janeiro 25, 2025

SÃO PAULO 471 ANOS: QUE TAL PENSAR NUMA UTÓPICA CIDADE MAIS HUMANA?

 


São Paulo talvez seja um dos maiores equívocos urbanísticos do planeta. Sei que há outras cidades mal planejadas, mal administradas, com problemas estruturais urbanísticos complexos, cidades cujos cidadãos têm péssima qualidade de vida. Mas, a maioria desses aglomerados urbanos quase inabitáveis são cidades bem mais antigas do que São Paulo e trazem suas mazelas de tempos bastante remotos. Não é o caso de São Paulo, uma megalópole típica do século XX, apesar de seus 471 anos de fundação. Lembremos que, em 1913, pouco mais de 100 anos atrás, a cidade era quase uma vila de “apenas” 400 mil habitantes, que mal ocupava o que hoje se chama de “centro expandido”. Hoje, com mais de 11 milhões de cidadãos só no município e quase 20 milhões na chamada Grande São Paulo, pode-se dizer que perdeu o bonde da história, nesses poucos mais de 100 anos, de se tornar uma cidade menos cruel e de melhor qualidade de vida.

Pode-se dizer, também, que o dedo podre dos cidadãos paulistanos, em quase todas as ocasiões que tiveram a oportunidade de escolher seus governantes, escolheram mal, muito mal, na ilusão de promessas de um desenvolvimento a qualquer custo, que não trouxe melhoria de vida para quase ninguém. Sim, São Paulo tem melhorado bastante em vários aspectos de alguns anos para cá, mas as perdas trazidas por administrações equivocadas não têm sido revertidas e tampouco mitigadas. E a qualidade de vida está, hoje, muito ruim, em termos modernos e em comparação com outras metrópoles do mundo.

Em vez de os administradores das últimas oito décadas (que eu considero as décadas do grande salto para a consolidação da atual metrópole) aplicarem o dinheiro público e sua capacidade criativa na qualidade de vida dos habitantes, só o que fizeram (quase todos eles) foi construir grandes avenidas em vales onde corriam rios; expandir a cidade para pontos longínquos e sem infraestrutura; retificar os rios e ocupar suas margens alagáveis; canalizar as centenas de rios, riachos e ribeirões que formavam uma complexa bacia hídrica e enterrá-los todos sob ruas e avenidas asfaltadas; permitir a ocupação de áreas verdes e sua destruição por grileiros irresponsáveis, que lotearam as periferias, lucraram bilhões e deixaram um rastro de bairros e comunidades mal planejadas e sujeitas a deslizamentos e alagamentos; entregaram a cidade à sanha das empreiteiras, abrandando leis e permitindo construções coletivas muitas vezes de má qualidade em praticamente todos os bairros residenciais, transformando a cidade num agulheiro de edifícios sem qualquer planejamento ou qualquer cuidado urbanístico; não planejar áreas de “respiro”, ou seja, grandes áreas verdes e, principalmente, áreas de várzea que pudessem propiciar melhor qualidade do ar e evitar as enchentes recorrentes em inúmeros bairros e locais até mesmo do centro da cidade; estimular o crescimento desordenado da população sem o provimento da necessária infraestrutura de saneamento básico, luz, pavimentação adequada (não o asfalto impermeabilizante) e transporte (o metropolitano só começou a ser construído em 1968 e sua expansão tem sido muito aquém das necessidades da população; privatizar o transporte público (isso ocorrei em 1995) e, a partir daí, entrega-lo sob concessão a empresários inescrupulosos, que só visam ao lucro e não se preocupam com o bem estar da população).

Enfim, poucos foram os administradores dessa imensa e infeliz metrópole a se preocupar com a qualidade de vida de seus habitantes.

Assim, só vejo, hoje, uma solução para os imensos desafios que São Paulo exige para se tornar uma cidade minimamente habitável e com a necessária qualidade de vida: parar de crescer e começar a diminuir.

Sim, diminuir.

Onze milhões de pessoas não são compatíveis com a infraestrutura que a cidade oferece. E não adianta abrir túneis, construir mais avenidas, melhorar o saneamento básico, construir mais habitações, gastar milhões em obras contra enchentes (como os famigerados “piscinões”, mais uma ideia absurda!), melhorar o transporte coletivo, abrir mais postos de saúde ou erguer hospitais, nem mesmo mais creches e escolas, que tudo isso é absolutamente necessário, mas, com mais de 11 milhões de habitantes, tudo isso é enxugar gelo, já que o déficit de todos esses serviços e de toda a zeladoria de que a cidade precisa não vai ser coberto nunca, ou só daqui a muitos e muitos anos, pois são déficits acumulados também de muitos e muitos anos de más administrações: com essa população imensa de mais de 11 milhões de habitantes, repito, não haverá nenhuma política urbana consistente que possa resolver.

Acredito que com quatro milhões a menos de habitantes, a cidade poderia se tornar habitável. E como conseguir isso?

Pode-se equacionar o problema resumidamente da seguinte forma: primeiro, observar que pesquisas apontam que cerca de um terço dos atuais habitantes de São Paulo manifestam desejo de sair da cidade, de voltar para suas cidades de origem ou simplesmente gostariam de se mudar para um outro lugar, desde que tivessem condições.

Então, que se ofereçam condições para que essas pessoas saiam voluntariamente da cidade.

Como? Com um plano de incentivo para pessoas e famílias se mudarem de São Paulo, com pagamento de passagens, ou até mesmo da mudança, para outras cidades distantes pelo menos 300 km de São Paulo, com garantia de emprego, moradia (que poderia ser financiada por um tempo) e condições de vida, como escola, hospitais etc. Plano esse que deve ser elaborado pelos governos municipal, estadual e federal, sob a coordenação de algum órgão com representantes desses três poderes criado especialmente para providenciar todo o planejamento e elaborar toda a estratégia necessária para sua consecução, fazer o contato com os mais de 6.000 municípios de todo o Brasil e também com comunidades, para localizar as condições necessárias aos indivíduos e às famílias que se cadastrarem no plano.

Meta: em dez anos, incentivar 4 milhões de pessoas a saírem de São Paulo.

Com uma população reduzida a cerca de 7 milhões, a cidade pode ter uma boa folga de planejamento de melhoria de condições de vida de sua população e os administradores podem começar a resolver os crônicos problemas de moradia, de transporte, de saúde, de educação, de redução de enchentes etc.

Então, São Paulo não mais seria essa enganosa ilusão de prosperidade para todos e, embora continuasse a atrair pessoas de todos os pontos do país, os migrantes que aqui aportassem viriam em busca do que a cidade tem de melhor, ou seja, a possibilidade de formar cidadãos e cidadãs que não necessariamente vieram para aqui viver para sempre, não seria mais essa espécie de 171, essa armadilha onde se vive sem qualidade de vida e sem possibilidade escape.

Utopia? Sonho? É a partir de utopias e de sonhos que a realidade, às vezes, acontece. Acho que todos os moradores de São Paulo tem o direito de sonhar com uma cidade mais civilizada, mais humana, com menos violência, que propicie uma vida mais digna para todos. Uma cidade mais igualitária.