dezembro 22, 2023

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO NUM MUNDO CAPITALISTA

 

(Albert Bettannier - la tache noire, 1887)


Respeito muito o jornalista Luís Nassif. E quando ouço um vídeo em que ele diz que o Ministério da Educação está dominado pela Fundação Lemann, um dos esteios do capitalismo mais tenebroso de nosso País, só posso ficar alarmado. Principalmente pelo fato de que é um ministério comandado por um petista, Camilo Santana, ex-governador do Ceará, onde obteve avanços históricos no terreno educacional. Portanto, é um nome de respeito, mas um político, não exatamente um educador, já que as conquistas educacionais do seu Estado foram obra de um administrador competente.

Então, me vem uma dúvida atroz: se Camilo Santana está se deixando enrolar – e é essa a palavra exata: “enrolar”, “enganar” – ao ouvir o “canto da sereia”do Lemann e seus asseclas, isso é ingenuidade ou ignorância da importância de seu Ministério dentro de um governo democrático?

Não é uma pergunta fácil de responder, por isso vou tentar levantar algumas hipóteses antes de condenar ou absolver o ministro. Advirto que não sou um especialista em educação, embora tenha sido professor durante a maior parte da minha vida, sendo essa a minha formação. Sei que uma coisa é militar no magistério; outra, bem diferente, é ser um Educador, ou seja, uma pessoa que tem formação em Filosofia da Educação e pensa a Educação como um processo complexo e extremamente importante dentro da sociedade.

Feita essa ressalva, vamos tentar trazer algumas ideias que me acossam, quando penso em educação. E vou trazer essas minhas reflexões dentro do contexto de um mundo capitalista, o mundo em que vivemos, já que é impossível nos livrarmos do capitalismo, pelo menos no curto ou médio prazo. O mundo é assim e, embora eu desejasse um mundo diferente e até, se tivesse oportunidade, lutaria com todas as minhas forças para mudá-lo, ou seja, para acabar com o capitalismo, não posso deixar de inserir essas minhas reflexões na realidade em que vivemos.

A opinião que o povo tem de educação é bastante rasa (e não há nisso nenhuma condenação, apenas constatação): espera-se que o poder público ofereça escola e merenda para seus filhos. E escola de qualidade é aquela que leva a criança e o adolescente a obter conhecimentos suficientes para enfrentar a fase adulta de sua vida, ou seja, ter uma profissão e viver dignamente. Outras discussões, como ideologia do que se ensina, currículo escolar, metodologia educacional etc. são secundárias e, em geral, não são compreendidas claramente pelo povo. Claro que ninguém é ingênuo a ponto de pensar que todos os jovens se tornarão “doutores” (e esse desejo, legítimo, percorre todas as classes sociais), que todos chegarão ao ensino superior, visto, em geral, como o ponto máximo do processo educacional. Uma boa parte da população já se dá por satisfeita, quando os filhos obtêm uma profissão. Assim, as escolas profissionais tornam-se importantes e não vamos discutir isso aqui, já que é matéria para outro momento e outras reflexões, não menos importantes.

O que eu quero dizer com o parágrafo anterior é que discutir educação, para a população em geral, é discutir sua universalização, de preferência, de forma gratuita. Mas, aceitam-se outras possibilidades, como bolsas de estudo do governo, financiamentos etc. O importante é ter escolas, e a qualidade delas será medida apenas pelo sucesso de seus filhos em “achar colocação” no mercado de trabalho. Quaisquer outras discussões só ganham algum relevo, quando provocadas por algum factoide. Lembro o famoso “kit gay”, que as comunidades evangélicas disseminaram para demonizar o Partido dos Trabalhadores. Essa bobagem, no entanto, ganhou as consciências e provocou um grande estrago nas hostes progressistas. Minha hipótese é que isso não tenha surgido da imaginação de pastores (que eu acho que não têm capacidade para tanto), mas de laboratórios de manipulação da extrema direita, interessada, como sempre, em tirar proveito ou da ingenuidade ou da estupidez, seja de quem for.

