fevereiro 21, 2025

EU, CRÍTICO LITERÁRIO, COMENTO, MAIS UMA VEZ, TORTO ARADO, DE ITAMAR VIEIRA JÚNIOR

 

(A capa do livro e a foto original, do italiano Giovanni Marrozzini)



Formado em Letras pela USP, é claro que tenho uma visão diferente do leitor comum ao comentar um livro que acabei de ler, como faço no meu blog TRAPICHE DA LEITURA. Lá, porém, sempre me coloco na posição de leitor, nunca de crítico ou de expert em Literatura. Ou seja, não faço crítica literária. Aliás, tenho uma certa ojeriza a críticos; não a todos, óbvio. Talvez venha do fato de que me incomodava, e muito, quando estudava teatro, lia que grandes dramaturgos e diretores e atores e atrizes estadunidenses da primeira metade do século passado, quando estreavam uma peça, passavam uma noite de cão, esperando a crítica de determinados jornais no dia seguinte. Essa crítica podia determinar o sucesso ou o fracasso do espetáculo, pois havia críticos crudelíssimos que, por qualquer motivo, demoliam uma peça, a direção ou uma atuação que não lhes agradasse, esquecendo-se de que por trás de um espetáculo teatral há dezenas de vidas que nela empregaram o seu talento, o seu trabalho, enfim. Por pior que seja, nenhum trabalho artístico merece a depreciação pura e simples de quem quer seja que se coloque na posição de um deus furibundo e onisciente: se não gostou, não fale nada, não destrua – às vezes, algo que parece ruim para um pode ser bom para outro; ou o ruim hoje poderá ser considerado bom no futuro. Caso contrário, se for mesmo ruim, que o público decida. Sem a influência da maldade de um crítico que se considera dono da verdade.

Enfim, não sou crítico. E, em geral, não gosto de críticos. Porém (e há sempre um “porém”), quando uma crítica é construtiva, ou seja, aponta problemas que podem ser corrigidos, sem rancor, sem sarcasmos e sem cutucar de forma cruel a ferida, até gosto de ler, pois me leva – e ao leitor – a um refinamento do gosto, mesmo que não concordemos – eu ou o leitor.

Tudo isso para pedir licença aos eventuais leitores deste texto para demonstrar, com um exemplo, tudo o que acabei de dizer, refazendo a crítica a um livro que li não faz muito tempo e de gostei, mas cuja estrutura me incomodou um pouco. Refiro-me a TORTO ARADO, de Itamar Vieira Júnior [1], cuja resenha pode ser lida no referido blog TRAPICHE DA LEITURA [2].

Itamar Vieira Júnior conta uma história muito interessante. E escreve bem. Mas comete, na minha opinião, dois erros básicos, que escritores experientes não cometem.

Explico: quando um autor opta por um narrador onisciente, ele pode esquadrinhar a mente das personagens, dizer-nos o que elas pensam e sentem; pode dar-lhes a palavra em várias formas de discurso: direto (quando reproduz a fala da personagem), indireto (quando nos traduz a fala da personagem) e indireto-livre (quando a fala da personagem se mistura à do narrador), mas sempre respeitando a forma de falar de cada um, já que a fala, a maneira de se expressar, também reflete a visão de mundo da personagem e cada uma tem uma visão diferente, logo tem também um modo de falar diferente, e isso é tratado com muito cuidado por um bom escritor. Quando ele opta por um narrador-personagem, esse cuidado de linguagem atinge altos graus de cuidados, porque a maneira de narrar e de contar e de se expressar vai ser conformada à visão de mundo, ao pensamento e às idiossincrasias linguísticas do narrador-personagem. Vamos ver o mundo e acompanhar a narrativa pelos seus olhos, com seus defeitos e qualidades, com seus erros e acertos de julgamento.

Outro ponto importante: se um escritor nos leva para um universo regional, não bastam as referências culturais, os usos e costumes dessa região: é necessário (e bons escritores cuidam muito bem disso) usar também termos, expressões e o linguajar típico da região na fala das personagens e, às vezes, até mesmo na narrativa de um narrador onisciente, mas principalmente na fala do narrador-personagem. Nem preciso citar Guimarães Rosa, que é um mestre na arte de nos levar para o mundo que ele descreve através da linguagem, criada e recriada pelo escritor. Dou outro exemplo: FOGO MORTO, de José Lins do Rego {3]. Já o título nos remete a um regionalismo, que é explicado ao longo do livro, mas que contém uma metáfora de toda uma situação complexa: quando um engenho entra em fogo morto, ou seja, para de produzir a cana, os reflexos sociais são imensos, já que os explorados trabalhadores deixam de ganhar a miséria de um salário de fome e se tornam ainda mais miseráveis. Às vezes, por injunções econômicas regionais, nacionais e até internacionais (um país despeja no comércio mundial toneladas de açúcar mais barato, talvez produzido por mão de obra escrava, e faz baixar os preços na bolsa de valores de Nova Iorque e o efeito cascata chega aos miseráveis trabalhadores dos engenhos nordestinos). Então, vemos a força de uma expressão, dentro de uma obra literária. E a força do regionalismo. E mais: deve o escritor regionalista atentar para as expressões típicas do grupo social a que se refere, mesmo dentro de um padrão regionalista. Por exemplo: num quilombo de Alagoas, seus membros não só usam a linguagem típica do seu estado, mas também palavras e expressões típicas de sua cultura, do seu microuniverso, diferentes das palavras e expressões de quilombolas do estado de São Paulo, que também teriam o reflexo do linguajar estadual em sua fala, mas teriam termos específicos de seu povoado.

Voltemos a Itamar Vieira Júnior. Repito que li o romance com prazer e gostei dele. Mas, literariamente, tem dois problemas sérios (nem vou dizer que são defeitos).

Primeiro, os narradores. Ao optar por narradores-personagens, principalmente nas duas primeiras partes do livro, as duas irmãs deveriam, cada uma em seu momento, ter estilos diferentes de narrativa, já que, embora irmãs, têm visão de mundo diferente, histórico de vida diferente, ou seja, não podia o escritor ter-se descuidado ao ponto de que não diferenciarmos o discurso de uma do discurso da outra: ambos mantêm o mesmo jeito de narrar, o do escritor, e não exatamente o das personagens. Um escritor experiente teria o cuidado de tecer em termos linguísticos dois discursos diferentes, cada um com seu jeito de falar, com aquilo que em linguística se chama de idioleto (o idioma no estilo individualizado).

Segundo, o romance de Itamar Vieria Júnior é uma narrativa regional e, mais do que regional, de um microuniverso específico do interior da Bahia. No entanto, pouco, muito pouco do linguajar desse mundo aflora na narrativa ou na fala das personagens. Os usos e costumes dessa gente não se refletem no léxico que, diante da visão que nos oferece o autor, são bastante ricos, mas o vocabulário que ele, o autor, usa é praticamente o de um leitor culto de qualquer cidade do país.

São esses “descuidos” literários de um autor principiante, embora de grande potência narrativa. Minha crítica tem o sentido de observar, para futuros ficcionistas que por acaso me leiam, que não basta boa vontade e habilidade de escrever, para produzir uma obra de arte. Dizia Chico de Assis, em suas aulas sobre dramaturgia, que é preciso sempre buscar a melhor forma. E que há uma melhor forma para tudo. E eu acrescento que forma e conteúdo são indissoluvelmente intricados e que não se pode desprezar a forma em detrimento do conteúdo ou vice-versa. As grades obras artísticas são aquelas que obtiveram o equilíbrio entre forma e conteúdo, ou seja, seus autores buscaram sua melhor forma e, através dessa melhor forma, conseguiram transmitir mensagens importantes para nós.

Assim, eu repito: TORTO ARADO é uma obra rara na literatura brasileira atual. Deve ser lido, discutido e apreciado em todas as rodas e por todos que tiverem o privilégio de tê-lo em mãos, seja o livro físico ou digital. Mas, tem esses dois pecadilhos: o de não utilizar a melhor forma no trato da linguagem dos narradores e de não incorporar, linguisticamente, os regionalismos das personagens que ele delineia tão bem. É um bom livro, bom de ler, mas não é uma obra prima. Uma pena.


Notas:

[1] Editora Todavia, 2019; 264 páginas.

[2] 

[3] J. Olympio, 1943; 386 páginas.

fevereiro 08, 2025

UM MUNDO QUE SE DESENHA NAZIFASCISTA

Honoré Daumier, 1864


Há uma mentalidade que tenta se impor há muitos e muitos anos: a rejeição ao comunismo. Até a segunda década do século passado, essa rejeição ao comunismo, ao marxismo, era fruto de uma campanha movida principalmente pela Igreja Católica Romana, baseada na ideia de que a Rússia, depois da revolução de 1918, tornara-se um país ateu. E mais: renegara e perseguira a religião, principalmente o cristianismo representado pela ICAR. Perder o império russo, para o Vaticano correspondia a perder um imenso mercado da fé, ainda que tivesse a concorrência da Igreja Ortodoxa, já que essa seita não renegava o cristianismo e, portanto, ainda havia a esperança de ser cooptada para se resguardar sob o manto papal.

