O trabalho dignifica o homem. Sim. Dignifica o homem que tem o chicote e contrata o trabalhador por salários de fome. A esse capitalista, que se dignifica em salões acarpetados a tomar uísque importado, o trabalho do trabalhador mais do que dignifica: torna-o cada vez mais poderoso e mais apto a brandir o chicote. Porque é assim que roda a roda do capitalismo: esmaga o trabalhador e tira dele a dignidade que sobra nas barrigas protuberantes dos donos de bets, de fábricas, de viagens a Marte ou de simples fabricantes de sonhos que se tornam pesadelos a 60 prestações por mês para o trabalhador e uma obsolescência de 24 meses.
O capitalismo não gera riqueza, gera pobreza, desigualdade, fome e sofrimento. Os poucos que dele usufruem algum privilégio são aqueles que se venderam por trinta dinheiros e se tornaram escravos ignorantes de sua escravidão, robotizados e encantados pelos cantos das sereias do consumismo que devora suas tripas e destrói o planeta, ao mesmo tempo que o obriga a pensar que não há aquecimento global, que todo o poder do capitalismo está voltado para o seu bem estar, através das mentiras edulcoradas em milionários anúncios na televisão, no rádio, em outdoors espalhados em cada canto que o olhar abestado dos consumidos consumidores olham. É a escravidão que não permite que o escravo perceba que se tornou escravo, porque está envolvido por essa bolha de contrainformação que deforma sua consciência e o impede de pensar por si mesmo.
A roda esmagadora de consciências do capitalismo vive e sobrevive em situações de bem-estar e de progresso, mas também vive e sobrevive na inflação, nos momentos de crise, de desconforto, porque se alimenta de tudo quanto o ser humano produz, desde a simples bolinha de gude até o míssil ou o drone que vão trucidar milhares de vida em algum lugar do globo, não importa a mando de quem. O capitalismo é um super-urubu que se compraz na carniça tanto quanto se compraz na “ordem e progresso”. Na sua cartilha não há tempo ruim. Deixa o tempo ruim para a fome, o desespero e a morte dos que lhe servem, já que a obsolescência de um empregado é tal qual a obsolescência de seus produtos descartáveis. Morre um produto, joga-se no lixo e compra-se outro. Morre um trabalhador, joga-se no lixo e nascem muitos outros para substituir o morto, já que a máquina de propaganda do capitalismo é pródiga em incentivar a prole dos proletários do mundo, que nunca se unem, porque o chicote e a manipulação das consciências não permitem que eles ganhem vida realmente humana.
Esta a grande cartada do capitalismo: através de um sistema poderoso de comunicação, que vai desde trabalhos acadêmicos até o domínio das mídias sociais, da imprensa, do rádio, da televisão e da defesa de seus valores por próceres cooptados em todas as camadas sociais, como comunicadores, articulistas, religiosos, políticos etc., o capitalismo demonizou todas as demais possibilidades alternativas à sua existência, como o socialismo, o comunismo, o anarquismo e quaisquer outras teorias que acaso tenham sido defendidas ou possam vir a ser defendidas que tenham qualquer possibilidade de atrair governos ou as massas para uma revolução que o destrua.
O capitalismo não só demonizou todas as teorias contrárias, como contou com a propaganda negativa da malfadada experiência da Rússia de Stalin, infelizmente corroída por perseguições e extermínio de opositores e por um sistema de governo totalitário, que apagou as conquistas do comunismo ali implantado, através do qual o país superou sua crônica vocação feudal e pôde se modernizar e se tonar uma potência mundial. A propagação do ódio à Rússia e ao comunismo tem-se tornado um dos principais aliados do capitalismo para tornar os seres humanos que vivem sob seu regime escravagista escravos inconscientes de sua condição e satisfeitos com ela. Ou seja, o capitalismo perverso e selvagem – epítetos que se podem considerar pleonásticos – tornou-se dono dos corpos e das mentes dos povos a ele submissos. E todos eles se consideram felizes com esse jogo sujo, em cujo tabuleiro caminham as massas famintas, escravizadas... e satisfeitas!
Pregar a destruição do capitalismo não tem nenhum viés moral, religioso ou filosófico. É uma questão de sobrevivência da humanidade. Estamos neste momento vivendo uma crise climática – o famigerado aquecimento global – de consequências impensáveis e esse desastre anunciado está, sim, na conta do capitalismo, do consumismo por ele incentivado, da poluição e do esgotamento dos recursos que ele promove. No entanto, paradoxalmente, só o capitalismo pode salvar a humanidade de grandes sofrimentos ou de quase extinção, porque só a consciência de, pelo menos, a maioria dos capitalistas terá condições de reverter essa situação, adotando práticas sustentáveis, não apenas ou tão somente os governos das várias nações que se mobilizam com leis ou com medidas que abreviem o aquecimento global. No entanto, será um paliativo, já que, assim que tudo se estabilizar – se realmente houver estabilização do clima – com certeza absoluta as novas gerações do capitalismo irão retomar suas práticas abusivas contra o planeta, pensando sempre no lucro imediato e na conservação de seu poder sobre as massas humanas escravizadas.
Por isso, para que a humanidade consiga superar os danos causados pelo capitalismo, ou seja, a fome, a desigualdade, a destruição do planeta, o esgotamento dos recursos e a má distribuição dos bens que deviam ser comuns a todos, mas estão nas mãos de muito poucos, é preciso que esse sistema perverso seja destruído. Como? Não sei e ninguém sabe. Talvez somente através de um longo e doloroso processo de conscientização e depois de lutas que não se pode dizer que serão incruentas, é que os seres humanos talvez um dia se livrem do capitalismo.
O que colocar no lugar do capitalismo? Também não sei. Mas a humanidade viveu e sobreviveu a muitas catástrofes e, se sobreviver ao capitalismo e conseguir destruí-lo, a criatividade do ser humano irá, com certeza, buscar uma forma de convivência menos tóxica e mais consciente dos recursos do planeta e construirá novas sociedades, plurais, igualitárias, talvez mais pobres, porém mais felizes. Pelo menos, é o que se pode esperar.
Enquanto isso, queimemos nosso cérebro escrevendo e tentando ser a chama de uma vela no meio da escuridão total, gritando sempre que possível: DELENDA EST CAPITALISMO – É PRECISO DESTRUIR O CAPITALISMO. Antes que ele nos destrua.
(Ilustração: Medusa com a Cabeça de Perseu é uma escultura criada por Luciano Garbati em 2008. A estátua representa Medusa segurando uma espada e a cabeça de Perseu, uma inversão de papéis na lenda grega. Uma versão em bronze está temporariamente exposta no Collect Pond Park , em Lower Manhattan).