agosto 23, 2020

E A DIREITA CRIOU O MONSTRO

 



A direita hidrófoba jamais imaginou que o governo de Dilma Rousseff daria certo. Seu perfil mais “duro”, em termos políticos, que beirava à inabilidade para tratar com os entes federativos, principalmente com um Congresso conservador, para dizer o mínimo, fazia prever um governo abaixo do que foram os anos de Lula. No entanto, Dilma superou as expectativas, chegando ao final de seu mandato com taxas de aprovação recordes, o que levava à possibilidade de sua reeleição. E o Partido dos Trabalhadores não teve outra opção, diante de sua disposição de disputar mais um mandato, senão o de sagrar o seu nome, quando tudo caminhava para uma nova candidatura, mais lógica, de Lula. E o próprio Lula, democraticamente, cedeu a vez à companheira. Não se atentou para o desastre que já se previa no horizonte, com as articulações da direita para impedir que Dilma alcançasse a vitória. O PT foi tomado, por um momento, da síndrome de Casssandra: não viu, ou não quis ver, que o futuro já se desenhava no presente, com a campanha da mídia de direita a desconstruir todos os dias o governo de Dilma, com as articulações no Congresso, para jogar no colo da presidenta um conjunto de medidas econômicas que a impediriam de governar, as chamadas “pautas bomba”. 

Todo o cenário estava armado e devidamente arrumado para a vitória de Aécio Neves, no segundo turno. A apuração seguia apertada e, até os últimos votos computados, parecia que o plano da direita estava dando certo. Chegaram até a comemorar a vitória. No entanto, Dilma venceu. Por uma margem não muito grande de votos, mas venceu. E a direita esperneou. Esperneou e começou a agir, quase que imediatamente. Dilma já tomou posse com o bafo quente dos golpistas no seu encalço. Os índices econômicos que, até seis meses antes das eleições, colocavam o País no caminho de um círculo virtuoso de crescimento, de baixas taxas de inflação e pleno emprego, começaram a desabar, por obra e graça do empresariado cooptado pela campanha sórdida da mídia: meteram o pé no freio dos investimentos e começaram, literalmente, a chutar a bunda dos trabalhadores, fazendo aumentar os índices de desemprego. É provável que tenham se arrependido mais tarde, já que, vindo o golpe, derrubado o governo de Dilma, o País não conseguiu retomar o mesmo grau de investimento e desenvolvimento anteriormente alcançados: o governo do traidor Temer, além de todas as suas mazelas políticas e de corrupção desenfreada, mostrou-se também incompetente para tirar o Brasil do buraco em que se metera. 

Mas, de arrependimentos não vive a direita hidrófoba nesses pobres trópicos. Era tocar o bonde, que o poder era deles, e devia continuar em suas mãos. O PT fora colocado para escanteio, com a ajuda dos canalhas da operação lava jato, com a prisão de Lula e com toda a campanha de ódio contra os petistas, desencadeada pela mídia comprada e vendida, como sempre. 

Era um céu de quase brigadeiro para a direita. No entanto, enquanto isso, o famigerado centrão do Congresso urdia uma trama maléfica do fundo da podridão política em que se move, para engendrar um monstro. Esse “centrão”, formado por uma massa amorfa de deputados sem nenhum pudor ou sem nenhum sentido de patriotismo, de ética parlamentar, que não seja a defesa de seus interesses difusos, todos eles relacionados, claro, aos aspectos mais degradantes da vida pública, agrupa um bando de corruptos e espertalhões provindos dos rincões mais conservadores da política brasileira, onde ainda se praticam o voto de cabresto, o toma-lá-dá-cá, a troca de favores e favorecimentos, a corrupção mais deslavada. Esse centrão já dera demonstração de sua força, quando elegeu, em 2005, Severino Cavalcanti como presidente da Câmara. Ganhara experiência e, agora, chegara a sua vez de interferir de uma vez por todas nos destinos da Nação. Engendrou, então, o monstro que, já há alguns anos começara uma carreira política absolutamente anódina, medíocre, mas que conquistava pouco a pouco mentes e corações desprevenidos – ou não – com sua pregação de extremismos e arroubos pseudo-patrióticos. Essa figura ganhou notoriedade durante os embates do impeachment de Dilma, principalmente quando, ao declarar seu voto, homenageou um notório torturador da época da ditadura militar. Esse ser, que não tinha nenhum perfil político para chegar aonde chegou, que não estava nos planos de nenhum dos vários espectros da direita, eu chamo de “mulo”, uma “coisa” que não é natural e, portanto, não podia ser prevista, como num dos livros futuristas de Isaac Asimov, Fundação, quando a galáxia, mergulhada em lutas políticas entre várias facções, não percebe a ascensão do Mulo (aí, personagem, portanto com letra maiúscula). E o “mulo” da política brasileira tem nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro. 

