novembro 24, 2020

NÓS, OS VIRA-LATAS...

 



Nós, os vira-latas, os excluídos, os oprimidos, os assalariados; nós, os brancos, os pardos, os negros, os indígenas, os amarelos e todas as demais cores do espectro que nos querem dividir em raças; nós, seres humanos de todas as etnias que habitam este país; nós, as mulheres e as lésbicas e as transexuais e as bissexuais; nós, os homens heterossexuais, os homossexuais, os transexuais, os bissexuais, e tantas outras denominações que se nos deem; enfim, nós – o povo que nesses quinhentos anos de governos elitistas, queremos lançar nosso uivo de vira-latas exaustos de todas essas injustiças perpetradas contra nós. 

Queremos dizer que não basta construir hospitais, e o povo continuar vivendo amontoado em favelas, em ocupações, em quilombos, em aldeias e vilas sem saneamento básico, com as pessoas, principalmente as crianças, pisando na merda, vivendo na merda, adoecendo e morrendo como moscas. Queremos dizer que não basta construir escolas e uma grande parcela da população continuar passando a fome endêmica que leva à subnutrição e à apatia, que leva à evasão escolar, que leva à gravidez precoce e à prostituição de nossas jovens. Queremos dizer que não basta construir obras faraônicas como hidrelétricas e abrir estradas e construir aeroportos e avenidas, se o povo continua com empregos mal pagos, com mulheres e pessoas negras ganhando menos do que os brancos, com milhões de desempregados ou subempregados a viver de subterfúgios e das migalhas que caem da mesa dos ricos. 

Queremos dizer que não mais aceitamos que essa elite empresarial burra que destrói florestas e polui nossos rios em nome de um capitalismo selvagem e assassino continue sua obra demoníaca. Queremos dizer que não mais aceitamos que o capital financeiro tenha a palavra final sobre nossas vidas, nossos destinos e nos escravize e não nos dê nenhuma réstia de esperança. Queremos dizer que nosso uivo, nosso grito de protesto, não vai mais deixar que eles – os poderosos desse país – comam em paz o seu caviar, se nós, o povo que lhes propiciamos os recursos para suas orgias com nosso braço, nossa força de trabalho, continuamos a comer o pão que o diabo amassou, isso quando ainda temos algum pão para comer, porque uma grande maioria mal consegue uma só refeição digna por dia. 

Queremos dizer que nós, os vira-latas, vamos tomar nosso destino em nossas mãos e, através de nosso uivo, vamos incomodar todos os dias do ano, todas as horas do dia, com nosso protesto e com a exibição de nossas mazelas em todos os meios de comunicação, a placidez dessa elite que nos olha apenas como mão de obra descartável e como seres dotados de apatia e covardia para lutar por seus direitos. 

Sim, nós, os vira-latas, temos direitos e vamos exigir que o poder seja devolvido a nós, que somos maioria, que constituímos o verdadeiro pilar dessa nação. Queremos hospitais, queremos escolas, queremos obras, mas também queremos saneamento básico e moradias decentes; e rios limpos, e florestas em pé, e ares despoluídos e respiráveis. Queremos emprego decente e remuneração digna para todos. Queremos igualdade social, por mais utópica e absurda que os senhores julguem tal coisa. Acreditamos que ninguém precisa ter dez carros na garagem, cinco aviões, três helicópteros, várias mansões. Acreditamos que o acúmulo de riqueza nas mãos de uns poucos constitui um crime contra a humanidade. Acreditamos que grandes fortunas são uma injúria à própria existência do ser humano. Não somos contra o conforto, a vida digna, mas o conforto e a vida digna devem ser direito de todos e não apenas de uns poucos. Os privilégios dessa casta que tem suas mãos a indecente maioria de mais de noventa por cento da riqueza do país representam a morte de milhares e milhões de homens, mulheres, crianças, por doenças endêmicas, pela fome, pelo desespero de não ter outra perspectiva a não ser baixar a cabeça. E isso é um atentado à dignidade e à existência do ser humano sobre a terra. 

E se essas ideias os amedrontam, se acham que não podem dividir com todos as suas riquezas e que não podem viver sem suas mansões, seus incontáveis bens que só servem para que desfilem sua arrogância e seu poder de dominar e escravizar, ouçam bem o que digo: a revolução dos miseráveis e escravizados, dos famintos e dos desassistidos chegará um dia e a revolta desse povo levará a luta para dentro de seus castelos e e de suas bastilhas aparentemente inexpugnáveis. 

A fome, o desespero, o não ter nada mais a perder levarão um dia as massas incontroladas a tomar com a força de suas mãos – a única arma que possuem – os direitos e a dignidade que almejamos e os poderosos não querem conceder por bem. E nesse dia, quando os escravizados levantarem a cabeça e perceberem que são maioria, não deixarão pedra sobre pedra nos domínios dos poderosos, porque esse uivo, esse grito que agora lançamos, terá se transformado em ódio, em brutalidade, em destruição. 

Portanto, que ouçam nossos lamentos, que atendam nossas reivindicações - a partir de agora - e que nos próximos anos não deixem que nosso uivo caia no descaso de sua indiferença, pois o preço dessa indiferença será a revolução radical dos desesperados, quando, não tendo mais nada a perder, estarão dispostos a jogar tudo, a morrer lutando, mas, antes de morrer, destruirão os seus castelos, os seus domínios e deixarão arrasada uma terra que tem tudo para uma convivência harmônica e menos cruel. 

Nós, os vira-latas, estamos avisando e quem avisa sabe do que é capaz uma horda de famintos e desesperados. Ouçam, portanto – agora! - o nosso grito, o nosso uivo!

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