março 06, 2010

A SÍNDROME DE GALILEU



Diz a lenda que, ao sair do tribunal da inquisição católica, que o condenou a abjurar de suas crenças, Galileu Galilei teria dito “eppur si muove” – e, no entanto, ela se move, referindo-se à Terra.

Mesmo assim, passou à história como aquele que renegou suas verdades, para salvar a vida. A “santa” inquisição não perdoava. Numa cena famosa da peça de Bertold Brecht, o genial dramaturgo resume o poder de um papa, quando Urbano é vestido com os trajes papais e, perguntado se deveriam torturar Galileu, responde, ao colocar a mitra, que bastava mostrar-lhe os instrumentos.

Para muitos, em pleno século XXI, num estado democrático como o Brasil, os instrumentos a que foram expostos os nossos galileus não são os da tortura inquisitorial, mas os da possibilidade de conquista social, do dinheiro gordo na conta bancária todo mês, dos tapinhas nas costas de gente que acha que liberdade de imprensa é escrever e dizer o que querem os patrões.

Expliquemos. Li, há pouco, um artigo de Emir Sader (*), sobre a miséria moral dos ex-esquerdistas que viraram a casaca para se tornarem cães de guarda da direita, nas redações da mídia. São, agora, mais realistas que os reis que lhes pagam os salários. Mais inescrupulosos em sua defesa dos “ideais” patronais do que os próprios patrões, bem mais pragmáticos do que eles.

Diz o articulista que “a redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente”.

Têm esses ex-esquerdistas a síndrome de Galileu, sem nem uma réstia sequer de sua grandeza. São pobres diabos que não teriam coragem nem de dizer, em prol de um resto de dignidade que por acaso ainda tivessem lá no fundo de suas consciências compradas com os instrumentos da cooptação mais vil – o dinheiro – um mal balbuciante “eppur si muove”.

São, agora, pagos para mentir, para trapacear, para defender com unhas e dentes a “liberdade de imprensa” dos que sugam sua capacidade, para jogá-los depois no lixo da história, já que sabem muito bem que quem trai uma vez trairá sempre.

Dois dias atrás, ouvi de uma notória comentarista da CBN, que o presidente Lua iria se licenciar do cargo, para se engajar na candidatura da ministra Dilma. No seu delírio voltado a plantar na mente dos ouvintes essa notícia estapafúrdia – desmentida logo depois pelo próprio presidente – ela chegou ao cúmulo de visualizar, na linha sucessória possível, a tomada da presidência, nada mais, nada menos, por José Sarney. Ou seja, puro terrorismo. Que ela não desmentiu, mesmo diante da fala explícita de Lula, ao condenar tal possibilidade.

É assim que funciona a cabeça dessa gente.

E não é preciso dizer mais do já disse o Emir Sader. Só é preciso que busquemos o antídoto contra o veneno que escorre de suas mentes – às vezes brilhantes – mas corrompidas pelo poder, pelo dinheiro, pelo prestígio.

Esse antídoto é a democracia. O voto popular. Esse mesmo voto que está jogando no ostracismo, pouco a pouco, os que sempre mandaram neste País e nada fizeram pelo povo. Os que guardam em suas gavetas de mogno, em seus escritórios luxuosos, o velho chicotinho que brandiram e vêm brandindo desde que aqui aportaram com Cabral. Chicotinho que tão bem souberam usar nos tempos da ditadura militar.

E saibam todos que “chicotinho”, aqui, é só um eufemismo para coisas muito piores de que o povo já anda cheio há muito tempo, pois sabe muito bem esse povo que, enquanto a Terra se move, é pra frente que se anda.

(*)http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=424

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