma da previdência. E mais: enxugamento da máquina administrativa, com a redução de ministérios. Logo verá que menos ministros, menos poder de barganha. Menos poder de barganha, mais concessões. Mais concessões, menos governo. E por aí vai. 

A aposta é: quanto meses durará o governo do capitão nazista, se ele se impuser da forma e do jeito que ele pensa e quer se impor: sem negociação, aprovando medidas e mais medidas de mudanças mal programadas e mal preparadas, governando por medidas provisórias que só serão aprovadas com concessões. Será que ele cairá na tentação do populismo barato do Jânio Quadros ou no populismo extremista e totalitário do Collor? Qualquer que seja o caminho, o desastre será inevitável. 

Aliás, o desastre desse governo que ainda não começou é inevitável. Se ele cumprir todas as promessas com sucesso, convulsionará o País, atiçará movimentos populares que acordarão forças terríveis contra ele. Se ele não obtiver sucesso, da mesma forma despencará na avaliação do povo e cairá de maduro, sem ninguém que chore por ele as pitangas que nós, da oposição, choramos agora. E teremos um réquiem de consequências terríveis. Ou seja: não há saída, perdemos todos, por enquanto. A esperança estará sendo renovada para se reverter a situação com, aí sim, a apresentação de novo do candidato recém-saído das urnas com uma quase consagração. Uma campanha bem-feita, e eles, os nazistas, é que chorarão as pitangas. Para alívio de um povo que não merece ter sido enganado.


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