Até hoje, há muita gente que
acredita que o golpe de 1964 foi contra o comunismo. Que houve financiamento do
exterior, dos Estados Unidos. Que o povo é quem derrubou o governo
constitucional. Que as Forças Armadas eram democráticas etc. etc. etc.
Primeiro, o golpe de 64 não foi
contra o comunismo, mas contra um governo que pretendia fazer reformas e a
principal era a reforma agrária. Ora, o Brasil era (ainda é, de forma
diferente, talvez, mas ainda é) um país de latifundiários. De grandes
fazendeiros. E foi dos profundos rincões das grandes propriedades é que veio a
grana, a força necessária, o grande incentivo para que houvesse as manifestações
da direita, com as marchas fascistas da família, com deus, pela liberdade e
outras coisas mais. Essas marchas faziam parte da democracia e, por isso, o
governo João Goulart titubeou em reprimi-las ou não pôde fazê-lo, em nome da
democracia. Era o nascedouro do movimento contra ele, e ele só podia contar com
as forças populares, por isso o comício da Central do Brasil.
As Forças Armadas brasileiras nunca
foram fascistas ou ferrenhamente anticomunistas. Eram democráticas. Mas havia,
em seu bojo, num núcleo duro, um núcleo de oficiais que foram devidamente
cooptados pelos lobby dos grandes fazendeiros, pois eram comandantes e oficiais
que serviram em inúmeros postos pelos interiores a fora, como é normal,
principalmente no Exército. E foi esse núcleo que assumiu o comando do Exército
e, por extensão, das outras Forças, para dar o golpe, cuja senha foi o levante
de Minas Gerais, o estado mais conservador e mais antigoverno, com as tropas do
General Mourão. A grande imprensa aplaudiu entusiasticamente e o povo, mais uma
vez manipulado, apoiou, com reservas, mas apoiou. O golpe era apenas para
remover Goulart e os reformistas e convocar imediatamente eleições diretas. Mas
não foi o que se viu... E a História está aí para contar os desdobramentos.
Embora tenham flertado com o
fascismo, na década de trinta e quarenta, os oficiais brasileiros que
assaltaram o poder em 1964 eram acima de tudo anticomunistas. Os laivos
fascistas dos golpistas ficaram no ódio aos políticos e aos partidos políticos,
dissolvidos e recriados artificialmente, e em medidas de grande repercussão
nacionalista, que pautaram todos os governos dos ditadores, a partir daí. Ou
seja, os "camisas-verdes" também não tiveram muita voz ativa, ficaram
na moita, espreitando, como sempre.
O processo de redemocratização
passou por percalços, com a morte de Tancredo Neves e teve um histórico
confuso, de lutas ideológicas que nunca afloraram totalmente, porque as
esquerdas haviam sido devidamente esquartejadas e salgadas pelos militares e a
direita estava desacreditada, depois dos fracassos dos governos militares, com
sua política ultranacionalista, que isolou o País do resto do mundo, e trouxe
como consequência a perda de competitividade internacional, de que ainda não
nos recuperamos. Assim, a ideologia só voltou à tona com a criação do Partido
dos Trabalhadores.
O PT foi a novidade. E lutou
muito para crescer, para convencer, para vencer. E sua vitória, com um operário
- um tremendo absurdo, na visão da direita -, tinha tudo para dar errado. E era
o que os fascistas esperavam: o fracasso total e absoluto do Presidente Lula,
para ser o mote de um golpe espetacular. Voltariam com todas as forças ao
poder. E de lá não sairiam mais. Espaldados pelo voto dos conservadores e com o
povo devidamente domado com mentiras repetidas à exaustão, para se tornarem
verdades. Mas... Lula não fracassou. Pelo contrário, fez um governo sensato,
apesar de toda a perseguição política durante o primeiro mandato, e ainda se
reelegeu! Foi um golpe duro demais na cabeça da cobra fascista que se retorcia
de ódio à ascensão da classe trabalhadora aos meios até então reservados à
classe média conservadora, como benesse dos mais ricos e poderosos.
