agosto 19, 2020

OS DOIS MAIORES ERROS DOS ESTRATEGISTAS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

 


O PT cometeu erros. Não, o PT não cometeu erros. Corrijamos a frase: pessoas do Partido dos Trabalhadores, partidários do Partido dos Trabalhadores, dirigentes do Partido dos Trabalhadores cometeram erros. Uma coisa é a instituição; outra, os seus membros. A instituição Democracia pode ter muitos defeitos, mas ela não comete erros. Democratas, sim, erram. E erram feio. Assim, qualquer partido político, não importa seu espectro ideológico, pode ter uma doutrina extremamente cruel, como a nazista, mas não se pode dizer que o Partido Nazista que assassinou milhões de pessoas, foram os nazistas, os dirigentes e partidários do nazismo quem cometeu todas as atrocidades que sabemos. Não por isso, vamos “passar pano” na doutrina nazista: ela é anti-tudo aquilo que consideramos humano e, por isso, deve ser combatida com todas as nossas forças. É possível proscrever o nazismo de nossas mentes, de nossa sociedade, mas não é possível colocá-lo entre as grades. 

Voltemos à primeira frase, ou melhor, à frase corrigida que abre esse artigo: partidários do PT cometeram erros. E os erros foram desde o envolver-se com corrupção até o adotar medidas ou o não adotar medidas necessárias ao povo, num determinado momento. Os indivíduos pertencentes ao primeiro grupo devem, óbvio, ser julgados e, comprovado o delito, ser condenados. Já os pertencentes ao segundo grupo, os que cometeram os chamados erros políticos, esses só a História poderá julgá-los. Não vou tratar, aqui, da lavagem de roupa suja em relação aos que se envolveram em corrupção, mas, sim, porque é o que realmente importa, aos erros políticos, alguns perfeitamente justificáveis, outros nem tanto, ou talvez jamais justificáveis, embora sejam todos explicáveis. Ou seja, tudo se explica, mas nem tudo se justifica. 

Um parêntese: nunca fui filiado ao PT, embora, desde sua fundação, tenha procurado votar em seus candidatos, embora nem sempre o tenha feito, já que votei também em outros candidatos do espectro político do que se costuma chamar “esquerda”. Um espectro amplo, no qual cabem inúmeras ideologias. Portanto, sou um indivíduo de esquerda, porque não vejo nenhum horizonte minimamente defensável nas doutrinas e teorias do espectro do que se costuma chamar “direita”. Mas, confesso, sou um fã ardoroso de Luiz Ignácio Lula da Silva, independente de suas crenças: admiro sua vida, sua trajetória e sua inteligência, além, claro, do muito que fez pelo País, durante sua presidência. Dito isso, feche-se o parêntese, vamos ao escopo desse artigo: os chamados erros políticos que se possam atribuir a dirigentes do PT. 

Desde a proclamação da República, tínhamos tido apenas presidentes da direita. A única exceção foi o breve período de João Goulart. Quase todos os presidentes fizeram o que quiseram, ou pela força política ou pela força das armas. Quando Jango assumiu, pretendia abraçar as chamadas reformas de base, dentre elas a mais temida, a reforma agrária. Todos sabem o triste fim de seu governo e o longo período de ditadores militares travestidos de presidentes que tivemos e as consequências desses governos. Após a redemocratização, um processo complexo, que envolveu longas negociações e até mesmo um certo pacto de não agressão, todos os presidentes foram de direita... até que surgiu Lula como uma luz no fim do longo túnel de miséria e desigualdade social em que trilhávamos até então. 

Para se eleger, Lula teve de fazer um pacto de não agressão com a direita, leia-se: principalmente com os empresários. Foi a sua famosa “Carta aos brasileiros”. Sabia bem o que o esperava e sabia bem o que queria. Sua obsessão: diminuir as desigualdades, primeiro com medidas paliativas, como o assistencialismo de seus programas (a fome não espera, mata – era o que pensava) e depois com políticas que pudesse tirar da miséria e da pobreza milhões de brasileiros. Foi o que fez. Dentro do possível. Porque sabia o que o esperava: a perseguição sem trégua das forças conservadoras. Governos de direita sempre podem e sempre fizeram o que bem entenderam. Já um partido de esquerda no governo só pode fazer o que for possível, assim mesmo com muito jogo de cintura. Seu primeiro governo, que chamo de “travessia”, foi, a despeito de toda a sua perícia política, uma caçada de gato e rato, com o surgimento do famigerado “mensalão”, uma das primeiras e sórdidas armadilhas que a direita lhe armou. Sobreviveu e reelegeu-se. 

Porém, é preciso ficar claro, nunca teve Lula o direito que tiveram todos os demais presidentes: o direito de implantar realmente suas ideias, seu programa, já que sua maioria no Congresso era frágil e dependia da adesão de partidos fisiológicos, como o PMDB. O Brasil era um País, desde 2000, em frangalhos. Economicamente falido, politicamente dependente de forças externas, como os Estados Unidos, sem voz, sem perspectivas. Lula devolveu ao povo o orgulho de ser brasileiro, em seus oito anos de mandato. O complexo de vira-latas estava, aparentemente, superado. O País crescia e começava a ganhar o respeito das comunidades internacionais. Para jogar pedra no seu governo, costumam dizer que nunca, antes na história desse País, os bancos ganharam tanto dinheiro. Ora, banco ganha dinheiro até com a desgraça. Então, num processo de ciclo virtuoso da economia, nada mais óbvio que todos que se engajassem nesse processo não deixassem de obter lucros. O mais importante: o País crescia. Porém, voltado para a execução de uma política que tirasse o País do buraco, realmente o governo não conseguiu abrir os olhos para outras prioridades e outros aspectos fundamentais: aprofundar algumas reformas extremamente necessárias e, principalmente, fazer o que todos os governos anteriores fizeram ou tentaram fazer: cooptar o povo para seu projeto, para seus programas. Aquilo que um dos próceres do próprio Partido dos Trabalhadores, Jaques Wagner, chama de “politizar o povo”, fazer a reforma política. A reforma da política e das consciências, através da educação. Houve avanços nessa área, mas tímidos, muito tímidos. 

Sim, o PT errou (e aqui assumo a sinédoque: a parte, os dirigentes, pelo todo, o partido, por uma questão de simplificação), quando não fez essa reforma política, quando não soube aprofundar seu discurso reformista e levá-lo de forma clara ao povo, para que o povo – agora mais ou menos de barriga cheia – pudesse aprovar e seguir por novas sendas, que apontavam para um longo ciclo de prosperidade. Ciclo que se iniciaria com a eleição de Dilma Rousseff e continuaria com Lula, logo em seguida. E aí vem o segundo grande erro do PT: aceitar que Dilma disputasse um segundo mandato. 

Abramos mais um pequeno parêntese: o pacto entre Lula e os empresários, naquele já longínquo ano de sua primeira eleição, esgarçava-se. A direita, os empresários, os banqueiros, os donos do agronegócio iam muito bem, sim, mas não confiavam que o prosseguimento de governos sucessivos do PT não pudesse levar o governo esquerdista às chamadas vias de fato, ou seja, temiam que o partido ganhasse força suficiente para aprofundar reformas ou aprovar projetos indesejados, que pudessem prejudicar seus negócios – sempre eles, os negócios acima de qualquer prurido ético ou patriótico, como sempre. Por isso, num gesto de desespero, procuraram “derreter” o governo Dilma, com o auxílio da mídia. Só um dado: seis ou oito meses antes das eleições, Dilma tinha a aprovação recorde de um governo, em toda a história, e navegava nas águas tranquilas de uma economia estável, com taxas baixíssimas de desemprego. O fogo da mídia foi impiedoso e a reeleição de Dilma, até então tranquila, foi para o segundo turno e obteve um índice mínimo sobre o segundo colocado, o preferido das forças conservadoras, Aécio Neves. Chegaram até a comemorar a vitória, que não veio nos últimos votos de uma apuração apertada. Fechemos o parêntese. 

O erro do PT, nesse momento: diante dos números do governo Dilma, ou seja, diante de seu até mesmo inesperado sucesso, não tiveram a coragem de lhe dizer: companheira, você está de parabéns, fez um ótimo serviço, mas a hora é, de novo, de Lula. Além dessa falta de coragem e de visão (já que os cães de caça já estavam com os dentes afiados para a degola de Dilma), os dirigentes do PT sonharam com a possibilidade de quatro anos da Dilma e, depois, possivelmente, mais oito anos de Lula. Ou seja: o projeto de poder subiu-lhes à cabeça – 24 anos de governo! Uma eternidade, em temos de Brasil, o suficiente para “lavarem a égua”, ou seja, tempo suficiente para implantar definitivamente os programas sociais e – por que, não? –, políticos e econômicos que jogassem inexoravelmente o País rumo a uma espécie de socialismo tupiniquim, de superação de desigualdades e, finalmente, de potência econômica. Sonhos que, como se sabe, se transformaram em pesadelo, já que a vitória de Dilma rompe de vez o pacto de não agressão. Consequência: o golpe. E tudo o que veio depois. 

E tudo o que vivemos - sofremos - hoje.

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