Com a ascensão do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália, o anticomunismo recrudesceu e se elevou a níveis de uma campanha mundial, transformado no principal inimigo da ideologia nazifascista, a despeito de todas as tentativas de aproximação entre o terceiro reich e o governo russo. Partidos que professavam ideologias nazistas proliferaram pelo mundo, inclusive no Brasil, onde não só tivemos um partido claramente de ideologia fascista, a Aliança Integralista Brasileira, comandada por Plínio Salgado, como o governo de Getúlio Vargas (nessa época, já transformado em ditador do chamado “estado novo”) flertava abertamente com Mussolini.

Ressaltemos que a ditadura getulista implantou, através do Ministério da Educação, uma verdadeira lavagem cerebral das crianças e jovens, com o culto à imagem do ditador e a símbolos nacionais (principalmente a bandeira), e com uma pregação pelo embranquecimento da nação (de cunho claramente racista) e de horror ao comunismo. Quando em novembro de 1935, um grupo meia dúzia de oficiais do exército se rebelou, no Recife e no Rio de Janeiro, contra o regime de Vargas, algo que ficou restrito aos quartéis, sem qualquer consequência prática, esse movimento foi taxado como uma “intentona comunista”, isto é, uma tentativa de implantar no Brasil um regime comunista. Até hoje, os livros de história repetem esse absurdo e muita gente acreditou e ainda acredita que o Brasil esteve à beira do comunismo.

Nos Estados Unidos, o final da guerra, logo após 1945, a figura de Stálin era praticamente adorada com um grande herói. Mas, logo veio a chamada “guerra fria”, quando as relações com a então União Soviética azedaram. Os Estados Unidos trataram de propagandear, de forma sutil mas intensa, por todos os meios a seu alcance (cinema, revistas, jornais, televisão, rádio etc.) o ódio ao comunismo, como inimigo número 1 da humanidade.

O que não se percebeu, e até hoje não se percebe, é que a pauta anticomunista foi pouco a pouco sendo sequestrada pelos nazifascistas de plantão que, derrotados militarmente, perseguidos e isolados, continuavam, no entanto, a cultivar a sua ideologia, ocultando suas garras, mas fincando-as em muitos estamentos da sociedade ocidental, desde a Europa até as Américas, através de grupelhos incialmente isolados e, pouco a pouco, articulados e ativos. Tomaram entusiasticamente a bandeira do anticomunismo e infiltraram-se na mídia, nos partidos políticos, nas sociedades civis etc. Sem dúvida, após os anos 50, tivemos muitos representantes da ideologia nazifascista em postos relativamente importantes, construindo pouco a pouco as teias invisíveis visando a uma futura tomada do poder em países incialmente periféricos, e depois em países mais importantes.

Mantiveram-se nos porões de pequenas e ocultas organizações, cooptando pouco a pouco expoentes poderosos do capitalismo, os quais perceberam que não bastava o poder do dinheiro, tinham que conquistar também o poder político. Precisavam influenciar mentes e conquistar eleitores para suas bandeiras e souberam fazê-lo de uma forma que o mundo não esperava: através das redes sociais.

O grande teste foi na Inglaterra, em um plebiscito realizado em 23 de junho de 2016, quando os eleitores britânicos decidiram, por 52% a 48%, que o Reino Unido deveria deixar o bloco europeu. A ressaltar que, quando começou a campanha, a população que apoiava a permanência era maioria, mas uma série de fake News e de uma campanha promovida pela Cambridge Analytica os eleitores mudaram de opinião. Essa empresa de análise de dados, que também trabalhou com o time responsável pela campanha do republicano Donald Trump nas eleições de 2016, nos Estados Unidos, usando os mesmos métodos de enviar milhões de mensagens dirigidas a determinado público eleitor, contribui decisivamente para a eleição de Trump. Propriedade do bilionário do mercado financeiro Robert Mercer, era presidida, à época, por Steve Bannon, então principal assessor de Trump.

Trump não foi reeleito em 2020, mas protagonizou um dos espetáculos mais bizarros da história dos Estados Unidos, ao incentivar a invasão do Congresso por seus seguidores e se negar a reconhecer o resultado das eleições. Tentou um golpe de estado, mas ainda não tinha o empoderamento necessário para consumá-lo. Então, com o apoio maciço dos milionários nazifascistas, conseguiu voltar à Casa Branca em 2024, consagrando-se como o maior líder da extrema direita fascistoide do planeta, para gáudio de seus seguidores, como Milei, da Argentina; Netanyahu, de Israel; Giorgia Meloni, da Itália; Viktor Orban, da Hungria etc. etc. etc. Além, claro de muitos líderes que não estão no poder, mas tentam se eleger ou influenciar os eleitores, como Marine Le Pen, na França; Nikolaos Michaloliákos, na Grécia; Santiago Abascal, na Espanha; André Ventura, em Portugal; além, é claro, de Jair Bolsonaro e seus asseclas, aqui no Brasil. E muitos outros estão na ativa, pelo mundo afora.

Essa “nova extrema-direita”, embora não se diga nazifascista, flerta abertamente com ideias de Hitler. Um ponto importante a ressaltar (e por isso, inclui-se o premier israelense), que o ódio ao judeu (uma das bases ideológicas da Alemanha hitlerista) foi substituída pelo ódio ao árabe, aos palestinos (com a firme oposição à criação de um estado palestino) e às minorias étnicas, como negros e latinos (especialmente, nos Estados Unidos); pelo ódio aos imigrantes (na Europa, em relação aos imigrantes árabes e africanos; nos Estados Unidos, o exacerbamento desse ódio cristaliza-se com a política de deportações em massa, recém promovida por Trump); pelo ódio aos pobres todos do mundo (também aqui o exemplo de Trump de retirar a ajuda do país aos miseráveis, com a tentativa de extinção da agência USAID, pode estar e está atiçando o dedinho podre de outros governos para fazerem o mesmo); pelo ódio a minorias sexuais, como gays, lésbicas, transexuais, travestis etc.; pelo ódio à medicina, às ciências ditas humanas, ao aborto legal (em geral, nos países que o adotam, as regras são bem rígidas) e, por incrível que parece, ódio às vacinas e às campanhas de vacinação.

Prega essa extrema direita a defesa inconteste da família tradicional, constituída de homem, mulher e filhos, o que ocasiona, principalmente nesse caso, a cooptação de igrejas evangélicas neopentecostais, cujos seguidores também cultivam ódio às minorias sexuais, seduzidas pelo discurso de defesa de um ideal pretensamente cristão. Difícil dizer ou separar o que é apropriação pelos nazifascistas de uma pretensa inocência de líderes dessas religiões, ou se esses líderes se associam à extrema-direita porque também eles flertam com o nazifascismo, de olho na exclusividade de um futuro mercado da fé.

Outra bandeira cara a esses neonazifascistas é o tal do patriotismo. Porém, um patriotismo torto, absurdo, contraditório em sua essência. Aplaude-se o lema da campanha de Trump – make America great again – sem perceber que tal “amor à pátria” contém a armadilha do exacerbamento de um nacionalismo xenófobo que contraria toda a construção capitalista de um mundo globalizado. Ao se fechar e impor tarifas a importações de países tradicionalmente parceiros, os Estados Unidos de Trump dão o exemplo para que, ao fazerem a mesma coisa, os demais países provoquem uma guerra fiscal e comercial de consequências impensáveis. Muitos idiotas pelo mundo – inclusive no Brasil – estão batendo palmas para suas próprias futuras dificuldades. Quem viver verá.

Provavelmente não haja nenhum inocente nas hostes nazifascistas que começam a colocar suas manguinhas de fora em quase todos os países do mundo. Suas células, cada vez mais, estão com menos receio de se mostrar, com menos receio de divulgar suas ideologias, através de símbolos, gestos, folhetos, mensagens nas redes sociais e, principalmente, através de políticos e líderes populares que se apresentam cada vez mais afoitos na pregação de suas ideologias de ódio, contaminando vários estamentos de sociedades despreparadas para a compreensão e discussão de ideologias que se disfarçam com a defesa de seus interesses do dia a dia, sem perceber que estão sendo cooptadas e doutrinadas muito além de sua religiosidade.

Se temos imensas preocupações e estamos já sofrendo com o aquecimento global provocado pelo capitalismo predatório, precisamos acordar, caros leitores e leitoras, para este outro perigo, tão demolidor e destruidor quanto o primeiro: o mundo está se tornando paulatinamente e cada vez mais nazifascista, principalmente depois da eleição de Donald Trump – empoderado por votos e por dinheiro, muito dinheiro, provindo dos maiores bilionários do planeta, que o apoiam. Porque, além das ideologias acima listadas – que caracterizam o neonazifascismo – Trump está aquecendo suas turbinas para uma tentativa de expansionismo não só ideológico, mas também territorial, com ameaças a países vizinhos e até mesmo com a proposta absurda de os Estados Unidos se tornarem donos da Faixa de Gaza, com a expulsão dos palestinos ou sua cooptação através da promessa de transformar aquele território numa espécie de nova Riviera sob o domínio estadunidense (uma Cuba antes da revolução castrista, é bom lembrar).

Enfim, ou nos empoderamos também – nós, os democratas; nós, os que amamos de fato a liberdade – ou iremos sofrer derrota após derrota para ideologias extremamente perigosas, que podem transformar um mundo atormentado por fenômenos meteorológicos extremos num mundo de perseguições, prisões, deportações e sofrimento social também extremo.

janeiro 25, 2025

SÃO PAULO 471 ANOS: QUE TAL PENSAR NUMA UTÓPICA CIDADE MAIS HUMANA?