Se o PT errou, quando aceitou a indicação de Dilma para concorrer ao segundo mandato, atraído pelo canto das sereias de uma continuidade que lhe permitiria governar o País por, pelo menos, 24 anos, a direita também errou, quando não encontrou um novo Aécio Neves que lhe desse potência de voz, se dividiu em vários candidatos à sucessão de Temer e, principalmente, quando imaginou que o “inimigo” estava definitivamente fora de combate. Não estava. E o segundo turno trouxe uma surpresa para a direita: o embate entre Bolsonaro, o “mulo”, e Haddad, o candidato do... PT! 

A direita, atônita, quase nas cordas, não se deu por vencida. Já que não podia se aliar ao “inimigo”, que se buscasse uma saída para engolir a pílula amarga e o risco que seria eleger esse “mulo”. Apoiou 
Bolsonaro, com o pacto sinistro de manter pelo menos um aspecto crucial para seus interesses: a economia. Aceitaria, sim, um governo que tinha tudo para ser um desastre anunciado em praticamente todas as áreas, se pudesse ter um de seus próceres como ministro da economia. Vão-se os dedos, fiquem os anéis. E pariu o guru econômico do mulo, o famigerado Paulo Guedes, um obscuro financista e especulador financeiro, formado pela escola de Chicago, que tinha/tem o perfil para não deixar que o “mulo”, um perfeito ignorante de tudo quanto se refere à economia, não se aventurasse e não se aventure por caminhos não desejados. 

O que aconteceu todos sabemos: emulado (sem trocadilho!) por um falso atentado que, até hoje, ninguém investigou a fundo e pelo velho truque de não comparecer a nenhum debate, para não se expor, já que ficaria flagrante seu despreparo, diante de raposas da política e até mesmo de candidatos muito mais inteligentes e espertos do que ele, o “mulo” virou definitivamente o mulo: para surpresa de todos, venceu! 

Não tem o mulo que preside esta pobre Nação nenhum programa de governo, nenhum princípio ético, nenhum outro objetivo que não seja a imposição de suas ideias toscas e absurdas, de seu falso patriotismo, eivado de preconceitos étnicos, sexuais, religiosos e, principalmente, seu intuito de destruir tudo o que foi construído pelo “inimigo”, ou seja, pelo Partido dos Trabalhadores, durante os anos que o precederam. Não tem políticas para a educação, nem para a saúde. Não tem programas sociais. Não tem, enfim, nada que se possa prever que algum dia tenhamos alguma possibilidade de trilhar por algum caminho que não seja o desastre. Salva-se a economia? Talvez, por enquanto. A corda é bamba e Paulo Guedes é o equilibrista dos empresários, entre tantos desmandos. Se o governo do mulo tem sido demolidor do presente, ao destruir tudo o que foi construído, tem tido ainda mais sucesso na destruição do futuro: ao colocar o playboy e alpinista social, Ricardo Salles, à frente do Ministério do Meio Ambiente, escancara sua face mais cruel, já que toda a política ambiental desse ser desprezível se concentra em entregar a Amazônia e toda a fauna e flora brasileiras nas mãos dos interesses de madeireiros, de garimpeiros e da facção imediatista e estúpida do agronegócio que não olha para o futuro e quer apenas o lucro, sem preocupação com o futuro, com a mudança climática, com a possibilidade até mesmo de o Brasil se tornar, em pouco tempo, um amplo deserto inútil para a agricultura e a pecuária. E tem mais um ponto de crueldade em tudo isso: o descaso para com os indígenas, o que supõe uma política genocida de nossos primeiros brasileiros. 

Enfim, isto é o que plantou o ódio que se disseminou pelo País, a partir do ódio ao PT e a tudo que seja de esquerda: um governo genocida, criminoso, incompetente, surreal. 

A saída? Nem pelos aeroportos, fechados quase todos pela pandemia. Nenhum outro país nos quer. Então, só nos resta a saída da Justiça, com o Tribunal Superior Eleitoral cassando a chapa Bolsonaro-Mourão, pelos seus vários crimes eleitorais, ou a saída do impeachment, o que pode ser um tiro no escuro – para usar uma metáfora de violência, de que tanto gostam os neo-fascistas que nos governam -, se assumir a outra besta que está na vice-presidência.

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