E Lula fez mais: elegeu Dilma
Rousseff, uma ex-guerrilheira. A primeira mulher a governar o País. Um golpe de
mestre. Porque ainda agora a direita hidrófoba ainda titubeia em atacar diretamente
a presidenta, por medo de ser tachada de machista e de perder a pouca
credibilidade que tem. Então, é preciso achar pretextos para inculcar seu ódio
à classe trabalhadora e ao Partido dos Trabalhadores.
Acharam o meio ideal para
inocular seu veneno: as redes sociais. Onde tudo pode ser aquilo que não é na
realidade. Um universo de faz de conta, de palavras de ordem melífluas ou
diretas, mas tudo muito bem embalado pela tecnologia, com a qual cooptam os
incautos, os descontentes - afinal, há em todos os lugares do mundo, sempre,
alguns descontentes com alguma coisa - e é fácil ampliar o descontentamento, é
só publicar fatos distorcidos, falsas notícias, comentários jocosos,
trocadilhos infames que parecem inocentes, slogans como "muda Brasil",
"hospitais padrão FIFA" e coisas afins - o disfarce é perfeito. Enfim,
eles sabem usar e manipular muito bem a "redecracia": veja-se o caso
do boato da interrupção do programa Bolsa Família, que assombrou estados no
Norte e Nordeste do país, há pouco tempo, como um exemplo de teste dessa
ferramenta poderosa, que são as redes sociais.
Quando o Movimento Passe Livre,
ingenuamente, obteve repercussão com sua luta contra o aumento das passagens urbanas,
os fascistas acharam o veículo ainda mais perfeito para a sua ação, agora nas
ruas. E os inocentes do MPL, achando-se poderosos, por encontrarem enfim
repercussão de sua luta, demoraram a perceber o quanto estavam sendo
manipulados pelos espertalhões fascistoides que tomaram de assalto o seu
movimento, promovendo deliberadamente atos de quebradeira e incentivando os
inocentes úteis mais exaltados a destilarem ódio e preconceito contra todos os
partidos políticos, mas principalmente contra os partidos de esquerda e,
especialmente, contra o PT, e contra tudo o que representasse ou simbolizasse poder,
como palácios de governo e câmaras legislativas, sem poupar, claro, no meio da
bagunça promovida, nada que estivesse em seu caminho, como forma de mostrar um
País à beira do caos.
Não nos esqueçamos que a base de
toda a ideologia fascista consiste em pregar e inculcar nas mentes das pessoas
um forte senso nacionalismo, travestido, muitas vezes, de patriotismo. Apropriam-se
de símbolos como a Bandeira e o Hino, para despertar nos incautos o orgulho de
ser brasileiro, de lutar por um País melhor. E os slogans caminham sempre no
sentido da necessidade de mudar, de melhorar, de construir um país livre e
outros tipos de engodo, facilmente assimiláveis por pessoas comuns, como se um
movimento apartidário, falsamente apartidário, possa realmente construir um
mundo melhor; como se fosse possível ao povo chegar ao poder e, num passe de
mágica, resolver todos os imensos problemas de uma nação complexa e múltipla. O
apelo é muito forte: saúde, educação, segurança são calcanhares de aquiles de
qualquer governo, pela dificuldade de solução de seus imensos desafios e não,
necessariamente, por falta de verbas. Atrair o povo para esses problemas é como
tirar doce da mão de criancinhas. E é como crianças, como massa de manobra, que
os fascistas manipulam a vontade do povo: mentiras repetidas viram verdades,
não nos esqueçamos nunca.
Portanto, muito longe de
comemorarmos as grandes manifestações como atos de democracia, de participação
popular, de festa, devemos lamentar, e lamentar muito, como acontecimentos que
celebram uma grande festa do renascimento do fascismo e dos fascistas, que
encontram o meio adequado para, através da manipulação da verdade, mais uma vez
tentar tomar o poder neste País.