Portanto, discutir ideologia no processo educacional não faz parte do repertório popular, embora seja algo extremamente crucial, porque é através da ideologia programática que se constrói a mentalidade de uma geração.

Dou um exemplo histórico que repercute até hoje. Durante a ditadura getulista, o Ministério da Educação implantou, de forma consistente e sutil, a ideologia dominante na época: o horror ao comunismo (que nunca ameaçou o País) e o esquecimento da população negra. Há uma tese defendida junto à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Universidade Federal de Minas Gerais por Felipe Menezes Pinto, com o título de “O vermelho e o negro: intolerância, construção da identidade nacional e práticas educativas durante o Estado Novo (1937-1945)” que destrincha de forma clara e precisa os métodos de doutrinação utilizados pelo Ministério da Educação para incutir na população o anticomunismo e o racismo, através não só do currículo orientado pelo governo, mas também através da farta distribuição de imagens em livros, revistas, filmes etc. que, de forma sutil, alimentaram o “patriotismo” e o “esquecimento” da população negra, aprofundando o racismo estrutural vigente.

Esse verdadeiro massacre ideológico, que repercute até hoje, nunca teve uma discussão ampla nos meios de comunicação. É um fato absolutamente desconhecido pela maioria absoluta do povo, que ainda acha que o comunismo ameaça o Brasil e que os negros são uma “raça” inferior.

Assim, todos os projetos educacionais, mesmos os mais sérios e importantes, vieram sempre, ou tiveram que vir, mascarados em aspectos secundários do processo educacional, embora importantes, como: construção de escolas; preparação de professores (um ponto crucial, juntamente com a valorização profissional, geralmente relegado a segundo plano); merenda de qualidade (algo extremamente importante, principalmente para o ensino fundamental, mas muitas vezes visto como “esmola” pelo poder público); distribuição de material didático (aqui, às vezes, a sanha ideológica de pequenos grupos forma verdadeiras patrulhas) e uniformes (principalmente para o ensino fundamental) etc. Cito dois exemplos: a criação dos CIEPS na gestão do governador Leonel Brizola, em 1983, no Rio de Janeiro, inspirados por Darcy Ribeiro, e os CEUS, implantados em 2002 em São Paulo, pela gestão da então prefeita Marta Suplicy. Em ambos os casos, o conceito por trás das notáveis construções era o de educação integral para as populações mais carentes, unindo num local agradável e sadio não apenas o ensino e a descoberta de conhecimentos, mas também lazer, cultura, cidadania etc. Quando se dá ao aluno das classes menos favorecidas um bom ambiente escolar, acolhedor e de qualidade, está-se incutindo na mente deles, de forma indireta, que eles não são cidadãos de segunda classe e sim que merecem todas as oportunidades de uma vida digna. E mais: isso é a semente de cidadãos pensantes e críticos da realidade, coisa que incomoda as classes dominantes e muitos governos dominados pela ideologia classista de que pobre só serve como mão de obra barata.

Não sei como estão hoje os CIEPS e os CEUS, já que muitas outras administrações, com visões diferentes, passaram por essas cidades. No entanto, posso imaginar que os projetos originais sofreram alterações e, provavelmente, foram cooptados pelos interesses dos grupos governantes, como sempre acontece com as boas ideias: começam com as melhores intenções e acabam nas garras dos capitalistas e seu olhar sempre atento para tudo que possa, mesmo que de leve, contrariar seus interesses.

