agosto 14, 2024

MENTIRA E INGENUIDADE: APANÁGIO DA HUMANIDADE

 



mentiras



mentes que não mentes

e dizes sempre mentiras

não importa o que sentes

importa apenas o que miras

quando mentes e mentes



(Isaias Edson Sidney - 10.10.2020)



A historinha que vou contar foi inventada, como são inventadas a maioria das histórias que se contam sobre os hominídeos, dos quais temos tão poucas informações, que é necessário usar a imaginação para dizer algo de seus costumes ou de suas vidas. Então, imaginemos.

É consenso que os primeiros humanos eram caçadores e coletores. E a caça, é claro, tinha provavelmente mais momentos dela, da caça, do que do caçador, já que a tecnologia de nossos primos distantes era tão primitiva quanto eles. Ou seja, caçava-se na unha e no braço. E tinha que esperar a caça aproximar-se o máximo possível para se jogar sobre ela. Aí é que entra a minha imaginação: caçavam todos juntos, machos e fêmeas (vamos chamá-los assim, já que o conceito de homem e mulher ainda estava bem longe de se fixar). E todos esperavam a caça aproximar-se. Esperas longas, claro. E aí dava vontade de fazer xixi. Todos – machos e fêmeas – faziam xixi agachados. Enquanto esvaziavam a bexiga, tornavam-se presa fácil dos predadores. E as baixas entre os hominídeos, durante a caça, eram significativas, por um dos fatores mais idiotas, o xixi sentado. Até que algum “gênio” da caça, talvez por acaso (quantas descobertas geniais surgiram por acaso!) resolveu deixar rolar, ou seja, não se abaixou para fazer xixi e... sobreviveu! Repetiu a dose... e repetiu.,. até que outros “gênios” do bando acabaram descobrindo o truque e passaram a usá-lo, mas as fêmeas não tiveram a mesma sorte de ter uma “mangueirinha” que tornava o xixi em pé mais confortável (daí, até hoje, os homens, por uma questão original, recusam-se a fazer xixi sentados).

Não sei se essa foi a primeira mentira inventada pelo ser humano, o ardil para melhor caçar. Ou se foi a tocaia, também ela um ardil para iludir a caça: mente para o animal que não há ninguém ali e, de repente, o “cara” pula em cima dele, de surpresa. Talvez até a primeira mentira tenha sido a tocaia e a segunda o xixi em pé. Em todo caso, estava inventada a mentira. E junto com ela, a ingenuidade de pensar que esses ardis funcionariam sempre. E a outra mentira foi com relação às fêmeas: já que elas não conseguiam fazer xixi em pé e escapar dos predadores, era melhor que só cuidassem da prole e deixassem a caça para os machos. Mais uma provável ingenuidade, já que a perda de grande parte da força de caça foi perdida inutilmente e deve ter passado muito tempo até que as devidas adaptações fossem feitas no reino dos hominídeos, para que se tornassem – os homens, mais poderosos na caça e as mulheres, nos “afazeres domésticos”, como proteção aos filhotes, cozinhar, plantar etc. O resto é história, ou melhor, pré-história. E tudo isso pode nem ter acontecido. Talvez seja apenas mais uma mentira de minha parte. Mas, pelo menos, é uma mentira consciente e ingênua...

Enfim, o que eu quero dizer que a mentira é algo que está implantado no cérebro humano, na condição humana. Somos todos mentirosos. E ingênuos.

Mentiram os primeiros humanos mais ainda, ao dizerem que conversavam com pessoas mortas, quando sonhavam com elas. E os ingênuos acreditaram. Inventaram o “outro mundo” e o culto aos antepassados. E todos, ingênuos, passaram a cultuar os antepassados, como almas, espíritos ou o que quer que se pensasse ou imaginasse a respeito, a critério do freguês, a critério dos espertalhões mentirosos que logo trataram de tirar proveito da ingenuidade dos demais.

Mentiram que haveria um deus criador de todas as coisas, inclusive os humanos. E todos acreditaram ingenuamente que, sim, o mundo, o universo, foi criado por um deus. E esse deus, entre bilhões de planetas, escolheu um planeta menor que um grão de areia para aqui criar a vida e o ser humano – um homem e uma mulher - e colocar esses seres num paraíso, sob determinadas condições, convivendo pacificamente com todos os animais, até que uma serpente... E todos nós, os ingênuos, acreditamos nisso tudo...

Pincemos mais algumas grandes mentiras. Acreditamos que houve uma guerra que durou dez anos, entre duas cidades gregas, na antiguidade. E que essa guerra foi provocada por ciúmes de uma bela mulher. Que essa guerra só terminou com a invasão da cidade inimiga por um bando de guerreiros escondidos na barriga de um cavalo de madeira. Que o principal herói dessa guerra, ao voltar para casa, passou por inúmeras peripécias, como ser amarrado ao mastro do navio para não ser seduzido pelo canto das sereias e depois lutou numa ilha inóspita com gigantes de um olho só - na testa!... Bem, sabem do que estou falando, claro. Porque todos nós, ingênuos, enaltecemos o autor dessas epopeias e acreditamos que foi um tal de Homero, um poeta cego!

E mais: desde antes de Homero e depois dele, até os nossos dias, acreditamos que as guerras resolvem todos os nossos problemas, que basta vencer o “inimigo” que o mundo será nosso, que podemos construir reinos e sobre eles governar para sempre, ou, pelo menos, os nossos descendentes, a nossa dinastia... Quanta ingenuidade!

Bem, já acreditamos no passado e continuamos acreditando no presente em tantas mentiras, que todos sabem que as bibliotecas de todo o mundo estão repletas delas. E não estou falando de mentiras criadas como mentiras, para nos entreter, ou seja, as mentiras que criamos com a ficção, histórias inventadas por mentes criadoras, mas conscientes das mentiras que criam... Estou falando das grandes mentiras que foram tomadas como verdades absolutas, como a religião, a existência de deus ou de deuses, as crenças e crendices, as hipóteses absurdas que se tornaram teorias aceitas, seguidas, professadas e difundidas por cientistas, filósofos e toda uma imensa corrente de prestidigitadores do pensamento humano. Que ingenuamente tivemos como verdades absolutas.

Também mentimos no dia a dia, nas coisas mais comezinhas, para enganar o próximo, para enganar a mulher ou o homem, para nos enganarmos, ingênuos sempre que somos todos ao acreditar em qualquer palavra que nos dizem.

Mentimos ontem, mentimos hoje, continuaremos a mentir sempre. E ingenuamente continuaremos a crer nas mentiras que inventamos. A mentira está arraigada na mente humana de forma tão poderosa quanto o próprio meme da existência de deus ou de que a “fé remove montanhas”, para gáudio de todos os que querem nos enganar e tripudiar sobre nossa capacidade de ser ingênuos, tão ingênuos, que acreditamos, e cada vez mais, nas mentiras que nós mesmos inventamos.

A mentira é, sim, o apanágio da humanidade. E nossa ingenuidade em acreditar nos faz presa de nossa estupidez e de nossa incapacidade de compreender o mundo em que vivemos. Por isso, o destruímos. Ou melhor, por isso nos condenamos, possivelmente, à extinção, ao não cuidarmos desse mundo, mergulhados na mentira do capitalismo, do deísmo e tantos outros ismos que inventamos para alimentar nossa ingenuidade de achar que há soluções mágicas para nossos problemas.



(Ilustração: o cavalo de Troia, imagem da internet, sem indicação de autoria)

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