outubro 13, 2018

REFLEXÕES SOBRE BANCOS E CAPITALISMO



(Bernard Buffet (1928-1999) -LEnfer-de-Dante-Lucifer-1976)
 

Partamos da seguinte ideia: um almoço num restaurante qualquer. O prato que você pedir tem um preço e neste preço você está pagando, a grosso modo: 

· o custo de produção de cada um dos ingredientes 

· o custo da colheita desses mesmos ingredientes 

· o salário dos agricultores que os plantaram e colheram 

· o lucro do dono da terra 

· a embalagem e o transporte desses ingredientes 

· o lucro do intermediário na sua comercialização 

· o transporte dos centros distribuidores para o comércio 

· o lucro do comerciante, aí incluídos todas as suas despesas, inclusive salários dos seus funcionários 

· os impostos devidos aos municípios, aos estados e ao governo federal 

· o custo de construção do restaurante ou o seu aluguel 

· as despesas de manutenção do estabelecimento 

· os salários dos empregados do estabelecimento (cozinheiros, garçons etc.) 

· os impostos que o estabelecimento paga para funcionar 

· os equipamentos do estabelecimento, desde fogões, geladeiras etc. até mesas, cadeiras, pratos e talheres 

· a arte de quem elaborou a receita do seu prato 

· as perdas e refugos naturais desse tipo de estabelecimento (o que você deixa no prato, por exemplo; ou os alimentos que perdem a validade) 

· o lucro do dono do restaurante 

Bem, fiquemos por aqui. Já percebeu que você está sustentando uma longa cadeia produtiva, que vai do presidente da república ao catador de lixo da rua, com sua carroça, num simples (ou não) prato de comida. Mas, essa é apenas a rede que podemos vislumbrar, ou talvez, a mais concreta, embora complexa, tão complexa que possivelmente não tenhamos elencado todos os seus componentes, nem cheguemos a percebê-la em todos os seus detalhes. Há uma outra rede ainda mais complexa e mais extensa, que é aquela que envolve o que está no seu bolso: o dinheiro, seja ele em moeda corrente ou em qualquer outra forma de pagamento. 

Na verdade, é a rede que sustenta tudo o que você faz dentro de uma sociedade de consumo como a nossa. Sim, vivemos numa sociedade de consumo. E o consumo é a sua base. E o que sustenta o consumo, reiteramos, para não deixar dúvida é o dinheiro. Dinheiro que não é meu nem seu, nem exatamente de ninguém. O dinheiro que pertence a uma entidade ao mesmo tempo concreta e abstrata, que são os bancos. 

Os bancos são algo concreto, quando você entra em uma agência bancária, feita de tijolos, aço e vidro, de móveis e máquinas e... funcionários. Local onde as pessoas vão fazer inúmeros tipos de transações. E são essas transações que tornam os bancos uma instituição abstrata: eles – os bancos – fazem o dinheiro circular pelo mundo todo, e dessa circulação retiram seus lucros. Mas não são os lucros dos bancos aquilo que mais importa. Através dessas transações, dos grandes negócios, do financiamento dos empreendimentos, da intromissão em todos os aspectos da vida humana atualmente, os bancos obtêm aquilo de que vivem e aquilo que os mantém: o poder. 

E mais: o poder dos bancos e dos financistas é que constrói, mantém e engorda o sistema chamado capitalismo. Um sistema que nos aprisiona e do qual até agora não obtivemos meios de escapar, porque está presente em todos os aspectos de nossa vida, desde o nascimento até a morte. 

Os bancos são uma criação recente na história da humanidade. Surgiram no final da idade média, no início do Renascimento. Nesses poucos mais de quinhentos anos, foram eles que urdiram a trama que sustenta o sistema capitalista que sucedeu ao sistema feudal. 

Se pensarmos friamente, sem os bancos e a urdidura capitalista, a humanidade não teria um milésimo do desenvolvimento alcançado nestes quinhentos anos. Os bancos financiaram as grandes expedições, incentivaram o comércio, a indústria, a ciência. Estabeleceram, com isso, as bases do capitalismo e propiciaram ao ser humano a possibilidade até mesmo de viajar a outros planetas, além dos óbvios avanços em cada um dos setores do dia a dia. O sistema capitalista, sem dúvida, tem esse lado incontestável de sua história e existência. Sem ele, o ser humano estaria ainda tateando luzes medievas em busca de soluções para a sua dura sobrevivência. 