Não há dúvida de que vivemos um momento de predomínio da direita e, dentro da direita, de um extremismo neonazifascista, cujas ideias, que vinham há muito sendo gestadas, ganharam força com o golpe contra a presidenta Dilma e, posteriormente, com a eleição do tenebroso Jair Bolsonaro. O preparo para a tomada do poder, em várias áreas importantes do pensamento, principalmente na área educacional, foi devidamente preparado pelo governo Temer que, pelo que sei, abriu as portas para a Fundação Leman que, se não obteve o comando do Ministério da Educação no governo seguinte – haja vista os nomes absurdos que foram designados, nenhum com um mínimo de preparo e de visão educacional, nem mesmo pela tal Fundação – conseguiu, no entanto, “comer pelas bordas”, ou seja, designar e manter um pessoal dentro do ministério que, diga-se de passagem, é bem mais competente que os seguidores do ex-presidente, com a finalidade de controlar de forma indireta as rédeas da educação no Brasil. E é, possivelmente, esse pessoal “técnico”, mas ideologicamente alinhado com o pensamento da direita, que deve estar até hoje no Ministério da Educação, sob o olhar – repito: não sei se ingênuo ou de desconhecimento das reais intenções desse povo - do ex-governador e atual ministro Camilo Santana, o que eu acho um tanto estranho, em se tratando de um político, até prova em contrário, inteligente, experiente e bom gestor (como gostam de ser chamados os administradores da direita, para esconder seu viés ideológico).

Quando me refiro à “ingenuidade” possível do Ministro, preciso explicar claramente o que quero dizer. Como não é da área educacional, Camilo Santana, como político e administrador, pode estar sendo seduzido por propostas muito bem elaboradas e bem emolduradas de desenvolvimento do ensino, em termos de projetos que escondem suas verdadeiras intenções, ou seja, iludem-no com alternativas que parecem realmente interessantes (o “canto da sereia” referido acima), como a implantação de projetos de reforma e construção de escolas, preparação de professores, distribuição de material didático etc., mas que são apenas o iceberg de um projeto maior de cooptação das mentes de nossos jovens, através da ideologia da “escola sem partido”, amplamente propagada pelos papagaios a soldo dos interesses capitalistas de fundações como a do senhor Lemann. Ressalte-se que a pretensa desideologização da escola (“sem partido”) consubstancia-se na ideologização de valores da direita dessa mesma escola. Será Camilo Santana tão “ingênuo”, que não percebe essa manobra?

Se, no entanto, prevalece o fato de o ministro estar sendo enrolado, enganado por essa gente, cabe a algum de seus assessores mais ligado às forças progressistas abrir os olhos dele, já que a esquerda e, principalmente o Partido dos Trabalhadores, conta em suas fileiras com muitas e boas cabeças pensantes na área da educação. E cabe aqui a mesma pergunta: como pode uma “raposa velha” da política deixar-se enrolar por essa gentinha esperta, mas não tão esperta assim?

Qualquer que seja o motivo pelo qual o Ministério da Educação esteja dominado ou cooptado pela Fundação Lemann, a soldo da sanha capitalista de lucro a qualquer custo, deve o Presidente Lula ser devidamente alertado. E, já que o seu Ministro da Educação faz parte de sua cota pessoal de confiança, chamá-lo a uma conversa séria e devidamente assessorada por pessoas competentes, para que ele possa rever sua política, suas práticas, fazer a devida faxina no ministério e, se for necessário, deve até mesmo o Presidente buscar outro ministro que tenha mais conhecimentos da área educacional e não seja apenas um bom gestor, como eu acho que é o senhor Camilo Santana, para lhe fazer a devida justiça.

Concluindo, ressalto que o atual governo, de escopo claramente comprometido com as forças democráticas e com a reconstrução do País, depois de dois tsunamis – Bolsonaro e a pandemia – deve, a partir de segundo ano, com alguns de seus pilares e programas devidamente implantados e começando a render frutos, preocupar-se seriamente com a área ideológica, principalmente na educação – uma área sensível a formar mentalidades – para não entregar de novo o País a aventureiros despreparados, mas títeres de forças extremistas de tradição neonazifascista.

Podemos suportar governos de direita, isso faz parte do processo democrático. Mas não podemos tolerar jamais experiências extremistas, fascistoides e golpistas novamente.

Nenhum comentário: