maio 15, 2017

ARACY DE ALMEIDA









Quase fui às lágrimas ao assistir, na televisão, a um documentário sobre Aracy de Almeida. A nossa grande dama do samba. Passaram-me tantas coisas na cabeça. Quase não tenho, aqui, nestas poucas linhas, a capacidade de dizer tudo o que penso a respeito de uma mulher e cantora que teve seus dias de glória – pouca, pelo talento que era – nos anos trinta e cinquenta do século passado, um século tão distante deste mundo cheio de novidades e tecnologias.


Por que lembrar Aracy de Almeida? Por que escrever sobre Aracy de Almeida?


Nem eu mesmo sei por quê. Apenas quero dizer que ela foi uma das vozes mais fantásticas do samba brasileiro. Samba? Será que ainda há gente que goste de samba? Ou aquele tempo em que se dizia que “quem não gosta de samba / bom sujeito não é / é ruim da cabeça / ou doente do pé” já morreu, já era, é coisa de “gente antiga”, de gente como Chico Buarque de Holanda?


Pobre país o meu, o seu, o nosso! Esquecido! Nem se lembra mais de quanto houve de beleza no batuque de um samba autêntico. De um samba bem sincopado na voz negra de negros que subiam e desciam morros de favela na cadência de uma batida de um surdo, na malemolência de uma mulata. Mulata? Cadê o Sargenteli? Cadê a Elza Soares? Cadê o Martinho da Vila? E, acima de tudo, cadê Noel Rosa?


E voltamos para a Aracy. Aracy e Noel. Um não existia sem a outra. Aracy, a que deu alma àquilo que Noel escreveu nos anos trinta. Ou antes. Aracy, a voz anasalada que canta como se cantar não fosse nada mais que uma coisa que sai assim da garganta, como o canto do sabiá e do pintassilgo. 


Os argentinos dizem que Gardel canta cada dia mejor. Os estadunidenses reconhecem em Lady Day a voz do jazz. Os franceses entronizam Piaf. O mundo reconhece Callas. As vozes do século XX passam por Sinatra, Schippa, Elvis, sei lá, tantos, nomes que ecoam, que fizeram do canto a razão de viver e morrer. 



E nós? Tivemos Orlando Silva, Francisco Alves e Sílvio Caldas. Para fazer frente a Gardel. Para fazer frente a Sinatra. E tivemos Maysa e Elizete. E tivemos Aracy. Aracy de Almeida, aquela que foi palhaça do idiota do Sílvio Santos, por um punhado de dinheiro que lhe permitisse viver os seus últimos anos com um pouco da dignidade financeira que deixava nos programas de que participava.


Sempre odiei Sílvio Santos. E odiei-o mais ainda, quando o vi transformar numa ridícula palhaça de auditório uma das mais importantes vozes do samba desse país de coxinhas que não tem memória, que não sabe reconhecer os talentos que teve e tem, que não admira quem vê no espelho que lhe mostra um país de vira-latas. 


Não, não sou “nacionalista”. Sou até um tanto, um tanto não, mas muito, muito internacionalista. Não gosto de fronteiras. Mas defendo a cultura de um povo. E sei que a cultura de uma etnia, de uma “nação”, não está nos limites geográficos traçados no mapa, mas na construção lenta e gradual de suas tradições.



Aracy de Almeida, a Araca para os amigos, meus caros e poucos leitores destas linhas, foi a Billie Holliday do samba, se soubéssemos reconhecer uma voz diferente, uma voz extraordinária; se soubéssemos reconhecer que Noel Rosa e o samba, que o Pixinguinha, que Lamartine... que tantos e tantos que escreveram versos e compuseram músicas para a batida do samba são os nossos maiores patrimônios culturais e que eles – os nossos sambistas – são um traço dos mais importantes de nossa cultura e de nossa identidade, como povo, como nação, como gente.



Nenhum comentário: