abril 18, 2024

DELENDA EST CAPITALISMO

 



Não há outra saída para a humanidade, a não ser destruir o capitalismo e jogá-lo para sempre na lixeira das maiores insanidades já criadas pelo ser humano. O capitalismo é indefensável. E somente uma imensa e terrível máquina de coerção e convencimento posta em movimento pelos capitalistas do mundo pode ainda manter obnubilada a mente das pessoas que o defendem, mesmo sendo suas principais vítimas.

Por que é preciso destruir o capitalismo?

Não é necessário consultar filósofos, sociólogos, historiadores, cientistas ou os maiores pensadores e luminares para se chegar a essa conclusão óbvia: delenda est capitalismo, é preciso destruir o capitalismo. Basta abrir os olhos e olhar ao redor. O que se pode ver?

Primeiro, a desigualdade, mãe da miséria, da fome, do desalento, responsável pelo sofrimento e morte de milhares ou milhões de seres humanos. Enquanto alguns poucos – porcentagem mínima da humanidade – gozam de todo o conforto e de todo o desperdício de recursos de que possam ser capazes, esses milhares e milhões não têm nem mesmo o que comer no seu dia a dia. Ou vivem no limite entre a miserabilidade e a escravidão a empregos e subempregos que não lhes fornecem o mínimo necessário para sobreviverem. Desempregados, outros tantos, morrem pelos guetos a que são condenados, silenciosamente, vítimas dessa absurda desigualdade. Poderia ficar aqui a relacionar centenas de ocasiões em que essa desigualdade leva ao desespero, à fome, à morte, mas não creio ser necessário: basta abrir os olhos, basta ouvir um noticiário de rádio ou televisão, basta ler um jornal ou uma revista, basta andar pelas ruas de qualquer cidade, basta caminhar um pouco por aí...

Segundo, a ganância, mãe da desigualdade e até mesmo da própria destruição ambiental. As grandes corporações multinacionais consomem não só as demais empresas e às vezes até a si mesmas, num processo autofágico, como consomem as reservas da Terra, esgotam os recursos naturais, poluem e propagam doença e morte, em nome de lucros cada dia mais exorbitantes, num ciclo vicioso e venenoso de destruição da vida e da própria Terra, cegos que são, porque acabarão por destruir a si mesmos, quando inviabilizarem a vida humana neste planeta de recursos finitos e de ambição capitalista infinita.

Terceiro, a guerra, a mãe de seios fartos e férteis que alimenta a fúria capitalista por destruição, através da indústria armamentista, através da conquista de melhores condições comerciais com o uso da força e da destruição de regiões e países inteiros que não se vergam a seus interesses. A guerra serve ao capitalismo como os escravos servem a seus donos: engordam-no e fortalecem-no, enquanto os escravos – os povos que guerreiam sob seus interesses – mínguam e morrem. Não há guerra que não sirva a qualquer interesse de alguma ou algumas corporações capitalistas.

Quarto, a ideologia. Por um sistema que envolve não apenas o domínio dos meios de comunicação, o domínio do sistema de ensino, o domínio de quase todos os governos, o capitalismo criou ao longo dos séculos de sua formação e imposição um sistema ideológico perverso, que inclui, além dos sistemas todos citados, o maior de todos os embustes criados por um ser humano para dominar a mente de outro ser humano: a religião. A crença deísta serve-se do capitalismo porque serve ao capitalismo como o colchão que ameniza todo o sofrimento, com a falsa promessa de dias melhores sob a graça de deus ou de deuses, mantendo as multidões sob controle, porque esse deus ou esses deuses prometem que, no seu reino, só entrarão os pobres e desvalidos, jamais os ricos e poderosos. E são os ricos e poderosos os donos de todos os reinos aqui mesmo na Terra, nem um pouco preocupados com a salvação de suas almas.

Tudo isso faz que a humanidade seja escrava do capitalismo, não consiga enxergar que sua defesa ou a simples aceitação de seu poder já são uma forma de escravização. Poucos são os indivíduos – uma porcentagem mínima da humanidade – que conseguem perceber que a desigualdade, a miséria, a pobreza, a fome, a morte, a guerra, o desalento de viver são o fruto amargo do capitalismo com que convivem no dia a dia, massacrados que são pela ideologia vigente, que alimenta as grandes corporações, que se alimentam de seu trabalho ou de sua miséria, de sua fome ou de salário magro, num círculo vicioso e venenoso que está provocando o aquecimento global, que está destruindo a humanidade, que está tirando dos seres humanos a possibilidade de sobrevivência neste planeta.

Quando vejo, leio, ouço alguns desses indivíduos, mais ou menos “bem de vida”, pertencentes a uma subelite metida a besta, a babar de inveja da elite dona de nossos destinos e até memo a defende-la como a que lhe dá condições de sobrevivência, eu tenho certeza de que não posso e não devo defender qualquer tipo de capitalismo, mesmo o capitalismo travestido de boas intenções chamado “socialismo cristão” ou coisa que o valha. E afirmo que a humanidade só sairá do buraco da fome, da desigualdade, da guerra, da escravidão quando o último milionário for enforcado nas tripas do último ignorante defensor do capitalismo. (A frase é plágio, eu sei. Mas é o que eu penso).

abril 01, 2024

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DO BELO E O RACISMO

  

(Escultura de Leocares - séc. IV a.c.: Apolo Belvedere - foto de Pio Clementino)

(Escultura de Hans Bellmer: the doll, c.1936)


O belo é um conceito criado pela metafísica platônica, em que há entes absolutos para além da matéria. Portanto, se rejeitamos a metafísica, como causa de todas as estupidezes produzidas pela mente humana, como a ideia de eternidade da alma, devemos também rejeitar a busca de um conceito do que seja o belo, porque cairíamos na ideia absurda de que há um princípio original de todas as coisas, uma espécie de matriz transcendente que molda tudo quanto existe, num limbo imaterial e inacessível, a não ser através da palavra, da ideia, do pensamento, da imaginação, enfim.