A pergunta é : seríamos mais felizes? Responda você, se for capaz, meu caro leitor. 

Mas... Como em toda história, há o lado cruel do capitalismo. Ele trouxe o desenvolvimento, a riqueza. Mas trouxe também a pobreza, a miséria, a morte de milhões de seres humanos que não têm acesso aos bens de consumo e a todas as demais benesses que o capitalismo trouxe. E esse é o seu paradoxo: trazer o bem e fazer o mal. 

Difícil, muito difícil explicar isso. Tentemos. Sem fabulações. 

O sistema capitalista aufere lucros fantásticos de suas benesses, de seus negócios e negociatas, enfim, do poder que ele tem sobre o dinheiro e sobre todos os meios de produção. Poder-se-ia perguntar: se é tão poderoso, se tem tantos lucros, porque não acaba com a miséria do mundo, não redistribui melhor os seus ganhos e não torna melhor a vida de milhões e milhões de seres humanos? 

Porque sua força, seu poder, provém justamente da exploração da força de trabalho do ser humano, ou seja, daquilo que todas as pessoas fazem para lhe dar mais poder ainda – sua energia. Um sistema energético não pode contrariar uma lei da física, ou seja, produzir energia por si mesmo, retroalimentar-se, num moto perpétuo. Para criar energia, é necessário queimar energia. Isso acontece com um mecanismo, com uma máquina, mas é reproduzido a grosso modo no sistema financeiro e produtivo capitalista: ele precisa consumir energia, para produzir energia. A energia que ele consome é a força de trabalho humano, e como toda queima de energia gera desperdício e refugo, os miseráveis são o refugo do capitalismo. Para manter a máquina funcionando, há necessidade de uma sobra de energia que o realimente, que é dada por aquilo que Marx chama de mais valia. Se a máquina usar toda a energia e não gerar refugo, ela entra em entropia e se destrói, se desintegra. A perda de energia, a entropia, tem ocorrido periodicamente, as famosas crises periódicas do capitalismo, mas a crise se resolve com o derrame do excesso, representado por desemprego, mais miséria e sofrimento de seres humanos, e logo se estabiliza, reequilibrando as perdas com a redução da energia e sua retomada gradual, retirando da sociedade combalida e sem forças a força que o sistema precisa para novamente atingir um pico de desenvolvimento e consumo, até uma nova crise, ou uma nova perda de energia. 

E por que o ser humano não se aproveita dessas crises para se livrar do capitalismo? 

Aqui entramos no terreno pantanoso das relações da humanidade com o consumo, que faz com que as pessoas imaginem que a crise é passageira para todos e que, logo, estarão de novo na cadeia produtiva. Pagam o preço do sonho de consumo com suas vidas, se necessário, mas pagam. E para isso contribuem outras forças poderosas, aliadas do sistema, além do controle dos meios de produção (que já é em si um tsunami em cima de pobres e indefesas populações): o controle dos sistemas educacionais e o controle dos meios de comunicação. 

Ou seja, o capitalismo escraviza o homem não só com o trabalho, mas escraviza sua mente, seus desejos, sua visão de mundo. Entorpece os seus sonhos e conforma-os ao consumo, à sobrevivência diária, à falta de perspectiva. Por isso, os pobres e miseráveis do mundo não se revoltam: estão encharcados até a medula de toda uma doutrinação de vida de gado, de conformismo. Quando a corda arrocha demais o pescoço, quando há possibilidades de rebelião, quando até mesmo explodem revoltas e sedições, a morte comanda o espetáculo, através da mais torpe repressão, a mando de governos que se dizem democráticos, mas que o são apenas na aparência, já que sustentados pelas forças poderosas dos mais poderosos, que é o poder econômico. E as fogueiras de esperança nunca recebem o combustível de sua permanência ou o alimento para sua vitória, porque não há tempo para que os líderes construam na mente das pessoas um novo imaginário, uma nova perspectiva de vida, são todos presos, mortos e devidamente calados para sempre. 










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