março 17, 2010

NÃO CHORAREI EM TEU VELÓRIO, FERNANDO HENRIQUE





Quando morreste – e sei que morrerás – não chorei em teu velório nem chorarei lágrimas de crocodilo, Fernando Henrique Cardoso.

Manterei a fleuma que tu, quando tentavas nos governar, mantinhas diante de descalabros, de compras de votos, de vendas assustadoras do patrimônio que nós, eu inclusive, claro, mantivemos por tanto tempo.

Não posso negar-te, no entanto, Fernando Henrique Cardoso, a confissão de alguns pecadilhos que cometi em relação àquilo que prometias ser. Não, não te assustes, em tua urna a haver, senhor: não votei em ti. Nunca.

Mas, quando assumiste o Governo, senti por dentro, sim, humilde me confesso, senti por dentro um pouco de orgulho do que eras, do que representavas. Afinal, um homem declaradamente de esquerda, culto, intelectual, viajado, fluente em várias línguas, professor emérito, ex-exilado político, risonho, franco, assumia a cadeira presidencial.

Mesmo que pensasse no sapo barbudo, no metalúrgico tosco e quase analfabeto em quem votara, deixei por algum tempo a viuvez e outros sentimentos menos nobres, para olhar com um olho otimista tua ascensão, tua posse, teus primeiros tempos de governo.

Afinal, pensei: ele tem tudo para dar certo. Mesmo que a sombra do metalúrgico me assombrasse, dei-te meu voto de confiança.

Ah, dias de dúvida! Ah, esperanças desfolhadas! Ah, tempos inúteis!

Tu, Fernando Henrique Cardoso, tiveste olhos para a Nação por exatos dois anos. E então, a mosca azul da soberba picou-te inexoravelmente.

Vendeste teu passado, vendeste tua capacidade, vendeste teus sonhos e, com isso, vendeste todos os meus ainda incipientes anelos, que não era teu correligionário (se o fosse, choraria ainda mais!), para comprar por míseros vales e linhas telefônicas a tua perpetuidade no poder.

Quiseste ser apolo, quiseste ser hércules, quiseste ser deus, Fernando Henrique Cardoso!

E teus seis anos seguintes de poder se arrastaram para o fundo, levando meus sonhos, levando a Nação, levando o orgulho que tínhamos de ter um intelectual na Presidência. Foram-se as esperanças como no poema de Vicente de Carvalho – A Flor e a Fonte: “Dizia a flor a chorar / Eu fui nascida no monte / Não me leves, não me leves para o mar”.

Não! Não fomos para o mar, onde podíamos, ainda, tentar navegar. Fomos para o brejo, de chifre e tudo, como a velha vaca.

E só saímos do brejo, Fernando Henrique Cardoso, porque aquele metalúrgico tosco, barbudo, quase analfabeto, sem um dedo na mão, a tua antítese, Fernando Henrique, nos tirou do atoleiro em que tuas práticas políticas e teu desgoverno nos colocaram.

Por isso, senhor, se ainda te guardo algum respeito, é o respeito que temos pelos mortos, ou por aqueles que ainda não morreram, mas que deviam agir como tal. Enquanto estiveres quedo e belo em tua tumba, pensarei em ti como aquele que podia ter sido mas não foi.

Entretanto, Fernando Henrique Cardoso, se te moves em tua campa, se lá das trevas de onde nenhum mortal voltou (tu reconheces aí uma pontinha de Shakespeare, não é? – coisa que o metalúrgico nem sonha, não é?) ainda tentas comunicar a outros natimortos tuas decepções e frustrações, ah!, não, senhor, não posso pensar em outra coisa senão em jogar-te em cima uma bela porção de água-benta e fincar-te no peito a velha estaca de matar vampiro!

Então, por isso, Fernando Henrique, não choro agora por ti, em teu futuro jazigo, que estás há muito morto, desde aquele início do segundo ano do teu mandato, quando te transformaste no chupa-sangue de nosso povo, em prol de uma imortalidade que, infelizmente, senhor, tu alcançaste apenas pelo cargo que ocupaste, não pela obra que deixaste.

Não, não chorarei por ti, desde há muito tempo, agora e nunca.
(Ilustração: Caravaggio - Narciso)

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