Mas, a ideia do que seja belo, ou seja, a materialização do belo, ou do que se considera belo, tem origem, como quase todo o pensamento ocidental, nas concepções gregas baseadas na moral, na retidão, no que é bom (outro conceito metafísico), no retilíneo e harmônico, em termos matemáticos. Os templos gregos são o exemplo da ideia de perfeição (esta, mais um conceito metafísico), porque obedeciam a princípios arquitetônicos matemáticos, passíveis de serem medidos e suas medidas, relacionadas à geometria. Portanto, eram belos.

As estátuas gregas, representando deuses e heróis, seguem o mesmo padrão: linhas harmônicas, geometrizadas, passíveis de serem medidas e relacionadas à matemática, ou a fórmulas matemáticas. Portanto, eram belas.

Assim, o mundo grego que nos chegou através da arte, da literatura, do teatro etc. é todo ele moldado pela ideia da beleza absoluta, base do pensamento de seus filósofos, que buscavam a perfeição, ou tentavam traduzir em palavras e conceitos o ideal, o absoluto, o transcendente, enquanto seus artistas buscavam representar tudo isso em suas obras.

E foi esse modelo o que formatou a mentalidade ocidental e fixou na mente dos seres humanos deste lado do mundo a ideia de que o belo é passível de ser parametrizado, medido, entendido como oposto ao feio – um conceito metafísico oposto ao belo – determinado por nossos olhares e nossos paradigmas.

Assim, dizemos que é belo um dia de sol e é feio um dia de chuva; que é bela a rosa e é feio o espinho, misturando moral com beleza, estabelecendo novas categorias metafísicas absurdas, como o bem e o mal. Assim, dizemos que é belo o colear de um tigre e achamos feia a cara de um orangotango, sem nenhum critério que não seja a ideia de harmonização estabelecida e fixada em nossa mente pelos conceitos gregos de geometrização.

O barroquismo de uma floresta de cipós retorcidos, num dia de chuva, causa-nos arrepios de horror, porque ali não vemos a harmonia pré-concebida e também associamos essa liberdade de formas confusas como algo que pode conter o mal e, portanto, não é belo, mais uma vez misturando conceitos metafísicos em que o belo é bom (e o que é bom deve ser belo) e o que feio é mau (e o que é mau deve ser feio).

Esse olhar contaminado e formatado por uma metafísica da estética que nos diz o que é belo e o que é feio, baseada em padrões idealizados, permaneceu por meio milênio na mente do europeu cristão, que teve pouquíssimas oportunidades de contato civilizacional com outros povos, mesmo assim, quase que somente com povos orientais. O estranhamento entre os europeus e os orientais, por exemplo, tem raízes profundas não só na visão de corpos diferentes, mas também nas visões de mundo de origem cultural e, principalmente, religiosa. Não preciso, aqui, lembrar as guerras provocadas pelas cruzadas nem pela ocupação árabe da península ibérica. E esse estranhamento ocidente-oriente permanece até hoje.

Agora, imaginemos o estranhamento em relação aos povos das Américas recém-descobertas, no século XVI, e começamos a entender por que uma civilização – a europeia – destruiu ou tentou destruir outra civilização – a dos povos originários. E vamos ao exemplo máximo: o estranhamento do europeu em relação às etnias negras da África!

Vamos estacionar nosso pensamento por aqui, para fazermos um exercício de imaginação e de inversão de papéis. Imaginemos que a Grécia antiga, com todo o seu arcabouço filosófico, metafísico, artístico-literário etc. tivesse ocorrido não na Europa branca, mas no centro, bem no centro da África negra. Que Platão, Aristóteles e todos os demais filósofos, poetas, escultores, pintores, heróis e, principalmente, deuses (sim, deuses!) fossem pretos! Que a Vênus de Milo, por exemplo, tivesse nariz achatado, lábios grossos, cabelos encaracolados, bunda e peitos avantajados etc. Imaginou? Bem, não vou sugerir como seriam os trajos, os templos e tudo o mais. Deixo à imaginação de quem teve o beneplácito de chegar até aqui, na leitura dessas mal traçadas linhas.

Qual seria, hoje, o nosso ideal de beleza? O que seria belo, para nós, agora pensando não só genericamente, em elementos da natureza ou da capacidade humana de criação e de arte, mas em termos humanos?

Bem, não vou fazer comparações, nem levar o leitor a pensar em fulano ou fulana, em homens e mulheres que julgamos belos, porque cairíamos no tal racismo estrutural, se é que você me entende.

Quero terminar essa já longa reflexão, com esta ideia básica: nossos olhos acham feio tudo o que é diferente do que normalmente vemos, o que é uma grande, enorme, estupidez. Porque é essa a base de todo o nosso absurdo, pavoroso, ilógico e cruel – para todos – racismo estrutural. Infelizmente, isso é humano, demasiadamente humano e, como tal, fruto de uma mentalidade que, embora construída ao longo de muitos séculos, pode – e deve, sim – ser modificada, mesmo que isso leve tempo, muito tempo.

Mas, enquanto o tempo não se encarrega de mudar essa mentalidade, tenhamos, pelo menos e por enquanto, um pouquinho de lógica e de racionalidade: abramos nossos olhos e nossas mentes para todos os seres humanos e não procuremos neles o belo com o olhar preconceituoso, porque, na verdade são todos, sim, belos, belos sob outros padrões, outras perspectivas, outras visões de mundo e culturas. Procuremos no outro apenas o ser humano. Sempre. Que, temos certeza, o mundo será um pouco melhor.





março 22, 2024

CAPITALISMO E CONSUMISMO: OS IRMÃOS XIFÓPAGOS EXTERMINADORES DO FUTURO

 


O planeta Terra já passou por muitos perrengues, em sua longa trajetória de destruição, extermínio e renascimento, até chegar aos dias de hoje. Todos esses perrengues – aquecimento global, era do gelo, queda de um grande cometa, acomodações dos continentes, grandes cataclismos etc. – tiveram causas naturais. Todos foram superados. E o planeta azul continuou sua trajetória em torno do Sol, o único capaz de “matar” a Terra, quando – segundo os astrônomos – explodir daqui a alguns bilhões de anos.

Portanto, a Terra, esse nosso planeta, o lugar onde vivemos, e do qual não temos condições de escapar nem daqui a alguns milhares de anos, não está em perigo. As mudanças climáticas e os grandes cataclismos que, hoje, são causados por nós, seres humanos, não terão capacidade de destruir a Terra. Mas... terão capacidade, sim, de destruir seus causadores, ou seja, a humanidade.