 


São Paulo talvez seja um dos maiores equívocos urbanísticos do planeta. Sei que há outras cidades mal planejadas, mal administradas, com problemas estruturais urbanísticos complexos, cidades cujos cidadãos têm péssima qualidade de vida. Mas, a maioria desses aglomerados urbanos quase inabitáveis são cidades bem mais antigas do que São Paulo e trazem suas mazelas de tempos bastante remotos. Não é o caso de São Paulo, uma megalópole típica do século XX, apesar de seus 471 anos de fundação. Lembremos que, em 1913, pouco mais de 100 anos atrás, a cidade era quase uma vila de “apenas” 400 mil habitantes, que mal ocupava o que hoje se chama de “centro expandido”. Hoje, com mais de 11 milhões de cidadãos só no município e quase 20 milhões na chamada Grande São Paulo, pode-se dizer que perdeu o bonde da história, nesses poucos mais de 100 anos, de se tornar uma cidade menos cruel e de melhor qualidade de vida.

Pode-se dizer, também, que o dedo podre dos cidadãos paulistanos, em quase todas as ocasiões que tiveram a oportunidade de escolher seus governantes, escolheram mal, muito mal, na ilusão de promessas de um desenvolvimento a qualquer custo, que não trouxe melhoria de vida para quase ninguém. Sim, São Paulo tem melhorado bastante em vários aspectos de alguns anos para cá, mas as perdas trazidas por administrações equivocadas não têm sido revertidas e tampouco mitigadas. E a qualidade de vida está, hoje, muito ruim, em termos modernos e em comparação com outras metrópoles do mundo.

Em vez de os administradores das últimas oito décadas (que eu considero as décadas do grande salto para a consolidação da atual metrópole) aplicarem o dinheiro público e sua capacidade criativa na qualidade de vida dos habitantes, só o que fizeram (quase todos eles) foi construir grandes avenidas em vales onde corriam rios; expandir a cidade para pontos longínquos e sem infraestrutura; retificar os rios e ocupar suas margens alagáveis; canalizar as centenas de rios, riachos e ribeirões que formavam uma complexa bacia hídrica e enterrá-los todos sob ruas e avenidas asfaltadas; permitir a ocupação de áreas verdes e sua destruição por grileiros irresponsáveis, que lotearam as periferias, lucraram bilhões e deixaram um rastro de bairros e comunidades mal planejadas e sujeitas a deslizamentos e alagamentos; entregaram a cidade à sanha das empreiteiras, abrandando leis e permitindo construções coletivas muitas vezes de má qualidade em praticamente todos os bairros residenciais, transformando a cidade num agulheiro de edifícios sem qualquer planejamento ou qualquer cuidado urbanístico; não planejar áreas de “respiro”, ou seja, grandes áreas verdes e, principalmente, áreas de várzea que pudessem propiciar melhor qualidade do ar e evitar as enchentes recorrentes em inúmeros bairros e locais até mesmo do centro da cidade; estimular o crescimento desordenado da população sem o provimento da necessária infraestrutura de saneamento básico, luz, pavimentação adequada (não o asfalto impermeabilizante) e transporte (o metropolitano só começou a ser construído em 1968 e sua expansão tem sido muito aquém das necessidades da população; privatizar o transporte público (isso ocorrei em 1995) e, a partir daí, entrega-lo sob concessão a empresários inescrupulosos, que só visam ao lucro e não se preocupam com o bem estar da população).

Enfim, poucos foram os administradores dessa imensa e infeliz metrópole a se preocupar com a qualidade de vida de seus habitantes.

Assim, só vejo, hoje, uma solução para os imensos desafios que São Paulo exige para se tornar uma cidade minimamente habitável e com a necessária qualidade de vida: parar de crescer e começar a diminuir.

Sim, diminuir.

Onze milhões de pessoas não são compatíveis com a infraestrutura que a cidade oferece. E não adianta abrir túneis, construir mais avenidas, melhorar o saneamento básico, construir mais habitações, gastar milhões em obras contra enchentes (como os famigerados “piscinões”, mais uma ideia absurda!), melhorar o transporte coletivo, abrir mais postos de saúde ou erguer hospitais, nem mesmo mais creches e escolas, que tudo isso é absolutamente necessário, mas, com mais de 11 milhões de habitantes, tudo isso é enxugar gelo, já que o déficit de todos esses serviços e de toda a zeladoria de que a cidade precisa não vai ser coberto nunca, ou só daqui a muitos e muitos anos, pois são déficits acumulados também de muitos e muitos anos de más administrações: com essa população imensa de mais de 11 milhões de habitantes, repito, não haverá nenhuma política urbana consistente que possa resolver.

Acredito que com quatro milhões a menos de habitantes, a cidade poderia se tornar habitável. E como conseguir isso?

Pode-se equacionar o problema resumidamente da seguinte forma: primeiro, observar que pesquisas apontam que cerca de um terço dos atuais habitantes de São Paulo manifestam desejo de sair da cidade, de voltar para suas cidades de origem ou simplesmente gostariam de se mudar para um outro lugar, desde que tivessem condições.

Então, que se ofereçam condições para que essas pessoas saiam voluntariamente da cidade.

Como? Com um plano de incentivo para pessoas e famílias se mudarem de São Paulo, com pagamento de passagens, ou até mesmo da mudança, para outras cidades distantes pelo menos 300 km de São Paulo, com garantia de emprego, moradia (que poderia ser financiada por um tempo) e condições de vida, como escola, hospitais etc. Plano esse que deve ser elaborado pelos governos municipal, estadual e federal, sob a coordenação de algum órgão com representantes desses três poderes criado especialmente para providenciar todo o planejamento e elaborar toda a estratégia necessária para sua consecução, fazer o contato com os mais de 6.000 municípios de todo o Brasil e também com comunidades, para localizar as condições necessárias aos indivíduos e às famílias que se cadastrarem no plano.

Meta: em dez anos, incentivar 4 milhões de pessoas a saírem de São Paulo.

Com uma população reduzida a cerca de 7 milhões, a cidade pode ter uma boa folga de planejamento de melhoria de condições de vida de sua população e os administradores podem começar a resolver os crônicos problemas de moradia, de transporte, de saúde, de educação, de redução de enchentes etc.

Então, São Paulo não mais seria essa enganosa ilusão de prosperidade para todos e, embora continuasse a atrair pessoas de todos os pontos do país, os migrantes que aqui aportassem viriam em busca do que a cidade tem de melhor, ou seja, a possibilidade de formar cidadãos e cidadãs que não necessariamente vieram para aqui viver para sempre, não seria mais essa espécie de 171, essa armadilha onde se vive sem qualidade de vida e sem possibilidade escape.

Utopia? Sonho? É a partir de utopias e de sonhos que a realidade, às vezes, acontece. Acho que todos os moradores de São Paulo tem o direito de sonhar com uma cidade mais civilizada, mais humana, com menos violência, que propicie uma vida mais digna para todos. Uma cidade mais igualitária.

dezembro 12, 2024

DE HORA EM HORA, O CONGRESSO SÓ PIORA





O desastroso governo Bolsonaro deixou para Lula várias heranças malditas, dentre elas o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o seu primeiro-ministro informal, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Felizmente, ambos estão no final de mandato e 2025 não terão mais poder algum.

Se Arthur Lira se despede da presidência e do cargo de primeiro-ministro de um parlamentarismo informal, inventado pelo Bolsonaro, que praticamente delegou aos senhores deputados o controle do orçamento, com as emendas secretas, esse Congresso ainda é um pesadelo, já que nem o Supremo Tribunal Federal conseguiu desfazer o nó da farra com dinheiro público promovida e ainda em plena atividade das tais emendas parlamentares, através das quais essa quadrilha tenta chantagear o poder executivo.

Quando falo em quadrilha, estou, sim, me referindo aos senhores deputados, talvez uma boa maioria desse congresso-pesadelo que saiu das urnas, para atormentar o executivo. Nosso sistema de governo prevê três poderes autônomos: o Poder Legislativo, representado pelo Parlamento bicameral, a Câmara dos Deputados e o Senado, cuja função é elaborar e aprovar leis, examinar e aprovar o orçamento do governo, fiscalizar os atos do governo etc.; o Poder Executivo, representado pelo Presidente da República e seus ministros, cuja função é aplicar o orçamento, governar o país através de programas de desenvolvimento e de obras etc.; o Poder Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, cuja principal função é defender a Constituição Federal. Da harmonia entre esses poderes é que se baseia o funcionamento da República e, portanto, da Democracia. Quando um poder tenta se imiscuir no outro, ou tenta capturar do outro determinadas funções, a governança pública se deteriora e a Democracia para a correr perigo.

O Poder Legislativo, na minha opinião, não pode e não deve se intrometer com verbas do orçamento, distribuindo-as a seu bel prazer, o que tem se constituído num rol de escândalos, quando os senhores deputados se assenhorearam das tais emendas, primeiro secretas, já consideradas inconstitucionais pelo STF, e agora legalizadas através de manobras legais, porém escandalosamente absurdas, para distribuir bilhões, sim, bilhões de reais do orçamento, a seus seguidores ou, por que não, cupinchas, nas milhares de prefeituras dominadas por seus partidos, com intenção claramente eleitoreira, de manter reservas de eleitorado, como gado, e assim permanecerem no poder. Além disso, como não há transparência na distribuição e na destinação dessas verbas e, principalmente, quase nunca se sabe quem mandou quanto de dinheiro para quem, os escândalos de desvio de verbas públicas se sucedem, sem que os bandidos, os verdadeiros gatunos, sejam devidamente punidos e o tesouro ressarcido dos roubos milionários.

