junho 18, 2024

PORQUE GOSTO DE FUTEBOL...

 

(Artista: Alan Lopez)


Porque gosto de futebol, vou dar meu pitaco, sim. Não sou um expert, mas aprecio um bom jogo; já tive até mesmo um blog com comentários quase diários sobre futebol, num tempo em que via muitos jogos, lia colunas em jornais e ouvia os comentaristas de rádio e televisão e tinha tempo e disposição para analisar as partidas... Esse prazer se foi, como muitos outros, no ralo da pandemia e de outros perrengues. Mas, continuo gostando de futebol, mesmo com muitas coisas que acontecem de ruim atualmente em campo e fora dele.

Um assunto por vez: primeiro, as torcidas.

Sempre fui contra as chamadas “torcidas organizadas”: jovens e adultos bons cidadãos que, quando se reúnem, perdem todo o senso de civilidade, tornam-se violentos e até criminosos. Usam e abusam dos símbolos dos clubes, para cometerem atrocidades. E, atualmente, mesmo que não provenham sempre de “organizadas”, as manifestações racistas de torcedores pelo mundo afora, numa espécie de “febre de estupidez” contagiosa, me deixam absolutamente irritado e muito, muito triste, pelo espetáculo de barbárie e de lamentável auto exposição do mais profundo ridículo e da mais absoluta falta de humanidade e de excesso de estupidez.

Em segundo lugar, algumas considerações sobre o que acontece no jogo propriamente dito, protagonizado pelos atletas.

O conceito de “provocação”, invocado por muitos para brigas, agressões e espetáculos deprimentes. Está bem: concordo que deve haver fair play em todos os momentos de qualquer jogo, de qualquer evento esportivo. Porém, esse conceito tem sido levado a alguns extremos com os quais não concordo.

Por exemplo: na comemoração de um gol. Ora, o gol é a finalidade máxima de um jogo de futebol, comparável mesmo a um instante de gozo quase místico. Sua comemoração, por mais expansiva e alegre e cheia de gestos e firulas e dancinhas, só pode ser considerada “provocação” se for carregada de gestos ofensivos, de palavrões contra o adversário ou a torcida adversária. Mesmo que o jogador ou os jogadores façam essa comemoração próxima à torcida adversária, ou façam o famoso gesto de silêncio, isso não é provocação, principalmente quando no estádio, por ordens superiores, só estão presentes os torcedores do mandante do jogo, como vi recentemente uma briga e quase agressões porque aconteceu exatamente isto: o time “da casa” se sentiu ofendido porque o gol foi comemorado perto de “sua” torcida, sendo que não havia outra torcida no estádio e os jogadores que comemoram um gol, muitas vezes, saem de campo, para abraçar os companheiros que estão no banco de reservas ou porque isso é quase instintivo. Portanto, quem tomou o gol que se recolha e deixe o adversário comemorar à vontade, sem brigas, sem agressões, já que cada um terá sua vez, basta botar a bola no centro e jogar futebol. Isso, sim, é fair play. Só mais um detalhe: embora não ache muito correto o jogador tirar a camisa para comemorar um gol, devia haver uma punição menos severa que o cartão amarelo para esse fato. Às vezes, pinta até um vermelho, quando o jogador “esquece” que já estava “amarelado”. Torna-se uma punição despropositada por um gesto bobo.

Outro tipo de “provocação” que tem sido objeto de muitos empurrões e até de entradas violentas no adversário, são os dribles mais sofisticados ou algumas jogadas de efeito, como “embaixadinhas”. Felizmente, a famosa “caneta” (a bola malandra entre as pernas do adversário) não tem provocado muitas irritações, apenas o vexame, embora alguns que a levem fiquem irritados. Ora, o drible, a “finta”, mesmo repetida, mesmo com algum “abuso”, é a alegria não só do futebol, mas de todas as torcidas. É o que torna divertido um jogo, é o que “lava a alma” do torcedor. Ficar o adversário irritado porque tomou um drible vexatório e achar que isso é provocação tem tirado do futebol essa espécie de “catarse” que só é superada pelo gol: a “humilhação” do adversário, com um drible, uma jogada “fora da curva”, que o deixa sem ação, até mesmo sentado no campo. Eu escrevi “humilhação”? Não, o termo exato não é esse: não é humilhante levar um “baile” do adversário, deve fazer parte do repertório de todo atleta que tenha um mínimo de orgulho de sua profissão. Se levou um “olé” do jogador a quem está marcando, que isso sirva de aprendizado, que se aperfeiçoe ele também e, na próxima oportunidade, se possível, devolva o drible e ou o execute contra outro adversário. Pode até ficar “chateado”, mas irritado a ponto de querer agredir o colega de profissão, isso é inadmissível, e deveria ser cobrado em todas as escolinhas de futebol e ser repetido por todos os técnicos.

A nova “estratégia” dos treinadores é que as defesas saiam jogando, tocando a bola, para surpreender mais adiante o adversário. Daí, as cobranças curtas de tiro de meta. São jogadas repetidas em treino até à exaustão e, mesmo assim, às vezes não dão certo, porque o adversário pode fazer movimentos imprevisíveis. E a imprevisibilidade é, no futebol, uma de suas mais interessantes marcas e motivo de suspense e prazer para o espectador. Se deu errado, paciência, tenta-se outra vez, até dar certo. E que as torcidas não partam para a agressão de qualquer tipo contra os jogadores que erram: afinal, se todos jogarem de forma perfeita, o jogo vai ficar tedioso. O gol ocorre em muitas ocasiões por um erro do adversário. Também os goleiros, essa profissão maluca, não devem ser execrados por um erro idiota, como muitas vezes acontece, depois de haver feito várias defesas ditas “milagrosas”. Afinal, como disse, o erro faz parte do risco e, sem o risco, o futebol seria um tédio só.

Enfim, que se arrisquem, que driblem, que façam jogadas acrobáticas ou espetaculares ou diferentes, que isso é o que torna o jogo de futebol, essa “guerra” de contendores que não devem ter nunca o objetivo de ferir, de matar o adversário, mas apenas vencê-lo, com tática, com habilidade, com inteligência, com força mental e física, com a finalidade de despertar paixões que devem ficar no campo do jogo, apenas no campo de jogo. Quando o árbitro apita o final, os adversários devem voltar a ser cidadãos civilizados: tristes, se seu time perdeu; alegres, se seu time venceu. Mas, principalmente, tendo a consciência de que, se são adversários no campo ou na arquibancada, são colegas de trabalho, vizinhos de rua, amigos em vários outros momentos, e jamais, em nenhuma circunstância, inimigos.

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