janeiro 14, 2011

SÃO PAULO SOB ATAQUE... DAS CHUVAS DE VERÃO

(Passeio de canoa pelo Tietê, quando o Tietê ainda era um rio)




Assim como o Egito, nos dizeres do historiador Heródoto, era um presente do Nilo, São Paulo, a cidade, devia ser um presente da bacia hidrográfica do Tietê. Porque rios significam vida e civilização.

Mas não foi isso o que aconteceu com a grande metrópole: seus rios viraram pesadelos. Principalmente durante as chuvas de verão, quando os rios atingem seu máximo volume de água e alargam suas margens para fertilizar o solo e preparar a terra para o florescimento das lavouras.

Os paulistanos – seus prefeitos e administradores dos últimos oitenta anos – viram nos rios, riachos e córregos que abundam no planalto apenas inimigos que deviam ser aprisionados, para dar lugar ao progresso.

O plano de “modernização” de Prestes Maia, na década de trinta, resulta, hoje, num retumbante fracasso ecológico e urbanista. As “obras” de construção de grandes avenidas em fundos de vale e sobre os rios, retificando-os, aprisionando-os, sufocando-os, que teve seguidores nas administrações posteriores, impediram que a cidade crescesse voltada para suas águas e fizeram que ela crescesse em cima delas, das águas que correm e que deviam ser símbolo de vida.

Quando se dá poder a um engenheiro de obras, a um engenheiro civil, ele constrói pirâmides. E não há nada mais inútil na história das grandes edificações da humanidade do que pirâmides.

As pirâmides paulistanas são suas avenidas marginais – que impermeabilizaram as margens do Tietê – e suas avenidas construídas em fundos de vales, à custa da drenagem e entubação dos rios e de seus afluentes.

Com isso, a grande bacia hidrográfica que permeava a cidade e com ela deveria conviver harmonicamente transformou-se no pesadelo subterrâneo de onde emergem todas as águas represadas, a qualquer chuva. A ocupação desordenada do solo e sua impermeabilização com asfalto e cimento complementaram a “obra” de destruição dos rios. Que, agora, se “vingam”, provocando enchentes e alagamentos com as chuvas de verão.

São Paulo tornou-se, assim, o mais acabado exemplo da estupidez humana na relação com a natureza. O fracasso urbanístico está à vista de todos. E os engenheiros continuam mandando na cidade, com suas réguas de cálculo para construírem mais obras. Agora, obras contra enchentes.

E não há nada mais estúpido na engenharia civil e no planejamento urbanístico do que “obras contra enchentes”. Gastam-se bilhões de reais, dinheiro do povo, para enganar o povo. Porque toda “obra contra enchente” só resolve o problema por algum tempo, até que natureza encontre outros caminhos e provoque novas enchentes catastróficas em algum outro ponto. Porque nenhuma “obra” consegue o objetivo de represar as forças da natureza, principalmente as forças hídricas.

Se o homem aprendeu a tirar das águas a energia para suas casas e suas cidades, não depreendeu, no entanto, que essa mesma energia é a que, nos tempos de cheia dos rios, nos tempos de chuva, se acumula nas corredeiras e destrói tudo o que encontra pela frente. A lição é clara: com a água não se brinca. E os engenheiros paulistanos que administraram essa cidade, desde a década de trinta, só fizeram isto: desobedecer às regras mais simples da convivência com as águas, represando-as, canalizando-as, tentando domá-las ao enfurná-las nos subsolo.

Agora, não há piscinões que resolvam o problema de enchentes em São Paulo. Porque piscinões são mais uma daquelas ideias que parecem brilhantes no papel, mas que na prática se revelam absurdas. Primeiro, porque são obras caras (e já sabemos: obras contra enchentes são inúteis); segundo, porque sua manutenção é trabalhosa e também excessivamente cara; terceiro, porque durante o período de seca transformam-se em lixões cheios de ratos e outros bichos, a atormentar a vida da vizinhança; quarto, porque não há espaço na cidade para construir o número de piscinões necessários ao volume de água que precisa ser represado, no período das águas; quinto, mesmo se construírem todos os piscinões necessários (alguns falam em cerca de cento e quarenta!), a vazão de toda essa água acumulada exigiria um complexo sistema de administração, para que não houvesse enchentes pontuais, muito tempo depois do período das chuvas, o que levaria a que essa água tivesse de ficar parada por muitos meses, provocando ainda mais insalubridade do que já provoca, quando os piscinões estão vazios. Enfim, mais uma grande bobagem para usar mal o dinheiro do contribuinte, enganando-o com falsas promessas e obras caras e inúteis.

Conclusão: só há um jeito de resolver o problema das enchentes de São Paulo – refundar a cidade, reconstruindo-a em novas bases, com seus rios de volta, e não apenas de volta – descanalizados – mas com suas margens amplas e não ocupadas por avenidas ou habitações.

Como isso é utópico, que os habitantes das várzeas e das margens alagadas – e não apenas eles – aprendam a construir suas casas em palafitas, a conviver com as enchentes, comprando barcos e botes para usá-los nos tempos de chuva. Porque, se não se pode vencer o inimigo, a solução é aliar-se a ele. Apesar de que os rios não são nunca inimigos, nós é que não sabemos e não queremos compreendê-los, como os egípicios antigos o faziam.

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