Mas, esse Congresso que está aí, tem ainda outros vieses que estão muito acima da minha compreensão e da capacidade de qualquer cidadão entender como funciona a cabeça de certos parlamentares.

Por exemplo: armas. Alguns deputados e senadores parece que têm um verdadeiro fetiche por armas de fogo. Em qualquer projeto que tramita e que possibilita que alguma emenda enfraqueça o Estatuto do Desarmamento, lei aprovada há mais de dez anos, lá estão um deputado ou senador a inserir alguma proteção às armas, não permitindo que elas façam parte da chamada “lei do pecado” da reforma tributária, quando teriam uma tributação maior; aprovando leis de distensão do uso de armamentos por parte de cidadãos investigados por algum crime etc. Eu acredito que esses deputados e senadores (principalmente o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente) devam ter algum problema sexual: ou são impotentes e usam as armas como sucedâneo psicológico de sua incapacidade física, ou são homossexuais enrustidos, que o seu machismo não permite que saiam do armário. Mas há ainda duas outras hipóteses: ou são completamente idiotas, sem nenhuma compreensão do perigo que é colocar milhares e milhares de armas nas mãos de cidadãos comuns, sem qualquer controle, ou são comprometidos com as muitas milícias armadas que atormentam nossa sociedade. Eu tendo a acreditar que é isso tudo junto e misturado.

Outra estupidez: o aborto. Pela lei, o aborto no Brasil só é permitido em três situações: estupro, risco de vida da parturiente, feto anencéfalo. No entanto, os idiotas tentam a todo custo proibir definitivamente qualquer tipo de aborto, por preceitos religiosos infundados, que punem, por exemplo, meninas menores de idade estupradas que, grávidas, com risco imenso de vida, não vão poder abortar, além dos outros casos. Ou seja, esses parlamentares tentam impor leis bíblicas ultrapassadas e mal interpretadas e, pior, leis que só a cabeça gorda deles, cheia de preconceitos consegue engendrar, a toda a sociedade, como se estivéssemos numa teocracia. É uma gente estúpida e paquidermicamente impermeável em sua estultice.

Bem, paremos por aqui. Haveria ainda muito o que falar desse congresso-pesadelo, dessa turma que só pensa em seu umbigo, que não tem a mínima consideração para com o povo. Por isso é que eu acho que só deviam ser permitidas, por lei, duas reeleições para as câmaras legislativas. Para os senadores, que têm mandato de oito anos, uma só eleição. E que acabem as emendas parlamentares ao orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Senadores, deputados, vereadores não têm que distribuir verba, já basta o que ganham para um trabalho que muitos fazem mal e porcamente!

novembro 07, 2024

A NOVA ERA TRUMP: CUMPRIRÁ ELE TUDO QUE PROMETEU? E O BOLSONARO, HEM?

 


Li no Instagram: “Num país em que as baratas votam no chinelo, que se fodam as baratas”. Para quem não se lembra, “cucarachas” (baratas) é como os estadunidenses chamam os latinos que moram nos Estados Unidos. E esses latinos votaram no Trump!

Um dos pilares da campanha que elegeu o Tiririca deles como presidente foi o incentivo à xenofobia contra os imigrantes latinos. Suas ameaças: deportação em massa; fechamento das fronteiras; taxação dos produtos importados do México, se a presidente Claudia Sheinbaum não conseguir impedir a entrada dos “cucarachas” pelas suas fronteiras. Além disso, a fábrica de fake news saída da bocarra de Trump incluiu dizer que, numa determinada cidadezinha dos Estados Unidos, de forte presença porto-riquenha, eles, os imigrantes, estavam comendo cães e gatos, roubados das casas dos cidadãos “de bem”. Isso gerou uma onda de mentiras e de memes avassaladora, que nenhum desmentido conseguiu amenizar. E mais: colocou na mente desses cidadãos “do bem” que os imigrantes estão tomando seus empregos!

Ora, esses empregos, que a bocarra mentirosa do Trump diz que estão sendo ocupados pelos “cucarachas” são exatamente os empregos que os estadunidenses odeiam ocupar, já que estão imbuídos do famigerado “sonho americano”: bom emprego, bons salários, compra de casa própria e do carrão do ano. Esse “sonho” – que, na realidade, era apenas um sonho incutido pela propaganda – tornou-se mais complicado hoje, por causa de algo com que eles não estavam acostumados: a inflação, que bateu nos 9% ao ano. Ainda que a economia, apesar disso, tenha crescido, que os empregos aumentaram, o que pesou mesmo para acreditarem nas mentiras do candidato foi a alta de preços de bens de consumo.

Vejamos o que uma onda de deportações e de impedimentos de entrada de imigrantes nos Estados poderá provocar, se ele, o Tiririca financiado pelo Elon Musk, cumprir o que prometeu no primeiro ano.

E há, aqui, um problema para ele: se não cumprir, desmoraliza-se.

Bem, os imigrantes, os “cucarachas” ocupam os empregos existentes principalmente na construção civil, mas também nos serviços de limpeza geral e de empregados nos bares e restaurantes, ganhando salário mínimo, que varia de estado para estado, mas tem por média cerca de US\$ 1.160 por mês, que, em reais, corresponde a aproximadamente R$ 5.800 mensais, e nos países latinos deve ser ainda maior. Sobre esse salário – que, para os nativos estadunidenses, é salário de fome – eles pagam imposto! O que rende um bom dinheiro para os cofres do governo. E mais: são pessoas que estão acostumadas a viver com pouco e, por isso, mandam algum dinheiro (cerca de 100 ou 200 dólares mais ou menos), por mês para suas famílias. Esse dinheiro, nos seus países de origem, faz que as famílias mudem de patamar social e passem a consumir mais. E consumem mais o quê? Produtos das indústrias estadunidenses localizadas em seus países, para onde se instalaram em busca de mão de obra mais barata. Ou seja, alimentam os próprios Estados Unidos, através dessas indústrias que, se forem taxadas em 25%, como ameaça o Trump fazer com as importações do México, irão quebrar, trazendo prejuízo para quem? Para os Estados Unidos.

Além do mais, a crise de mão de obra, principalmente na construção civil, que já ameaça muitas empresas dessa área, irá afetar profundamente a vida dos cidadãos “ricos e prósperos”, que verão o sonho da casa própria mais distante, com a escassez do produto e consequente aumento dos preços. Ou seja, a imigração dos “cucarachas” – que votaram no mentiroso e que podem ser deportados – é um sistema complexo de retroalimentação que movimenta um boa parte da economia dos Estados Unidos!

Falemos, agora, do Bolsonaro.

E o que o Bolsonaro tem com isso? Bem, nosso inelegível ex-presidente, ao contrário do topetudo lá deles, dos Estados Unidos, que está condenado e tem dezenas de processos nas costas e mesmo assim pôde se candidatar e vencer as eleições, Bolsonaro não pode nem sair do país, porque seu passaporte está retido por ordem do STF. Ele deve pedir que o Supremo o libere para ir à posse de seu “ídolo” (que, me perdoem os leitores, “está cagando e andando para ele”, já que não tem empatia para com ninguém fora dos Estados Unidos; e isso serve também para o presidente Milei da Argentina). No entanto, informa-nos hoje, 7 de novembro, a CNN, “que STF deve negar pedido de Bolsonaro para ir à posse de Trump”. Portanto, o idiota deve fazer, mais uma vez, o papel de que ele tanto gosta: de idiota. Além de puxa-saco do Trump.

Mudando um pouco o rumo da prosa, para uma cutucada no presidente ucraniano. Segundo todos os analistas, a promessa (mais uma!) do recém-eleito presidente estadunidense é acabar imediatamente com as guerras. No caso da Ucrânia, através da cessação de envio de armas, para forçar o Zelensky a uma quase rendição, com entrega dos territórios reclamados pela Rússia. Putin agradecerá.

Quanto ao Netanyahu, há, por parte do novo presidente, juras de amor eterno, o que deve deixar o premiê de Israel mais confortável. Provavelmente, quem vai entrar pelo cano serão os palestinos, os grupos armados – Hezbollah e Hamas – que os apoiam e, possivelmente, o Líbano. O que vai desagradar – e muito – os aiatolás do Irã: uma boa crise à vista!

Europa. A maioria dos países europeus vai sofrer o impacto de sua política, também prometida, de diminuir a influência – diga-se, diminuir a grana! – na OTAN/NATO, o que levaria a Europa a buscar alternativas para sua defesa. E, claro, mais gastos para os países membros, que não andam lá muito bem das pernas. A conferir.

Na campanha, o ex e atual recém-eleito presidente dos Estados Unidos, repetiu um bordão que agradou, e muito, uma parcela de seu eleitorado: “fura, baby, fura”, um anacronismo para incentivar o aumento da produção de petróleo, de xisto e gás natural. Isso deixou os ambientalistas de cabelos em pé, além do fato de que Trump é negacionista quanto ao aquecimento global. A COP30, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém (PA), em novembro de 2025, poderá estar seriamente ameaçada em seus resultados, com a ausência ou a negação dos Estados Unidos. Assim como está ameaçada sua contribuição para o Fundo Amazônia, que tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais.

