março 15, 2010

POLITICAMENTE CORRETO: QUE SACO!





Quando eu era professor, há muitos anos, num colégio de Belo Horizonte, deparei com um caso simples e ilustrativo de uma certa paranoia que anda por aí. Reparei que um dos meus aluninhos da quinta série decorava seus cadernos com desenhos de armas. Imbuído do politicamente correto, preocupei-me. Pensei: vou informar à direção do colégio. Que chamem psicólogos, educadores, sei lá, gente especializada para tratar do moleque! Que pode estar revelando uma personalidade psicótica...

Antes, porém, resolvi abordá-lo. “Por que esses desenhos”? E o moleque, na maior tranquilidade, explicou-me: “Meu pai é um colecionador de armas e eu também gosto de armas... “

Desarmado fiquei eu, a ouvir o menino me mostrar, encantado com meu interesse, os diversos tipos de armas que seu pai tinha e ele desenhava, como prova, não de que pudesse se tornar um perigoso assassino, mas de amor filial, de orgulho do pai.

Outra historinha: eu e meus quatro filhos, desde muito pequenos, gostávamos de assistir a filmes de terror. Quanto mais “melecado”, melhor. Divertíamos com os freddy kruger, com as sextas-feiras treze, com as serras elétricas e com muitos outros monstros do cinemão. Depois, eles foram crescendo e descurtindo esse tipo de filme. Ainda damos muita risada,quando nos lembramos deles. E todos os meus quatro filhos são hoje cidadãos e cidadãs que abominam a violência e vivem suas vidas absolutamente normais.

Histórias infantis: todas, absolutamente todas elas contam histórias de arrepiar. Falam de bruxas más que assam criancinhas, de lobos que comem vovozinhas ou destroem a casa dos pobres porquinhos, para comê-los, claro, e muitas, muitas maldades. Fomos criados, eu e muitas gerações antes de mim, ouvindo esses “horrores”.

Nas velhas brincadeiras de rodas, quase todas as canções que cantávamos falavam de morte, de traição, de maldades: nem vou lembrar o cravo e a rosa, atirei o pau no gato etc. etc. etc.

Quando moleque, cansei de matar “índios” e “cowboys” inimigos, em lutas que duravam horas, pelas ruas, pelas praças, inspirados pelos gibis que tinham por heróis pistoleiros sanguinários como Rock Lane, Flecha Ligeira e tantos outros. Nem Pato Donald e os demais personagens da Disney escapam de malvadezas ou de histórias bastante violentas. Também não preciso lembrar os super-heróis e seus arquiinimigos, os simpáticos vilões que infernizam suas vidas, tentando ou conquistar ou destruir o planeta.

Nem por isso, fui ou sou uma pessoa violenta. Muito pelo contrário: abomino armas e exércitos e guerras e militares e terroristas em geral e não acredito que o homem supere a barbárie enquanto cultivar a violência. Aliás, a maioria absoluta das pessoas não é adepta da violência, principalmente por conta de leituras da infância, de cantigas de rodas ou de contos da carochinha de nossos avós.

Então, leio que “pedagogos” e “tias” das atuais crianças estão mudando as histórias clássicas, para torná-las “politicamente corretas”, ou seja, em vez de o lobo comer a vovozinha... o que mesmo ele vai fazer? Ou mudando a famosa canção para uma bobagem como “não atire o pau no gato”!

Ora, ora, ora: deixem as crianças “atirar o pau no gato” e morrer de medo do lobo mau que come a vovozinha e quer fazer churrasquinho da Chapeuzinho Vermelho, porque isso é da natureza dos lobos de histórias infantis. São peças catárticas, que criam no imaginário da criança não exatamente a vontade de serem violentas, mas a repulsa aos atos violentos. Ninguém, absolutamente ninguém, até hoje, se tornou assassino em série porque leu um livro violento ou assistiu a um filme de terror. Não há absolutamente nenhuma prova de que literatura, gibis, cinema ou qualquer outra forma de arte possam contaminar mentes e torná-las perigosas para a sociedade. Porque a criança distingue de alguma forma o que é ficção e o que é realidade, a partir de um determinado momento.

As mentes psicopatas serão psicopatas mesmo que criadas num convento, mesmo que nunca tenham lido ou ouvido falar de guerras e morticínios. Não são, absolutamente, influenciadas pela ficção. Podem, sim, ser influenciadas pela realidade, pelo convívio com pessoas violentas, pelo exemplo de pais, amigos ou pelo ambiente em que vivem, se tiverem já o instinto para aquilo que denominamos “o mal”.

Porque é da natureza humana haver pessoas “boas” e pessoas “más” – caberá ao educador, sejam pais ou mestres, cuidar para que essas pessoas se tornem melhores, claro, mas não podem impedir que aquele garotinho ou aquela garotinha tão sensíveis e delicados se tornem, de repente, o pior dos pesadelos de uma sociedade.

O mundo, a vida, a convivência em sociedade não são passíveis de serem colocados em bolhas higiênicas, politicamente corretas, como forma de prevenir a violência, a barbárie. Há um longo caminho para que o homem supere tudo isso, mas esse caminho não passa, absolutamente, por conceitos como o “politicamente correto” aplicados dessa forma ingênua ou, mesmo, idiota.

Princípios éticos – que podem ser extraídos até do lobo mau – são muito mais importantes do que ensinar as criancinhas a cantar essa bobagem de “não atire o pau no gato”. E um moleque de quinta série, ao desenhar armas em seu caderno de deveres, pode estar apenas exprimindo orgulho ou amor filial. Sem nenhum outro componente psicótico. Que pode estar em nossas cabeças...

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