março 15, 2009

AINDA O BRUXO DO COSME VELHO

Não quero aprofundar análises psicanalíticas, literárias ou filosóficas sobre Dom Casmurro, a personagem do romance homônimo de Machado de Assis. Mas continuo achando míope a crítica que vê apenas Capitu e esquece que a personagem realmente enigmática do livro é Bentinho.

Perdoem-me as mulheres, mas Capitu é uma criação da mente obscura de Bento, numa estrutura que, hoje, denominaríamos expressionista. O grande truque de Machado é falar de Capitu para nos revelar Bentinho, escondendo-o. Por isso, o nome do livro não é Capitu, mas o resultado de uma vida complexa e de taras e traumas não totalmente resolvidos, ou seja, Dom Casmurro, aquele que se esconde atrás do pessimismo e da casmurrice.

A grande dúvida do livro não é a traição de Capitu. Isso, absolutamente, não importa. Porque, afinal, traições, de parte a parte, mesmo nas sociedades conservadoras, são um mote comum, analisadas, condenadas ou exaltadas na pena de grandes escritores em todas as literaturas. Já a dúvida de ordem sexual, principalmente do homem, só aparece na literatura dita erótica ou dissoluta, geralmente com as tintas fortes do escândalo. Machado não quer escândalo: quer a alma de Bentinho, suas dúvidas e frustrações numa sociedade absolutamente conservadora, que pode até passar por cima de pequenas diabruras de rapazes em colégios internos, mas que não admitiria o relacionamento homossexual maduro, já na ordem “superior” dos grandes sentimentos do homem adulto.

Acho que se reduz a genialidade de Machado, quando se analisa o livro apenas sob a óptica de Capitu e sua pretensa traição, uma situação bastante comum na literatura (e na vida). Não creio que somente esse fato, esse único motivo, digamos, banal levaria o autor a tecer de forma tão complexa o retrato desses seres e a transformação do jovem Bento no homem amargo que encontramos em Dom Casmurro.

Bentinho tem o destino traçado desde muito jovem pelo amor de Capitu. Mas, será mesmo um amor verdadeiro ou é apenas a imposição do conservadorismo que o leva a cultivar até o casamento um sentimento que deveria ser canalizado para o amigo Escobar? Ao casar-se, deprimido e reprimido, acaba vendo nas atitudes de Capitu as pegadas de uma possível traição com esse mesmo amigo Escobar. Sua angústia se volta para a mulher, mas não será, na verdade, o grande drama de Bento o fato de pensar em ter sido traído, sim, mas não por Capitu, mas pelo amigo? E então, renega o filho, que é o fruto de uma tripla traição, pelo menos em sua imaginação conturbada por sentimentos opostos: a traição da mulher, a traição do amigo e a traição de sua própria índole.

Enfim, acho que é esse o grande mistério de Dom Casmurro, a obra genial de um autor que compreendia como ninguém os sentimentos humanos e suas relações com o ambiente em que vivia. Machado está falando de uma época, de uma época que tem ecos muito profundos de recalques, de frustrações e de medos cristalizados na forma pecados e execrações cristãs. Uma época que ainda está muito longe de terminar.

Um comentário:

Compondo o olhar ... disse...

olá,
tem um selo em meu blog de divulgação do dia mundial da água, divulgue esta ideia.

abraços