Vamos encerrando por aqui, esse comentário, já extenso, mas ao qual caberiam ainda muitas outras desgraças resultantes desse fato político, que é a eleição do Tiririca financiado por Elon Musk, porque já me falta estômago para pensar em tudo o que o Trump pode trazer de ruim para o planeta, se ele mantiver suas promessas. Talvez, para mim, as únicas coisas boas da nova administração estadunidense sejam: primeiro, não vão faltar assuntos e motivos para xingar o Trump nos próximos quatro anos; e, segundo, quem sabe ele não consegue ferrar de vez seu país e os Estados Unidos deixem de ser o xerife do mundo?

(Está rindo de quê, seu babaca?)

outubro 19, 2024

BRASIL: UM PAÍS POLARIZADO?

 




Hoje, eu vi um leão

Leão, leão

E não era um leão

Não era um leão

E o que era então?

Não digo, não!

Não digo, não!

Não digo, não!



Que bicho, que bicho

Que bicho era então?



(Eu vi um leão: canção popular de Lauro Maia – 1913-1950)



O Brasil, desde a Proclamação da República, em 1889, tem sido governado prioritariamente pela direita. Porque o Brasil é um país de direita. E só estamos descobrindo isso agora. A esquerda só governou o país por períodos muito exíguos. Mas, precisamos deixar claro o que é “direita” e o que é “esquerda” neste país complexo e multicultural.

Falemos, primeiro, da tal “direita”. A república nasceu de um golpe de estado – de direita. Os presidentes que nos governaram até 1930 pertenciam à direita. Essa era ou é a direita “envergonhada”, ou seja, uma direita que não se proclamava de direita, mas tinha todos os tiques e toda a ideologia de uma direita que tinha um nacionalismo meio torto, mas que não defendia, por exemplo, a extinção ou a morte de inimigos políticos, embora o assassínio de adversários ocorresse de vez em quando. Porém, tudo dentro da ordem e do progresso. E digo isso com toda a ironia de que eu seja capaz. Era uma direita conservadora, católica e, por isso, anticomunista.

Abramos um parêntese para o anticomunismo dessa direita.

Num tempo – e estamos falando das três primeiras décadas do século XX – em que as comunicações eram precárias, a Revolução Russa foi-nos vendida como uma revolução anticatólica, que perseguia a Igreja, que assassinava os padres e fechava os templos. Uma revolução ateísta. Lembremos que éramos (e ainda somos, embora menos) um país católico.

Um parêntese dentro do parêntese: Stálin e o fechamento da Rússia (depois, União Soviética) para o ocidente contribuíram muito para má imagem desse país e da revolução bolchevista, não só no Brasil.

Prossigamos. O país católico que era/é o Brasil cultivou, a partir de então, paulatinamente, um horror ao comunismo e a tudo que era de esquerda. E isso está no imaginário popular: a esquerda é intrinsecamente má. Comunista come criancinhas. Estupra mulheres. Persegue a religião. Fecha igrejas. E, numa escalada absurda de anti-ideologia, toma sua propriedade, sua casa, seus bens, seu sítio, sua fazenda. (Talvez isso explique por que falar de reforma agrária se tornou um tabu, para as mentes toscas da direita). Mas essa era ainda o que chamamos de “direita envergonhada”, aquela que não quer dizer seu nome, não se assume, apenas pratica seus valores.

A era Vargas destampou em parte o demônio da direita: Getúlio, inicialmente, simpatizava (e acho que sempre simpatizou) com o ideário fascista da dupla Hitler-Mussolini. Perseguiu, prendeu e matou muitos políticos e cidadãos da esquerda. Propiciou até mesmo o surgimento de um movimento claramente nazista, a Ação Integralista, de Plínio Salgado. Instituiu um programa educacional que difundia o nacionalismo (com o culto a símbolos nacionais, principalmente a bandeira: isso não lhe recorda algo?), o anticomunismo, o racismo (o país precisava “embranquecer”). Nossos avós foram devidamente educados nessa ideologia. Estava ali o ovo da serpente da extrema-direita, que, todavia, não prosperou, porque Getúlio recuou de seus princípios, sob pressão dos Estados Unidos, e acabou declarando guerra ao eixo, enviando até mesmo uma força expedicionária para lutar na Itália. Mas o ovo da serpente da extrema-direita saíra da cloaca da direita “envergonhada”. E foi essa direita, a “envergonhada”, que nos governou entre 1945 e 1964. Não conheço a ideologia de Juscelino Kubitschek, mas ele não era de esquerda, embora se pudesse prever um segundo mandato com um viés menos progressista e mais voltado para o social. João Goulart tinha compromissos com pautas da esquerda, mas não era exatamente um esquerdista ou comunista. Mas só o fato de pregar as tais “reformas de base” (entre elas a tenebrosa, para a direita, reforma agrária) foi suficiente para que o ovo da serpente da extrema direita eclodisse em 1964. Os militares deitaram e rolaram por 21 anos: perseguiram, prenderam e assassinaram seus opositores; aprofundaram o nacionalismo de extrema direita e a ideologia de temor ao comunismo, como ameaça à pátria, à propriedade privada, à religião. O ovo da serpente produziu seus filhotes extremistas, que se retraíram um pouco com o processo de redemocratização. Retraíram-se, “envergonharam-se” novamente, até a ascensão de Lula à presidência, quando, eu acredito, subterraneamente, pertinazmente, silenciosamente, os extremistas foram se reorganizando, até encontrar um “líder” que, por mais tosco que fosse, levantasse a bandeira do neonazifascismo, agora com o apoio não mais da Igreja Católica (meio que defenestrada da hostes direitistas, embora continue sendo uma instituição de direita), mas com a ajuda de um movimento que cresceu absurdamente nas últimas três décadas: o neopentecostismo, que herdou quase tudo de ruim da direita hidrófoba de Plínio Salgado (não é coincidência o Sul ser o que é: os camisas-verdes brotaram e cresceram lá) e do nacionalismo torto de Vargas (não à toa que se apresentam vestidos de verde e amarelo e enrolados na bandeira). Bolsonaro e seus asseclas tiveram apenas o trabalho de “encarnar” todo esse lixo, para tomarem o poder e, quando defenestrados, até pensarem num novo golpe de estado, para instituir um regime semelhante a uma teocracia de extrema direita.

A esquerda, no Brasil, foi sempre uma esquerda “subterrânea” e sem definição de extremismos. Porque foi quase sempre perseguida e tolhida em suas pretensões; poucas vezes, seus líderes realmente tiveram oportunidade de se destacarem na política. E foi sempre uma esquerda amedrontada, que vestia e ainda veste “luvas de pelica”, ou seja, uma esquerda que nunca pregou claramente a incompreendida “ditadura do proletariado” ou até mesmo uma revolução que chocalhasse as bases do poder e instituísse suas bandeiras de justiça social e igualdade em todos os campos da política e da sociedade. Foi sempre uma esquerda ética. Basta ler a biografia de um de seus maiores líderes, senão o maior, Luís Carlos Prestes, um homem probo, extremamente ético, cuidadoso com suas ações, mesmo quando liderou a famosa Coluna Prestes. Um homem que pautou sua existência pela coerência, honestidade de princípios, lealdade ao país (é uma fake news da época, a frase a ele atribuída de que lutaria pela União Soviética contra o Brasil, numa hipotética guerra).

A famigerada, podemos dizer assim, hoje, “intentona comunista” foi um pequeno levante dentro do exército, em Natal, Recife e Rio de Janeiro, envolvendo meia dúzia de tenentes insatisfeitos com o regime de Getúlio, com quase nenhuma repercussão. A mídia, que sempre esteve nas mãos da direita, é que rotulou o movimento rebelde como “intentona”, uma palavra forte para um movimento fraco, mais uma jogada de marketing contra os comunistas, do que realmente qualquer ameaça ao governo ou aos latifundiários que em 64, juntamente com a embaixada dos Estados Unidos, financiaram o golpe militar. A esquerda brasileira – e vamos esclarecer: nunca houve movimento de extrema esquerda no país – pautou suas ações quase sempre no campo da luta pela defesa de igualdade de direitos em termos econômicos, sociais e humanos. E essa é toda a sua ideologia, mesmo quando, nos curtos períodos em que foi governo, através do Partido dos Trabalhadores. Se algum de seus líderes alguma vez pensou numa revolução nos moldes da cubana, por exemplo, nunca teve a ousadia de defender tal ideia, principalmente o assassínio e a exterminação de adversários, como a extrema direita tem pregado ultimamente, e não só pregado, mas já tendo realizado tal feito durante o regime militar e, também, durante a ditadura Vargas.

