abril 17, 2018

A ADEGA DO MALUF







Fico aqui matutando: coitado do Maluf, tão doentinho, tão alquebrado! Acho que saiu da cadeia em Brasília para um hospital em São Paulo. Numa cadeira de rodas. Um velhinho inofensivo. Depois de tantos anos de glória e roubalheira. De “rouba, mas faz”. De vários governos, menos o federal, coitado. Vai morrer frustrado, porque não chegou à presidência. Mas foi prefeito, foi governador, foi (ou é) deputado. Enfim, um homem de histórias, para a História. Mesmo que pelo lado torto. “Rouba, mas faz”. E fez. Fez muito. 

Tanto, que tem uma bela mansão num dos bairros mais nobres de São Paulo. Ele merece, merece muito. Trabalhou bastante, em prol de seu bolso. Construindo pontes, viadutos, espalhando asfalto, abrindo avenidas. Cobrando comissões, claro. E isso é trabalho duro: negociar com empreiteiros empedernidos, que amam seu rico dinheirinho e não gostam de soltá-lo assim, sem mais nem menos, sem um muito bom contrato de uma grande obra superfaturada. Então, a mansão do Maluf é presente por suas grandes atuações. 

Não é, porém, da mansão do Maluf que eu quero falar. Aliás, é da mansão, sim, mas apenas de um detalhe da mansão: a adega do Maluf. 

Dizem as más línguas, os invejosos de plantão, os que não gostam de ver ninguém vencer na vida por seus méritos, e ficar rico, apesar de que o Maluf já era rico antes da política, apenas multiplicou sua fortuna, mostrando a todos como é fácil ganhar dinheiro neste país, com o trabalho duro, de décadas... Tergiversamos. Voltemos à adega. 

Dizem, portanto, as más línguas que a adega do Maluf é excepcionalmente rica em vinhos preciosos. Fruto de suas muitas viagens à Europa; de sua participação em leilões de safras especiais e, claro, principalmente graças a seu extremo bom gosto na escolha das melhores cepas, das melhores vinícolas. 

Há, ali, dizem, vinhos que não têm preço. E outros, cujos preços alcançam milhares de dólares. Todos muito bem acondicionados, devidamente deitados em berço esplêndido, em temperaturas supercontroladas, trancados a sete chaves. Aliás, sete chaves é só força de expressão: deve haver uma chave única, com segredo etc. 

Bem, voltemos ao dono da adega: ele está velhinho. Cumpre ordem de prisão domiciliar. Aliás, uma história mal contada: se ele foi condenado em Brasília e tem como local de residência oficial, para a Justiça, o apartamento funcional em Brasília, devia estar cumprindo prisão domiciliar nesse apartamento, e não na mansão em São Paulo, com todas as mordomias que nós, simples mortais, nem tentamos imaginar quais sejam. Eu, por exemplo, só penso na adega. 

E o Maluf lá, doentinho, cheio de remédios para isso, remédios para aquilo, com os médicos enchendo seu pobre corpo alquebrado de drogas que prolonguem a vida do ilustre deputado. E o coitado, gente, com tanta droga no corpo, não pode – por ordens, médicas, claro – nem tomar uma taça de vinho. Não pode mandar o mordomo ir lá na adega e pegar aquele vinho especial, daquela safra, daquela marca e lhe servir uma simples taça desse mel dos deuses. 

Coitado do Maluf! 

E logo me arrependo da expressão: não, coitado de mim, que não tenho grana nem para comprar um vinho de supermercado. Que trabalhei a vida inteira, mas não tive a competência do deputado em amealhar a fortuna que ele obteve. Não fui amigo do Costa e Silva; não enfrentei a má vontade de donos de empreiteiras que queriam pagar só dez por cento; não me lancei candidato a presidência várias vezes; não fui o homem do “rouba, mas faz”, e então estou aqui apenas sonhando e imaginando uma coisa, uma só coisa que eu queria muito neste momento, uma coisa impossível, eu sei, mas que não custa nada pensar, imaginar, sonhar: 

Eu queria herdar a chave da adega do Maluf!




(Ilustração: Philipe Mercier - LE JEUNE DEGUSTATEUR - c.1725)



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