Temos, hoje, portanto, uma falsa polarização, no Brasil. Porque só há polarização quando temos oponentes de espectro totalmente opostos, como, por exemplo, uma direita neonazifascista versus uma esquerda bolchevista e revolucionária. Sim, temos uma direita hidrófoba, neonazifascista, racista, homofóbica, negacionista, extremamente anticomunista; uma extrema direita que berra slogans fascistas pelas ruas, com seus membros enrolados em bandeiras e vestidos de amarelo, estupidificados por uma pregação de princípios baseados em mentiras, em desconhecimento da História, em deturpação dos fatos. Não têm nenhum princípio ético, mas brandem a bíblia, que mal leem e que interpretam pelos olhos de seus pastores, como se esse livro contivesse não só toda a verdade histórica, mas principalmente toda a verdade. Mas a esquerda que se contrapõe a ela não é extremista, muito ao contrário, é extremamente democrática. E ética. Não consegue, em seu discurso, produzir e reproduzir o mesmo nível de ódio, de desinformação; não consegue inventar mentiras, distorcer os fatos e negar a História. E, por isso, tem grandes dificuldades para lidar com o mundo de fake news das redes sociais. Em termos de comunicação, ainda está no analógico, enquanto a extrema esquerda deita e rola no digital.

E aí está toda a dificuldade do enfrentamento das ideias radicais da extrema direita, porque só se combate um radicalismo com outro radicalismo, extremamente oposto. Quem, da direita, vai ter a ousadia ou a cara de pau de um Bolsonaro, de um Marçal, de erguer essa bandeira? E, principalmente, dominar o discurso imediatista das redes sociais e se igualar, em termos de comunicação, àquilo que atinge as mentes e os corações principalmente das novas gerações? E mais: quem vai conseguir destruir o discurso que os “empreendedores” que acham que tudo o que conseguiram foi pela “graça de deus” e não de um momento propício da economia de um governo de “esquerda”? Quem vai convencer o motoboy entregador de pizza que trabalha 14 horas por dia, correndo e morrendo no trânsito louco das capitais, de que, na verdade, ele não é um “empreendedor”, mas um trabalhador braçal sem nenhum direito trabalhista, simplesmente? Quem vai desfazer a mentira de que, porque ele é um PJ, sem carteira assinada, é dono de seu nariz e não tem patrão? Os novos escravos não sabem que são escravos. E isso precisa ser dito e repetido mil vezes, até que a verdade que parece mentira se torne verdade, ou seja, usar as mesmas armas de comunicação que a extrema direita tem sabido usar com maestria. Mas a esquerda não consegue sair do seu nicho de pregação tradicional, não consegue se modernizar!

Concluindo: a extrema direita vê em cada um que defende pautas sociais um leão que ameaça sua vida, suas propriedades, suas crenças, mas na verdade, o leão é apenas uma leoa (a “mulher do leão”, como conclui a letra da música citada como epígrafe). Uma leoa que defende sua prole, o povo, para lhe dar um pouco de dignidade, coisa que a extrema direita não conhece ou finge não conhecer, mergulhada em sua idiotia ideológica. E a leoa – a esquerda – cuida dos seus filhotes, mas não tem o domínio das mídias sociais e esperteza de cara de pau dos marqueteiros e influencers direitistas para divulgar isso de forma convincente.



(Ilustração: James Gilray: caricatura de 1791 mostrando radicais ingleses decapitando  o rei Jorge III do Reino Unido. Charles James Fox, o criador do sentido estrito do termo "radical", está segurando o machado).

outubro 11, 2024

FUTEBOL: DOIS COMENTÁRIOS, DUAS PREOCUPAÇÕES

 

(Michael Creese)

1.  Para fugir um pouco das desgraças deste mundo de queimadas, furacões, temperaturas extremas e outros fenômenos provocados pelo aquecimento global, ao quais eu culpo exclusivamente o consumismo desenfreado da humanidade causado pelo tenebroso sistema capitalista em que vivemos, vou falar um pouco de futebol. Especificamente, de duas preocupações que têm ocupado minha mente de torcedor e analista do esporte bretão, como diziam os antigos narradores de rádio: a Seleção Brasileira o meu time do coração, o Santos Futebol Clube.

A Seleção Brasileira.

Perde-se na minha memória o amor que eu tenho a essa instituição que nos empolga e nos motiva a ver no futebol algo mais que um simples jogo, mas a própria representação de muitos aspectos da vida. Menino ainda, ouvi pela primeira vez o nome de um moleque genial que acabara de conquistar para o Brasil a primeira copa do mundo: Pelé, em 1958, na longínqua Suécia. Daí em diante, a paixão me fez seguir de forma quase obsessiva a praticamente todos os jogos da Seleção Brasileira, alegrando-me com suas conquistas e sofrendo com suas derrotas.

Deixo as memórias num canto de minha mente, para comentar o que vejo nos dias de hoje: o vexame que é essa “seleçãozinha” comandada, agora, por Dorival Júnior, nas eliminatórias. A Seleção Brasileira, em jogos eliminatórios para a Copa do Mundo, jogando com as todas as seleções da América do Sul, sempre foi o time a ser batido pelas demais, que sempre jogaram o jogo da vida contra nós, com alguns poucos sucessos, ou seja, nunca a “amarelinha” teve grandes dificuldades em se classificar para a Copa e, por isso, participamos de todas as suas edições.

No entanto, agora, em 2024, mais precisamente, ontem, dia 10 de outubro, quando estamos já na metade das eliminatórias, o Brasil entra em campo contra o Chile, em Santiago, em sétimo lugar, depois de derrotas acachapantes para adversários que, em tempos recentes, até mesmo ignorávamos e vencíamos sem dificuldades. E o jogo começa com um gol do Chile a um minuto e meio! Logo o Chile, um dos nossos mais assíduos “fregueses”! Logo o Chile, que está em penúltimo lugar na classificação! Logo o Chile que ainda não ganhou de ninguém! E a Seleção leva 45 minutos para empatar o jogo! No segundo tempo, mais 45 minutos para virar o placar, contra um time que não finalizou mais nenhuma vez contra nosso gol. O goleiro brasileiro não fez uma só defesa, já que a única bola que eles finalizaram entrou. Aliás, jogou muito, nosso goleiro, com os pés, em inúmeras e cansativas bolas atrasadas para ele.

O que falta a essa Seleção?

Certamente, não nos faltam jogadores, que os temos, como sempre, de baciada, a jogar nos melhores times europeus, a se destacaram não só aqui, no Brasil, mas principalmente na Europa toda, considerados craques em todos os lugares onde jogam. Por que não conseguem render um bom futebol? Por que só nos apresentam um jogo medíocre e sem criatividade, sem nenhum brilho, a depender de uma ou outra jogada individual, para vencer um ou outro jogo, como aconteceu contra a fraca seleção chilena?

O “professor” Dorival Júnior declarou solenemente numa entrevista que podiam lhe cobrar que o Brasil estará na final da próxima Copa do Mundo. Pensei com meus botões: é até possível que isso aconteça. Temos jogadores que podem, sim, nos levar a uma final, já que o futebol é cheio de surpresas (outro inevitável lugar comum). No entanto, “professor”, se a Seleção estiver na final da Copa, o senhor, certamente, não estará, porque, com o senhor no comando, isso nunca acontecerá.

Dorival Júnior é técnico razoavelmente competente, quando dirige times como os que já dirigiu com algum sucesso pelo Brasil afora. Mas, como técnico da Seleção, tem o tamanho de seu sobrenome. Não passa de um técnico medíocre, que não sabe dar padrão de jogo a um grupo excepcional de jogadores, porque não tem um sistema de jogo definido, não sabe treinar a Seleção, não propõe nada de novo, não tem alternativas táticas, faz o chamado “arroz com feijão” mal cosidos que os técnicos adversários logo observam e anulam. O time joga mal e previsivelmente. Não tem inspiração. Não tem jogadas ensaiadas. Joga para trás, em insistentes e irritantes bolas atrasadas para a defesa, para o goleiro. Não tem meio de campo criativo, que é onde nascem todas as jogadas de ataque. Não adianta ter bons atacantes, quando o meio de campo não alimenta esses atacantes.  E a culpa disso é exclusivamente da burrice futebolística de Dorival Júnior. Quando o time está jogando mal, suas substituições fazem o time jogar ainda pior. Não é, positivamente, um técnico que honre a tradição da Seleção Brasileira. Se continuar, o Brasil vai dar vexame na Copa do Mundo.

Santos Futebol Clube.

Serei curto e grosso, no meu comentário. Curto em palavras e grosso na crítica. Ou o Santos dá um pé na bunda do Fábio Carille, que não dá padrão de jogo ao time, que não aproveita talentos da base, que é um técnico retranqueiro que contraria a própria tradição de um time alegre e que joga para a frente, enfrentando os adversários sem medo, transformado agora num timinho covarde e sem criatividade, ou o Santos não sairá da segunda divisão em que está. E, se subir para a primeira divisão com esse técnico incompetente, vai dar vexame e vai ser saco de pancadas, candidato certo a voltar para a segunda divisão.

Tenho dito. E espero não voltar tão cedo a falar de futebol, neste espaço que dedico a coisas mais sérias (disse mais sérias, não que não considere o futebol algo sério).

setembro 23, 2024

DELENDA EST CAPITALISMO: O MUNDO EM CHAMAS

 

 


O aquecimento global tornou-se a realidade incômoda para todos os governos do globo. No entanto, fazem-se de cegos nossos líderes para uma realidade que há muito está clara para quem tenha olhos de ver: o capitalismo e seu filho predileto, o consumismo, estão consumindo o planeta a olhos vistos. É preciso que tomem consciência de que o capitalismo selvagem – uma redundância, claro! – é o culpado direto e indireto desse aquecimento e, consequentemente, do fogaréu que assola muitos países, por causa do aumento das temperaturas.

Nossos biomas estão em chamas, e os governos gastam fortunas do dinheiro de nossos impostos, para tentar debelar essas chamas provocadas pelo criminoso, sem que nenhum, absolutamente nenhum, governo cogite mandar a conta para as grandes empresas poluidoras que são as responsáveis pelo aquecimento global, que ganharam e continuam ganhando fortunas com nossa desgraça.

Enquanto os governos do mundo todo não tomarem consciência de que não basta combater as chamas que devoram sistemas inteiros de biodiversidade e comprometem o futuro do planeta, mas são necessárias medidas urgentes e profundas de combate aos criminosos que queimam não apenas o planeta, mas torram dinheiro nas bolsas de valores, à custa da exploração dos recursos cada vez mais escassos do globo, sem nenhum indício de que se arrependem do que fizeram e do que estão fazendo. Taxar as grandes empresas e cobrar delas os bilhões necessários ao combate ao aquecimento global torna-se, neste momento, o paliativo absolutamente imprescindível.

No entanto, não basta que responsabilizemos as grandes empresas capitalistas pela destruição da natureza que elas promovem, através do incentivo ao consumismo. O planeta só se tornará realmente um lugar seguro para se viver, quando se livrar definitivamente desse sistema perverso que se chama capitalismo, que não provoca apenas a destruição da natureza, mas também a manutenção das grandes desigualdades sociais. O império da miséria é o resultado desses séculos de capitalismo. E a humanidade precisa e deve tomar providências para buscar saídas – e elas existem – ao sistema imposto ao ser humano como único possível, apenas pela força do marketing que a concentração de riqueza propiciou a que os capitalistas abduzissem as consciências humanas e as transformassem em escravas de suas ambições. Se não houver um grito de libertação dessas consciências, se não houver uma revolução mundial contra esse sistema perverso, seja em médio ou longo prazo, para que a humanidade siga outros caminhos, continuaremos no mesmo diapasão de salvar hoje o ser humano da extinção, ter alguns anos de equilíbrio e de pretensa salvação, para, a seguir, entrarmos de novo no mesmo processo de aquecimento global, de empobrecimento e exploração dos recursos de todos para lucro de poucos, num círculo vicioso comandado pela estupidez de nossos líderes totalmente escravizados pela ideologia do capitalismo.

Portanto, mais uma vez o meu protesto, mais uma vez o meu grito: o maior inimigo da humanidade chama-se capitalismo. É ele o responsável por todas as desgraças do mundo e só sua destruição e sua eliminação total das consciências humanas e de qualquer influência sobre os destinos da humanidade poderão constituir a possibilidade de um caminho de esperança e de sobrevivência do ser humano neste planeta.

agosto 14, 2024

MENTIRA E INGENUIDADE: APANÁGIO DA HUMANIDADE

 



mentiras



mentes que não mentes

e dizes sempre mentiras

não importa o que sentes

importa apenas o que miras

quando mentes e mentes



(Isaias Edson Sidney - 10.10.2020)



A historinha que vou contar foi inventada, como são inventadas a maioria das histórias que se contam sobre os hominídeos, dos quais temos tão poucas informações, que é necessário usar a imaginação para dizer algo de seus costumes ou de suas vidas. Então, imaginemos.

É consenso que os primeiros humanos eram caçadores e coletores. E a caça, é claro, tinha provavelmente mais momentos dela, da caça, do que do caçador, já que a tecnologia de nossos primos distantes era tão primitiva quanto eles. Ou seja, caçava-se na unha e no braço. E tinha que esperar a caça aproximar-se o máximo possível para se jogar sobre ela. Aí é que entra a minha imaginação: caçavam todos juntos, machos e fêmeas (vamos chamá-los assim, já que o conceito de homem e mulher ainda estava bem longe de se fixar). E todos esperavam a caça aproximar-se. Esperas longas, claro. E aí dava vontade de fazer xixi. Todos – machos e fêmeas – faziam xixi agachados. Enquanto esvaziavam a bexiga, tornavam-se presa fácil dos predadores. E as baixas entre os hominídeos, durante a caça, eram significativas, por um dos fatores mais idiotas, o xixi sentado. Até que algum “gênio” da caça, talvez por acaso (quantas descobertas geniais surgiram por acaso!) resolveu deixar rolar, ou seja, não se abaixou para fazer xixi e... sobreviveu! Repetiu a dose... e repetiu.,. até que outros “gênios” do bando acabaram descobrindo o truque e passaram a usá-lo, mas as fêmeas não tiveram a mesma sorte de ter uma “mangueirinha” que tornava o xixi em pé mais confortável (daí, até hoje, os homens, por uma questão original, recusam-se a fazer xixi sentados).

Não sei se essa foi a primeira mentira inventada pelo ser humano, o ardil para melhor caçar. Ou se foi a tocaia, também ela um ardil para iludir a caça: mente para o animal que não há ninguém ali e, de repente, o “cara” pula em cima dele, de surpresa. Talvez até a primeira mentira tenha sido a tocaia e a segunda o xixi em pé. Em todo caso, estava inventada a mentira. E junto com ela, a ingenuidade de pensar que esses ardis funcionariam sempre. E a outra mentira foi com relação às fêmeas: já que elas não conseguiam fazer xixi em pé e escapar dos predadores, era melhor que só cuidassem da prole e deixassem a caça para os machos. Mais uma provável ingenuidade, já que a perda de grande parte da força de caça foi perdida inutilmente e deve ter passado muito tempo até que as devidas adaptações fossem feitas no reino dos hominídeos, para que se tornassem – os homens, mais poderosos na caça e as mulheres, nos “afazeres domésticos”, como proteção aos filhotes, cozinhar, plantar etc. O resto é história, ou melhor, pré-história. E tudo isso pode nem ter acontecido. Talvez seja apenas mais uma mentira de minha parte. Mas, pelo menos, é uma mentira consciente e ingênua...

Enfim, o que eu quero dizer que a mentira é algo que está implantado no cérebro humano, na condição humana. Somos todos mentirosos. E ingênuos.

Mentiram os primeiros humanos mais ainda, ao dizerem que conversavam com pessoas mortas, quando sonhavam com elas. E os ingênuos acreditaram. Inventaram o “outro mundo” e o culto aos antepassados. E todos, ingênuos, passaram a cultuar os antepassados, como almas, espíritos ou o que quer que se pensasse ou imaginasse a respeito, a critério do freguês, a critério dos espertalhões mentirosos que logo trataram de tirar proveito da ingenuidade dos demais.

Mentiram que haveria um deus criador de todas as coisas, inclusive os humanos. E todos acreditaram ingenuamente que, sim, o mundo, o universo, foi criado por um deus. E esse deus, entre bilhões de planetas, escolheu um planeta menor que um grão de areia para aqui criar a vida e o ser humano – um homem e uma mulher - e colocar esses seres num paraíso, sob determinadas condições, convivendo pacificamente com todos os animais, até que uma serpente... E todos nós, os ingênuos, acreditamos nisso tudo...

Pincemos mais algumas grandes mentiras. Acreditamos que houve uma guerra que durou dez anos, entre duas cidades gregas, na antiguidade. E que essa guerra foi provocada por ciúmes de uma bela mulher. Que essa guerra só terminou com a invasão da cidade inimiga por um bando de guerreiros escondidos na barriga de um cavalo de madeira. Que o principal herói dessa guerra, ao voltar para casa, passou por inúmeras peripécias, como ser amarrado ao mastro do navio para não ser seduzido pelo canto das sereias e depois lutou numa ilha inóspita com gigantes de um olho só - na testa!... Bem, sabem do que estou falando, claro. Porque todos nós, ingênuos, enaltecemos o autor dessas epopeias e acreditamos que foi um tal de Homero, um poeta cego!

E mais: desde antes de Homero e depois dele, até os nossos dias, acreditamos que as guerras resolvem todos os nossos problemas, que basta vencer o “inimigo” que o mundo será nosso, que podemos construir reinos e sobre eles governar para sempre, ou, pelo menos, os nossos descendentes, a nossa dinastia... Quanta ingenuidade!

Bem, já acreditamos no passado e continuamos acreditando no presente em tantas mentiras, que todos sabem que as bibliotecas de todo o mundo estão repletas delas. E não estou falando de mentiras criadas como mentiras, para nos entreter, ou seja, as mentiras que criamos com a ficção, histórias inventadas por mentes criadoras, mas conscientes das mentiras que criam... Estou falando das grandes mentiras que foram tomadas como verdades absolutas, como a religião, a existência de deus ou de deuses, as crenças e crendices, as hipóteses absurdas que se tornaram teorias aceitas, seguidas, professadas e difundidas por cientistas, filósofos e toda uma imensa corrente de prestidigitadores do pensamento humano. Que ingenuamente tivemos como verdades absolutas.

Também mentimos no dia a dia, nas coisas mais comezinhas, para enganar o próximo, para enganar a mulher ou o homem, para nos enganarmos, ingênuos sempre que somos todos ao acreditar em qualquer palavra que nos dizem.

Mentimos ontem, mentimos hoje, continuaremos a mentir sempre. E ingenuamente continuaremos a crer nas mentiras que inventamos. A mentira está arraigada na mente humana de forma tão poderosa quanto o próprio meme da existência de deus ou de que a “fé remove montanhas”, para gáudio de todos os que querem nos enganar e tripudiar sobre nossa capacidade de ser ingênuos, tão ingênuos, que acreditamos, e cada vez mais, nas mentiras que nós mesmos inventamos.

A mentira é, sim, o apanágio da humanidade. E nossa ingenuidade em acreditar nos faz presa de nossa estupidez e de nossa incapacidade de compreender o mundo em que vivemos. Por isso, o destruímos. Ou melhor, por isso nos condenamos, possivelmente, à extinção, ao não cuidarmos desse mundo, mergulhados na mentira do capitalismo, do deísmo e tantos outros ismos que inventamos para alimentar nossa ingenuidade de achar que há soluções mágicas para nossos problemas.



(Ilustração: o cavalo de Troia, imagem da internet, sem indicação de autoria)

agosto 11, 2024

DELENDA EST CAPITALISMO: VAMOS PENSAR MICRO

 



Em termos globais, tanto econômicos quanto em relação ao meio ambiente, o capitalismo tem sido o horror dos horrores para a humanidade: só tem causado empobrecimento e miserabilização dos povos, através da escravização do ser humano para obtenção de lucros absurdos para o gozo de poucos, concentrando a renda mundial nas mãos de poucos. A exploração descontrolada dos recursos naturais está levando ao esgotamento do planeta e reduzindo drasticamente sua capacidade de recuperação. Tudo isso põe em risco a própria sobrevivência da raça humana, o que nos leva a declarar de forma peremptória que, ou destruímos o capitalismo e buscamos novas formas de vida aqui na Terra, ou o capitalismo nos destruirá.

Pensemos agora no microuniverso do capitalismo: a exploração do ser humano no dia a dia de seu trabalho de escravo, porque é de escravos do capitalismo que estamos falando, quando pensamos que mais de 90% das pessoas sobrevivem trabalhando para uma empresa, seja ela pequena, média ou grande. Então, pode-se dizer que quase todos nós temos um patrão, ou melhor, um senhor de nossas vidas, que compra nossa força de trabalho e explora, com a mais valia, todas as nossas forças mentais, psicológicas e emocionais, através do controle das ideologias que nos mantêm presos ao conceito de que não temos saída, a não ser entregar-nos ao trabalho sob as regras que eles, os capitalistas impõem, já que são os donos da política e do poder.

Como controlam os capitalistas nossas mentes? Através da imposição de suas ideologias de dominação. Em política e economia, através das ideias conservadoras de ideólogos que vêm há muito tempo construindo o edifício filosófico do capitalismo, com suas pregações através de todos os meios disponíveis ou de todos os meios que o dinheiro possa comprar, ou seja, na academia, nas publicações editoriais desde as mais complexas até nos artigos de revistas e jornais; na dominação de todas as mídias sociais, imprensa, rádio, televisão, internet; na manipulação de dados e informações e, mais atualmente, através das redes sociais e da inteligência artificial. E são capazes de se apropriar, para seu proveito, de quaisquer outros meios que surjam, para manter a supremacia de seu pensamento ideológico sobre quaisquer outros pensamentos que se lhes oponham.

Há ainda um outro instrumento poderoso nas mãos do capitalismo, que lhe permite escravizar ainda mais as mentes humanas: a religião, a fé. A religião usa a fé para obscurecer a mente humana, com a promessa de outra vida, com a esperança de benesses divinas para todos quantos se tornem obedientes a seus princípios, que são, sempre, não importa a religião, princípios conservadores, que interessam profundamente ao ideário capitalista.

O ser humano já entra no mercado de trabalho com todo um background devidamente formado e deformado por uma educação que não consegue – mesmo quando tenta – libertar os jovens de paradigmas que lhes são incutidos desde quando nascem. A criança é inundada desde o berço pela ideologia religiosa, que forma a base de seu pensamento conservador: é impossível ao jovem ou à jovem escapar à citação de expressões de cunho religioso, à exposição da pregação religiosa, à cooptação aos mitos religiosos, aos cultos e às manifestações de crença que se apresentam em todos os momentos de sua formação, em casa, na rua, entre os amigos, nos meios de comunicação social, de tal forma que, se ousar manifestar oposição ou descrença a esses valores, poderá ser discriminado ou olhado como outsider, como um extraterrestre.

O mercado de trabalho é uma selva, onde sobrevivem aqueles que os capitalistas consideram os mais aptos, ou seja, aqueles que melhor se adaptam a seus interesses, no processo que “eles” chamam de “seleção”, em que prevalecem os ideários de outra falácia comum no meio empresarial: a ignominiosa e criminosa “meritocracia”, cujo único mérito é criar na cabeça do trabalhador e da trabalhadora a ideia de que se deve esforçar o máximo para agradar e conseguir vencer no mercado de trabalho, não importa se à custa até mesmo de sua dignidade. Como se todos tivessem a mesma oportunidade!

Quando, enfim, adquire o chamado “bom emprego”, aquele que lhe dá a falsa ideia de que está, enfim, “encaminhado na vida”, é necessário entregar ao patrão não só seu corpo, sua mente, sua inteligência, mas também sua vida, suas emoções, ou seja, é preciso “vestir a camisa” da empresa, para se manter empregado. É outra selva, onde parecem vencer os mais fortes, mas a selva é mais cruel ainda: vencem os que mais se entregam, os que mais se tornam confiáveis em todos os sentidos, aqueles que abraçam com fé a ideologia, os valores, os princípios do patrão e, com isso, conquistam suas graças e os prêmios de uma promoção, de uma chefia, de melhores salários, não importa o quanto de suor e de dignidade dispendam para isso. Afinal, o capitalismo impõe que ele tenha um carro, uma casa; frequente restaurantes e a mais “fina’ sociedade; tenha status e, principalmente, consuma, consuma o máximo que puder, para que a máquina capitalista, azeitada, cumpra seus desígnios.

Os que obtêm as benesses de cargos e salários mais altos são, no entanto, a chamada “elite” do processo, os poucos que se julgam mais realistas do que o rei, esquecidos de que, não importa quão alto seja o seu salário, já que o simples fato de ser assalariado torna-o também escravo da máquina, mesmo que essa escravidão lhe pareça dourada. Eles se esquecem de que estão sujeitos às mesmas leis e regras e à mesma cega obediência daquele senhorzinho ou senhorinha que eles, os tais “superiores” ou chefe ou chefetes julgam ser uns pobres coitados que lhes varrem o escritório de luxo e limpa seu cocô, que exala o mesmo fedor de toda gente, mesmo que tenha origem na lagosta do restaurante caro, acompanhada do melhor vinho.

No dia a dia dos que lutam pela sobrevivência, seja no assoalho da fábrica ou sobre os carpetes dos escritórios com ar condicionado, as dificuldades são sempre as mesmas, impostas ou por chefes imbecis e imbecilizados pela ideologia patronal ou pelos próprios patrões: regras absurdas, imposições diárias de sacrifícios; coisas idiotas, como impedir que o empregado que leva sua marmita coma no ambiente de trabalho e não lhe conceder um espaço para isso, ou mesmo um micro-ondas para aquecer sua refeição; obrigar o funcionário a trabalhar além do horário, sem pagamento de hora extra; obrigá-lo a fazer tarefas que não lhe competem; pressioná-lo por entregas que não são tão necessárias; cumprir prazos exíguos e com perfeição; encontrar defeitos nas tarefas e obrigar o funcionário a refazer seu trabalho inúmeras vezes, até mesmo depois do horário; enfim, há uma infinidade de humilhações diárias que as empresas utilizam para amesquinhar seus “colaboradores” (como eles gostam de dizer), para lhes quebrar o ânimo e o psicológico, para torná-los cada vez mais frágeis e sujeitos às manipulações, para que se tornem dóceis e covardes, e para que, mesmo depois que levam o famoso “pé na bunda”, não tenham coragem de denunciar os desmandos dos patrões, já que seu ânimo, sua vontade, massacrados durante anos de sujeição, fizeram deles indivíduos devidamente acomodados aos, mais uma vez – repito - , famosos “desígnios capitalistas”, que querem uma mão de obra amordaçada e obediente.

Não é preciso ressaltar a quantidade de indivíduos abalados psicologicamente, enfraquecidos no seu ânimo, na sua capacidade de reagir, e até de viver, que essa máquina de escravização produz, o que leva muitos dos trabalhadores a contraírem doenças inimagináveis, que superlotam os sistemas de saúde, públicos ou privados. E não vamos nem relacionar aqui os casos de ambientes de trabalho tóxicos, sem proteção devida aos funcionários, sem assistência médica e com condições análogas à escravidão, quando nem salário muitos trabalhadores recebem, em fabriquetas de fundo de quintal ou em propriedades rurais.

Portanto, o capitalismo selvagem – esse ser meio mítico e abstrato que domina o mundo – não faz estragos apenas no macrocosmo de sua ação perniciosa, mas, e talvez possamos dizer, principalmente, no microcosmo do dia a dia dos trabalhadores e das trabalhadoras. Por isso, mais uma vez deixo o meu recado, a minha impressão, a minha certeza: É PRECISO DESTRUIR O CAPITALISMO, ANTES QUE ELE NOS DESTRUA!