Se somos os responsáveis por esses fenômenos capazes de nos destruir, somos também responsáveis por, pelo menos, tentar evitá-los e, assim, conseguirmos preservar nossa espécie que, se for extinta, não causará nenhum dano ao planeta. A Terra continuará girando em torno do Sol e, daqui a alguns milhares ou milhões de anos, será um “bebê” recém-nascido a gestar e formatar, quem sabe, outros seres que não a destruam.

Portanto, na qualidade de que mais nos orgulhamos, como seres vivos, está a capacidade de nos salvar: a racionalidade. Ou seja, se somos mesmo “animais racionais”, é o momento de provar para nós mesmos essa tão decantada diferença entre nós, os humanos, e os demais seres que aqui vivem. Será que passaremos por essa prova?

Bem, para que isso aconteça, precisamos, dentre os muitos problemas que temos de resolver, atacar os irmãos xifópagos exterminadores do nosso futuro: o capitalismo e o consumismo.

Como são xifópagos, estão tão irmãmente ligados, que é quase impossível falar deles isoladamente. Só o faremos, aqui, por uma questão de conveniência.

Primeiro, o capitalismo. Não sei e não quero saber sua origem. Apenas sei que, a partir da chamada revolução industrial, o mundo se tornou progressivamente mais capitalista. Os meios de produção foram sendo paulatinamente concentrados nas garras de uns poucos, para desespero de todos, sob os olhares complacentes dos governos de todos os países e dos povos que os elegeram. Criaram um monstro que, hoje, tem seus tentáculos, através das grandes corporações, estendidos a praticamente todos os cantos do planeta. Quase todos os setores produtivos estão sob a responsabilidade dessas corporações multinacionais que, tendo suas garras fincadas em muitos países, conseguem burlar todas as leis e conseguem crescer cada vez mais, sem nenhum controle. São elas as responsáveis pelo empobrecimento e pela fome em muitos países, à custa dos quais sobrevivem, concentrando a riqueza nas mãos de uns poucos, ou de umas poucas nações, signatárias e cúmplices dessa situação.

A ONU, Organização das Nações Unidas, que era uma esperança de governabilidade global quando criada, nos anos 40 do século passado, tornou-se um organismo tão inútil quanto um grêmio de bairro de uma grande cidade, dominada pelos países que se dizem os xerifes do mundo, os países capitalistas que defendem os interesses capitalistas, ou seja, das grandes corporações.

Se a ONU tivesse algum poder, através dela poder-se-ia estabelecer um primeiro grande pacto entre as nações, para o controle dos lucros absurdos das grandes corporações, como uma forma de se começar a diminuir seu poder destrutivo. Esse seria o primeiro passo para reestabelecermos condições econômicas e financeiras para despoluir a atmosfera, os rios e os mares; para deter o desmatamento e reflorestar as áreas devastadas; para impedir a deterioração do meio ambiente; para acabar com a fome no mundo; para começarmos a construir um futuro sem desigualdades sociais e, principalmente, sem o outro grande irmão xifópago do capitalismo, o consumismo.

O segundo grande pacto entre as nações seria para refrear o consumismo. A começar pelas nações mais ricas, que deveriam conscientizar suas populações, principalmente suas “classes médias”, de que se pode viver, primeiramente, sem desperdício e, em seguida, com menos consumo de bens inúteis ou extremamente poluidores, como o petróleo e seus derivados, principalmente o plástico. Há muito badulaque inútil ou desnecessário em nossas casas: que cada um olhe ao redor e comprove. O luxo é um acinte, quando milhões passam fome. Para que, por exemplo, um indivíduo precisa ter dois telefones celulares? E assim com centenas e centenas de “objetos de desejo” que compramos e, às vezes, nem utilizamos, mas o fazemos apenas por um consumismo embalado pela propaganda, pela mídia, por inveja do vizinho, por ostentação, para gáudio e sobrevivência do capitalismo predatório. O consumismo irá nos consumir, ou seja, será um dos fatores que levará ao esgotamento dos recursos finitos do planeta e, consequentemente, é a causa de tudo isso que vivemos hoje, nesse apenas começo de aquecimento global, com todas as suas catástrofes, provocado por nós, seres humanos ditos racionais.

Enfim, as sugestões apresentadas, eu sei, são radicais. Mas, se não tomarmos essas medidas ou outras tão radicais quanto – gestadas por pessoas mais capacitadas que eu e adotadas por todos os países – e com urgência, podemos ter certeza de que a humanidade corre sério risco de, com toda a sua racionalidade, passar à condição de dinossauros em futuro relativamente próximo.


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Como bônus a esse artigo, um poema que escrevi em 2017:

 

obsolescência

 

 gosto de coisas duráveis

a obsolescência dá sobrevivência

a esse capitalismo que nos sufoca

 

gosto das coisas utilizáveis

à margem do tempo e do gasto

 

a obsolescência é a ferrugem do capitalismo

ferrugem que nos corrói por dentro

enquanto faz girar a roda dentada

que nos esmaga e transforma em rio vermelho

nossas possíveis esperanças de dias melhores

 

gosto das coisas duráveis

dos objetos que mantêm o brilho e a funcionalidade

além muito além das necessidades dos engravatados

 

odeio a ferrugem fabricada e inserida

em tudo quanto compramos e utilizamos

para a feliz opressão dos senhores das máquinas

 

gosto sim das coisas duráveis

 

das coisas feitas como os ossos que nos sustentam

brancos e puros após anos e anos na terra escura

coisas duráveis como as palavras dos poetas

válidas palavras que nos consolam pela vida

não o lixo fabricado por robôs

com data marcada para voltar ao lixo

 

gosto das coisas que duram como a vida

gosto das coisas que duram como os versos

gosto das coisas que duram como as palavras


Este poema pode ser ouvido, na voz do autor, neste endereço de podcast:

https://open.spotify.com/episode/6daxftyaGg9N1m5HESue5L?si=oFuxUjdRQGmo6iTs1VuHrA


fevereiro 24, 2024

DE FASCISMOS E GENOCÍDIOS

 


 

(Foto de Mahmud Hams/AFP)



“O termo ‘genocídio’ não existia antes de 1944; ele foi criado como um conceito específico para designar crimes que têm como objetivo a eliminação da existência física de GRUPOS nacionais, étnicos, raciais, e/ou religiosos.[*]

“Se o que acontece na faixa de Gaza não é genocídio, eu não sei que é genocídio” (Presidente Lula, 23/2/2024: discurso)



Quando o grupo terrorista Hamas invadiu território de Israel e matou e sequestrou centenas de pessoas, o mundo todo condenou o ato como algo realmente inadmissível, de crueldade extrema. Mas foi um ato terrorista de um grupo terrorista, não foi a agressão de um povo contra outro povo, uma declaração de guerra. Ou seja, os palestinos não invadiram o território do Estado de Israel, principalmente pelo fato de que os palestinos não constituem um Estado e, portanto, não podem declarar guerra a Israel, assim como fez a Rússia ao invadir a Ucrânia. Um choque – terrível, condenável, absolutamente condenável – entre dois exércitos: uma situação clássica de guerra, em que um ataca e outro se defende.

O Estado de Israel tem um exército poderoso e um sistema de defesa extremamente competente. Além disso, conta com um serviço de informação ou de inteligência, com uma rede de agentes que se constitui numa das maiores do mundo.

Para lutar contra o terrorismo do Hamas, de uma forma definitiva, bastava pôr em campo esse serviço de inteligência, para identificar, prender e julgar não só os líderes terroristas, mas também inúmeros participantes, partidários e financiadores. E contariam, para isso, com a sempre e até mesmo subserviente ajuda dos Estados Unidos e de muitos outros países. O desbaratamento do Hamas ocorreria, mais cedo ou mais tarde, com dano mínimo de vidas. Seus esconderijos seriam descobertos e destruídos, suas fontes de financiamento seriam devidamente esgotadas.

No entanto, o governo de Israel, comandado pelo senhor Benjamin "Bibi" Netanyahu, um político de extrema direita e extrema violência, de tendência fascistoide, preferiu atacar a faixa de Gaza, onde vivem, ou viviam, dois milhões de palestinos, com o pretexto de que está se defendendo. Bem, se esse é o conceito de defesa – ou seja, atacar uma população civil, para matar terroristas – eu não sei mais o que é o direito de defesa. Estamos diante, não de uma guerra entre exércitos, mas de um ataque de extermínio de um grupo, os terroristas do Hamas, extermínio que se estende a milhares de civis, principalmente mulheres, crianças e idosos. E se essa matança sem limite, sem ética, sem fim não é extermínio, realmente o conceito de extermínio precisa ser urgentemente revisto.

E extermínio foi e sempre será uma prática fascista. Ocorra onde ocorrer.

Portanto, quando se diz que há um extermínio em Gaza, não se acusa o povo judeu, não se acusa nem mesmo o Estado de Israel, mas se acusa um governo, que tem cara e não tem coração, comandado, repito, por um homem que não está defendendo Israel, mas se vingando, e a vingança contra um povo indefeso é uma ato de extermínio, é genocídio. E o senhor Benjamin "Bibi" Netanyahu é, sim, um genocida que tem o beneplácito de boa parte da mídia mundial e o apoio subserviente e absurdo de muitos países, como os Estados Unidos e os países europeus.

Quero encerrar esse artigo com o registro de um pequeno, mas não menos criminoso, genocídio doméstico. Aquele promovido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo contra os cidadãos da Baixada Santista, por ordem explícita do Secretário de Segurança e do governador de São Paulo, senhor Tarcísio de Freitas, do Partido Republicanos. Matar cidadãos, não importa se inocentes ou criminosos, como vingança pela morte de um policial militar é, sim, ato fascista de genocídio.





[*] Enciclopédia do holocausto: 

janeiro 23, 2024

SER ATEU

 


 


Ser ateu é afirmar, principalmente para si mesmo: deus não existe.


Nada mais. Nada menos.


O ateísmo não é uma filosofia. Não é uma crença. É apenas esta afirmação de liberdade: deus não existe.


Se, por acaso, você afirma: eu não creio na existência de deus, você não é ateu, você é agnóstico, porque você está fazendo um ato de fé, de crença, ou seja, você acredita que deus não existe, mas está aberto a que provem ou a que o convençam de que ele existe. Ou ainda: para você, pouco importa se deus existe ou não.


O ateu não tem que provar a inexistência de deus, porque não há lógica em provar que algo não existe. O ateu não tem que argumentar, com quem quer que seja, a sua afirmação de que deus não existe, nem tentar que outras pessoas compartilhem dessa sua liberdade, porque não há nada, absolutamente, nada além dessa afirmação. Ou você concorda... ou discorda.


O ateu não faz dessa sua afirmação – deus não existe – uma visão de mundo, uma weltanschauung, como dizem os alemães. Porque a inexistência de um deus não interfere na sua vida, na sua forma de encarar a vida. Ou seja, o fato de afirmar essa inexistência não o faz nem melhor nem pior do que os outros seres humanos.


O ateu não sente necessidade de fazer proselitismo de seu ateísmo, porque tem consciência de que o deísmo (ou teísmo), isto é, a crença em um deus ou em deuses é só isto: uma crença. E contra uma crença não há argumentos. O ato de crer é, em si, mesmo, algo tão profundamente ilógico e absurdo que não admite qualquer argumentação lógica: o crente crê, e ponto. Não há nada que o faça descrer. O crente só chega ao ateísmo por ele mesmo, por um esforço tremendo de ressignificação de paradigmas arraigados em sua mente, quando percebe, por ele mesmo, que não há nenhuma lógica na sua crença. E então ele se liberta.


Porque é isto, em conclusão, o ateísmo: uma forma de liberdade. Nada mais. E o ateu pode ser qualquer coisa ou ter qualquer outra filosofia de vida, ser bom ou ser mau, ser de direita ou de esquerda etc. etc. etc.


dezembro 27, 2023

SÃO PAULO, A METRÓPOLE DESGOVERNADA

 

(foto da internet, sem indicação de autoria)


Final de ano: 2024 bate às portas da cidade desgovernada.

Desgovernado, adjetivo, tem, segundo o dicionário, os seguintes significados: 1. que não tem governo ou está mal administrado; 2. descontrolado (diz-se de veículo, animal de montaria).

Para qualificar São Paulo, uso o significado número 1 literalmente, ou seja, uma cidade que, na minha opinião, sempre foi mal administrada (com raríssimas exceções que, aliás, para repetir um clichê, confirmam a regra). Porém, ressalto que o significado número 2 cabe perfeitamente, de forma metafórica, a essa cidade que parece sem rumo, descontrolada, o que significa “sem futuro”, ou sem um futuro que seja lógico e possível.

Tenho batido nesta tecla, sempre que posso: São Paulo não pode continuar crescendo. São Paulo precisa frear seu crescimento e começar a andar para trás, ou seja, precisa diminuir.

Numa metrópole com 12 milhões de habitantes, é humanamente impossível haver qualidade de vida.

Se levarmos em conta as condições geográficas, topográficas, climáticas, hidrográficas e outras mais, uma população de 7 a 8 milhões de pessoas seria o limite para se ter algum grau de civilização ou civilidade, de condições de vida razoavelmente confortável, de possibilidade de dar à população o mínimo necessário para viver e conviver, sem muito sufoco.

Pensemos nas condições geográficas da capital paulista. Vivemos num planalto, com vales e montanhas, com centenas de rios, sem mais locais com condições de expansão sem que as distâncias se tornem quase impossíveis de serem transpostas. (Entre os extemos da cidade – da Zona Sul para a Zona Leste – já são mais de 80 quilômetros!) A cidade está literalmente cercada de outros municípios, que se tornaram, muitas vezes, cidades-dormitório, e que fazem parte do que chamamos “a grande São Paulo”, cujo número de habitantes extrapola em muito os 12 milhões a que nos referimos.

Para onde, então, cresce a cidade?

A cidade cresce para cima! Verticaliza-se. Permitem-se prédios cada vez mais altos. Com mais gente dependurada em apartamentos cada vez menores, em todos os bairros. Eu disse: todos! Porque a sanha dos empresários da construção civil não tem limites e essa sanha é devidamente alimentada por leis cada ano mais permissivas, aprovadas pela Câmara de Vereadores, cuja maioria ou é estúpida ou está a soldo dessa canalha que destrói a cidade em nome de seus interesses imediatos.

Expliquemos: cada prédio construído modifica o microclima, impedindo a circulação do ar, exigindo mais ruas asfaltadas, eliminando a cobertura florestal, impermeabilizando o solo, mais garagens para automóveis, mais transporte público (que anda a passo de tartaruga), mais água, mais esgoto, mais energia elétrica. Multiplique isso por milhares e milhares de prédios que se erguem ano a ano, década a década, por toda a cidade, em todos os bairros e chega-se a uma conta que não fecha.

O planalto onde se situa a cidade de São Paulo é uma bacia hidrográfica com centenas de rios, riachos e ribeirões. Onde eles estavam, em sua maioria? Nos fundos de vales. O que existe hoje nos fundos de vales da cidade, como o Vale do Anhangabaú, a Avenida 23 de Maio etc. etc. et.? Avenidas asfaltadas, por onde literalmente se arrastam milhares e milhares de veículos (São Paulo tem mais 8 milhões de veículos registrados!).

Quando chove – e as chuvas torrenciais têm-se tornado comuns na cidade, por vários motivos, como veremos adiante – para onde vai a água, se os rios, riachos e ribeirões estão encanados, canalizados, espremidos debaixo das ruas e avenidas? A resposta é óbvia: cada vez mais aparecem pontos de alagamentos e inundações. Nem é preciso falar o prejuízo que isso traz para os moradores...

Dissemos que cada prédio construído muda o microclima da região e a somatória dessas mudanças traz para a cidade a mudança de seu clima, com maior aquecimento, maiores bolsões de calor, agravados, atualmente, pelas mudanças globais do clima, com as quais todos se preocupam. Então, a cidade se torna mais quente, com mais evaporação, e consequentemente chuvas mais intensas... O efeito disso todos sabem e já a ele me referi acima.

São Paulo é um desastre urbanístico.

Um desastre urbanístico que começou nos inícios do século passado e que tem se agravado paulatinamente, ano a ano, com a estupidez de administradores que não tiveram nenhuma preocupação que não fosse a abertura de novas avenidas, de mais ruas, de enterramento dos rios, riachos e ribeirões como solução para as enchentes (uma solução, repito, estúpida), que privilegiou, principalmente a partir da metade do século passado, o automóvel, com a construção de novas avenidas (de fundo de vale!) , viadutos e túneis.

Um desastre urbanístico configurado, principalmente, com a entrega literal da urbanização da cidade às construtoras, permitindo cada vez mais que elas destruam parques, jardins, áreas verdes enfim, para o famigerado adensamento populacional, sem que os cuidados com transporte, saneamento básico etc. acompanhem esse crescimento exponencial.

Qual a solução para esse desastre urbanístico, que se chama São Paulo, e que parece aumentar a cada dia, para desespero dos paulistanos?

Uma breve observação: uma pesquisa, que pouco se divulgou e de que pouco se fala, realizada há alguns anos, traz um dado fundamental para o que consideramos como possível solução para os problemas cruciais da cidade de São Paulo. Perguntadas a respeito, cerca de 30% das pessoas que moram aqui declararam que gostariam de deixar a cidade, de morar em outro lugar ou de voltar para suas cidades de origem. E mesmo muitos paulistanos, se tivessem oportunidade, sairiam da cidade onde nasceram.

Está aí, na minha modesta opinião, a solução para os males da grande metrópole.

Os governos municipal, estadual e federal deveriam unir-se num plano coordenado que facilitasse a saída dessas pessoas da cidade, voluntariamente, com o incentivo de emprego, moradia, melhores condições de vida etc. em cidades ou mesmo em regiões agrícolas tanto do interior paulista quanto de outras cidades do país que pudessem, quisessem e se comprometessem com esse plano e recebessem o necessário incentivo para acolhimento das famílias que aderissem.

É claro que não é um plano de fácil execução, mas não impossível nem utópico, desde que haja vontade política de todos os envolvidos. Há regiões e cidades do Brasil que receberiam de boa vontade uma mão de obra razoavelmente promissora e especializada, já que se poderia até mesmo incluir no planejamento, como atração aos aderentes, cursos de formação ou de reciclagem, até mesmo para os filhos adolescentes desses futuros emigrantes.

Não seria um êxodo repentino, mas executado ao longo de vários anos, de uma década ou mais, que daria melhores condições de vida a centenas de milhares de cidadãos descontentes com a cidade grande, além de tonar a metrópole pouco a pouco mais viável, mais confortável e mais aprazível para os que aqui permanecerem.

Para isso, basta que São Paulo volte a ser governada por um prefeito de visão humanística, de vontade política, de trânsito entre todos os demais poderes, que não veja como loucura um plano como esse e que compre, portanto, a ideia e busque formas para viabilizá-la, para que ela – a cidade – encontre, enfim, uma saída que não seja essa corrida desgovernada para o caos que, aliás, já está batendo à porta de todos.

dezembro 22, 2023

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO NUM MUNDO CAPITALISTA

 

(Albert Bettannier - la tache noire, 1887)


Respeito muito o jornalista Luís Nassif. E quando ouço um vídeo em que ele diz que o Ministério da Educação está dominado pela Fundação Lemann, um dos esteios do capitalismo mais tenebroso de nosso País, só posso ficar alarmado. Principalmente pelo fato de que é um ministério comandado por um petista, Camilo Santana, ex-governador do Ceará, onde obteve avanços históricos no terreno educacional. Portanto, é um nome de respeito, mas um político, não exatamente um educador, já que as conquistas educacionais do seu Estado foram obra de um administrador competente.

Então, me vem uma dúvida atroz: se Camilo Santana está se deixando enrolar – e é essa a palavra exata: “enrolar”, “enganar” – ao ouvir o “canto da sereia”do Lemann e seus asseclas, isso é ingenuidade ou ignorância da importância de seu Ministério dentro de um governo democrático?

Não é uma pergunta fácil de responder, por isso vou tentar levantar algumas hipóteses antes de condenar ou absolver o ministro. Advirto que não sou um especialista em educação, embora tenha sido professor durante a maior parte da minha vida, sendo essa a minha formação. Sei que uma coisa é militar no magistério; outra, bem diferente, é ser um Educador, ou seja, uma pessoa que tem formação em Filosofia da Educação e pensa a Educação como um processo complexo e extremamente importante dentro da sociedade.

Feita essa ressalva, vamos tentar trazer algumas ideias que me acossam, quando penso em educação. E vou trazer essas minhas reflexões dentro do contexto de um mundo capitalista, o mundo em que vivemos, já que é impossível nos livrarmos do capitalismo, pelo menos no curto ou médio prazo. O mundo é assim e, embora eu desejasse um mundo diferente e até, se tivesse oportunidade, lutaria com todas as minhas forças para mudá-lo, ou seja, para acabar com o capitalismo, não posso deixar de inserir essas minhas reflexões na realidade em que vivemos.

A opinião que o povo tem de educação é bastante rasa (e não há nisso nenhuma condenação, apenas constatação): espera-se que o poder público ofereça escola e merenda para seus filhos. E escola de qualidade é aquela que leva a criança e o adolescente a obter conhecimentos suficientes para enfrentar a fase adulta de sua vida, ou seja, ter uma profissão e viver dignamente. Outras discussões, como ideologia do que se ensina, currículo escolar, metodologia educacional etc. são secundárias e, em geral, não são compreendidas claramente pelo povo. Claro que ninguém é ingênuo a ponto de pensar que todos os jovens se tornarão “doutores” (e esse desejo, legítimo, percorre todas as classes sociais), que todos chegarão ao ensino superior, visto, em geral, como o ponto máximo do processo educacional. Uma boa parte da população já se dá por satisfeita, quando os filhos obtêm uma profissão. Assim, as escolas profissionais tornam-se importantes e não vamos discutir isso aqui, já que é matéria para outro momento e outras reflexões, não menos importantes.

O que eu quero dizer com o parágrafo anterior é que discutir educação, para a população em geral, é discutir sua universalização, de preferência, de forma gratuita. Mas, aceitam-se outras possibilidades, como bolsas de estudo do governo, financiamentos etc. O importante é ter escolas, e a qualidade delas será medida apenas pelo sucesso de seus filhos em “achar colocação” no mercado de trabalho. Quaisquer outras discussões só ganham algum relevo, quando provocadas por algum factoide. Lembro o famoso “kit gay”, que as comunidades evangélicas disseminaram para demonizar o Partido dos Trabalhadores. Essa bobagem, no entanto, ganhou as consciências e provocou um grande estrago nas hostes progressistas. Minha hipótese é que isso não tenha surgido da imaginação de pastores (que eu acho que não têm capacidade para tanto), mas de laboratórios de manipulação da extrema direita, interessada, como sempre, em tirar proveito ou da ingenuidade ou da estupidez, seja de quem for.

Portanto, discutir ideologia no processo educacional não faz parte do repertório popular, embora seja algo extremamente crucial, porque é através da ideologia programática que se constrói a mentalidade de uma geração.

Dou um exemplo histórico que repercute até hoje. Durante a ditadura getulista, o Ministério da Educação implantou, de forma consistente e sutil, a ideologia dominante na época: o horror ao comunismo (que nunca ameaçou o País) e o esquecimento da população negra. Há uma tese defendida junto à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Universidade Federal de Minas Gerais por Felipe Menezes Pinto, com o título de “O vermelho e o negro: intolerância, construção da identidade nacional e práticas educativas durante o Estado Novo (1937-1945)” que destrincha de forma clara e precisa os métodos de doutrinação utilizados pelo Ministério da Educação para incutir na população o anticomunismo e o racismo, através não só do currículo orientado pelo governo, mas também através da farta distribuição de imagens em livros, revistas, filmes etc. que, de forma sutil, alimentaram o “patriotismo” e o “esquecimento” da população negra, aprofundando o racismo estrutural vigente.

Esse verdadeiro massacre ideológico, que repercute até hoje, nunca teve uma discussão ampla nos meios de comunicação. É um fato absolutamente desconhecido pela maioria absoluta do povo, que ainda acha que o comunismo ameaça o Brasil e que os negros são uma “raça” inferior.

Assim, todos os projetos educacionais, mesmos os mais sérios e importantes, vieram sempre, ou tiveram que vir, mascarados em aspectos secundários do processo educacional, embora importantes, como: construção de escolas; preparação de professores (um ponto crucial, juntamente com a valorização profissional, geralmente relegado a segundo plano); merenda de qualidade (algo extremamente importante, principalmente para o ensino fundamental, mas muitas vezes visto como “esmola” pelo poder público); distribuição de material didático (aqui, às vezes, a sanha ideológica de pequenos grupos forma verdadeiras patrulhas) e uniformes (principalmente para o ensino fundamental) etc. Cito dois exemplos: a criação dos CIEPS na gestão do governador Leonel Brizola, em 1983, no Rio de Janeiro, inspirados por Darcy Ribeiro, e os CEUS, implantados em 2002 em São Paulo, pela gestão da então prefeita Marta Suplicy. Em ambos os casos, o conceito por trás das notáveis construções era o de educação integral para as populações mais carentes, unindo num local agradável e sadio não apenas o ensino e a descoberta de conhecimentos, mas também lazer, cultura, cidadania etc. Quando se dá ao aluno das classes menos favorecidas um bom ambiente escolar, acolhedor e de qualidade, está-se incutindo na mente deles, de forma indireta, que eles não são cidadãos de segunda classe e sim que merecem todas as oportunidades de uma vida digna. E mais: isso é a semente de cidadãos pensantes e críticos da realidade, coisa que incomoda as classes dominantes e muitos governos dominados pela ideologia classista de que pobre só serve como mão de obra barata.

Não sei como estão hoje os CIEPS e os CEUS, já que muitas outras administrações, com visões diferentes, passaram por essas cidades. No entanto, posso imaginar que os projetos originais sofreram alterações e, provavelmente, foram cooptados pelos interesses dos grupos governantes, como sempre acontece com as boas ideias: começam com as melhores intenções e acabam nas garras dos capitalistas e seu olhar sempre atento para tudo que possa, mesmo que de leve, contrariar seus interesses.

Não há dúvida de que vivemos um momento de predomínio da direita e, dentro da direita, de um extremismo neonazifascista, cujas ideias, que vinham há muito sendo gestadas, ganharam força com o golpe contra a presidenta Dilma e, posteriormente, com a eleição do tenebroso Jair Bolsonaro. O preparo para a tomada do poder, em várias áreas importantes do pensamento, principalmente na área educacional, foi devidamente preparado pelo governo Temer que, pelo que sei, abriu as portas para a Fundação Leman que, se não obteve o comando do Ministério da Educação no governo seguinte – haja vista os nomes absurdos que foram designados, nenhum com um mínimo de preparo e de visão educacional, nem mesmo pela tal Fundação – conseguiu, no entanto, “comer pelas bordas”, ou seja, designar e manter um pessoal dentro do ministério que, diga-se de passagem, é bem mais competente que os seguidores do ex-presidente, com a finalidade de controlar de forma indireta as rédeas da educação no Brasil. E é, possivelmente, esse pessoal “técnico”, mas ideologicamente alinhado com o pensamento da direita, que deve estar até hoje no Ministério da Educação, sob o olhar – repito: não sei se ingênuo ou de desconhecimento das reais intenções desse povo - do ex-governador e atual ministro Camilo Santana, o que eu acho um tanto estranho, em se tratando de um político, até prova em contrário, inteligente, experiente e bom gestor (como gostam de ser chamados os administradores da direita, para esconder seu viés ideológico).

Quando me refiro à “ingenuidade” possível do Ministro, preciso explicar claramente o que quero dizer. Como não é da área educacional, Camilo Santana, como político e administrador, pode estar sendo seduzido por propostas muito bem elaboradas e bem emolduradas de desenvolvimento do ensino, em termos de projetos que escondem suas verdadeiras intenções, ou seja, iludem-no com alternativas que parecem realmente interessantes (o “canto da sereia” referido acima), como a implantação de projetos de reforma e construção de escolas, preparação de professores, distribuição de material didático etc., mas que são apenas o iceberg de um projeto maior de cooptação das mentes de nossos jovens, através da ideologia da “escola sem partido”, amplamente propagada pelos papagaios a soldo dos interesses capitalistas de fundações como a do senhor Lemann. Ressalte-se que a pretensa desideologização da escola (“sem partido”) consubstancia-se na ideologização de valores da direita dessa mesma escola. Será Camilo Santana tão “ingênuo”, que não percebe essa manobra?

Se, no entanto, prevalece o fato de o ministro estar sendo enrolado, enganado por essa gente, cabe a algum de seus assessores mais ligado às forças progressistas abrir os olhos dele, já que a esquerda e, principalmente o Partido dos Trabalhadores, conta em suas fileiras com muitas e boas cabeças pensantes na área da educação. E cabe aqui a mesma pergunta: como pode uma “raposa velha” da política deixar-se enrolar por essa gentinha esperta, mas não tão esperta assim?

Qualquer que seja o motivo pelo qual o Ministério da Educação esteja dominado ou cooptado pela Fundação Lemann, a soldo da sanha capitalista de lucro a qualquer custo, deve o Presidente Lula ser devidamente alertado. E, já que o seu Ministro da Educação faz parte de sua cota pessoal de confiança, chamá-lo a uma conversa séria e devidamente assessorada por pessoas competentes, para que ele possa rever sua política, suas práticas, fazer a devida faxina no ministério e, se for necessário, deve até mesmo o Presidente buscar outro ministro que tenha mais conhecimentos da área educacional e não seja apenas um bom gestor, como eu acho que é o senhor Camilo Santana, para lhe fazer a devida justiça.

Concluindo, ressalto que o atual governo, de escopo claramente comprometido com as forças democráticas e com a reconstrução do País, depois de dois tsunamis – Bolsonaro e a pandemia – deve, a partir de segundo ano, com alguns de seus pilares e programas devidamente implantados e começando a render frutos, preocupar-se seriamente com a área ideológica, principalmente na educação – uma área sensível a formar mentalidades – para não entregar de novo o País a aventureiros despreparados, mas títeres de forças extremistas de tradição neonazifascista.

Podemos suportar governos de direita, isso faz parte do processo democrático. Mas não podemos tolerar jamais experiências extremistas, fascistoides e golpistas novamente.

outubro 27, 2023

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CAPITALISMO

 

(Escultura de  Francesco Queirolo: desilução ou liberação da decepção)

O capitalismo é, em si mesmo, perverso. Só não diria ser o capitalismo demoníaco, porque não acredito em demônios. Nem em deuses. Portanto, o sucedâneo do capitalismo, se um dia tivermos condições de destruí-lo, não será um regime celestial, no seu sentido metafórico de bondades e de existência livre de quaisquer dificuldades. Também não será socialista ou comunista, infelizmente, porque não acredito na capacidade humana de criar um regime de tal forma igualitário, que consiga administrar os bens de produção da forma preconizada por esses regimes, numa espécie de limbo angelical ou extremamente confiável na capacidade humana de convivência harmônica, como no caso do socialismo, ou numa ditadura do proletariado que realmente funcione sem que haja o surgimento de focos de resistência, de grupos que se tornem hegemônicos e acabem criando novas formas de dominação, no caso do comunismo. Vou tentar aprofundar um pouco isso, mais adiante. Por enquanto, volto à ideia de que, destruído o capitalismo, o que deverá sucedê-lo será um regime que não seja tão perverso, mantendo alguns de seus princípios, ainda que, pessoalmente, por condenar tão profundamente o sistema capitalista, eu preferia acreditar na utopia de uma sociedade sem leis, sem deuses, sem classes, ou seja, numa sociedade anarquista, no seu sentido mais radical. Isso, porém, sabemo-lo todos, é claramente uma utopia. Precisaríamos volta ao sistema de escambo. E o ser humano atual precisaria ser destruído e reconstruído em outras bases conceituais, conservando, todavia, a expertise cerebral adquirida da atual “civilização”, sem os seus desvios consumistas, ideológicos, teístas etc. Utopia, claro.

Deixemos as utopias e vamos a algo mais real, mais palpável, embora de enormes dificuldades de consecução. Não importa. É preciso que acordemos para a estupidez do capitalismo e tentemos, mesmo com ideias aparentemente absurdas, mitigar seus efeitos mais do que nocivos. A humanidade precisa acender a primeira vela, para que um dia a escuridão despareça.

Primeiro, esqueçamos por um momento esquerdas e direitas, as ideologias que nos sufocam. Também precisamos jogar no lixo da história todas as teorias e todas as metafísicas. Inclusive as religiosas. Não precisamos enforcar o último religioso nas tripas do último militar. Mas esqueçamos também os militares. Não servem para nada. Sem eles e suas armas e suas bombas e suas fronteiras, os governos precisam estabelecer tratados pacifistas de ajuda mútua, sem ideologias, de total respeito aos povos e suas culturas, de total respeito ao ambiente que nos cerca, não para salvar o planeta, mas para salvar a própria humanidade. O fim último de todo e qualquer governo deve ser a melhoria de condições de vida da humanidade, de toda a humanidade, sem preconceitos, sem racismos, sem fronteiras.

Em concerto entre si, os governos todos devem começar a estabelecer leis extremamente duras contra as grandes corporações, a fim de eliminá-las da face da Terra. Como? Proibindo-as de terem filiais em cada país, ou melhor, cada país deve nacionalizar todas as empresas que tenham capital e administração internacionais. Limitar ao máximo o poderio dessas instituições catastróficas para a humanidade, distribuindo seus dividendos entre todos os seus funcionários, que passariam a partícipes dos lucros e não mais meros fornecedores de mão de obra barata, explorada e até mesmo escravizada. As administrações regionalizadas dessas empresas passariam a ter indivíduos devidamente eleitos pelos colaboradores e controladas pelo poder público, possivelmente através do poder judiciário. O capital deixaria de se concentrar nas mãos de uns poucos, com o limite de ganhos de todos – empresários, sócios, colaboradores etc. Não é taxar as grandes fortunas: é acabar com elas. Não é necessário igualar ganhos, embora numa sociedade igualitária isso fosse o ideal, mas limitar os ganhos de tal forma que as diferenças financeiras e econômicas entre as classes seja a menor possível. Tudo isso, claro, sob o controle dos governos, repito, de todos os governos de todos os países, concertados entre si, na mesma política determinada a acabar com a miséria e a exploração do ser humano. Sem ideologias, sem populismos de direita ou esquerda, mas de forma séria e coordenada, a fim de que terminem as lutas intestinas de poder, num sistema democrático de escolhas diretas, pelo povo, de seus dirigentes devidamente compromissados com uma carta de intenções global que tenha por princípio realmente acabar com a selvageria do capitalismo, com a ditadura – essa, sim, incrustrada nas grandes corporações – de empresários que só visam ao lucro para si e para seus acionistas. Se todos os operários forem acionistas, participarem dos lucros, e esses lucros forem limitados, as desigualdades tenderão a desaparecer, já que o excedente dos lucros obtidos pelas corporações devidamente socializadas será revertido aos cofres públicos, para a realização de políticas de melhoria das condições de vida da população, como educação, transporte, lazer, cultura etc.

Enfim, isso é o que eu penso. É o que eu desejo. Talvez seja a minha utopia, mas está mais próxima de uma realização futura, a longo prazo, do que a eliminação do capitalismo através de uma revolução popular que nunca ocorrerá. Infelizmente.

maio 31, 2023

LULA, VENEZUELA E O MARCO TEMPORAL



Lula assobiou para os malucos poderem dançar. E eles não só dançaram, mas sapatearam, sambaram, boleraram, tangaram, funkearam. Gastaram saliva, gastaram texto, gastaram os dentes e ficaram roucos de tanto ranço. Estou falando, é claro, da mídia, da oposição, dos influencers e todos os que caíram de pau no Lula, porque ele estendeu tapete vermelho e defendeu o presidente Maduro, da Venezuela.

Concordo: Maduro não é flor que se cheire, em termos de democracia. Assim como muitos outros chefes de estado do mundo (nem vou perder tempo citando-os, por ser inútil). Mas, existem aqueles que despertam mais o ódio das direitas hidrófobas que pululam nos parlamentos (principalmente no parlamento tupiniquim) e na mídia internacional. Maduro é um deles. Afinal, está sentada a Venezuela sobre reservas de petróleo. E não é preciso dizer mais.

Também concordo em que Lula exagerou nos salamaleques a Maduro. O Brasil não tem nada a ver com os problemas internos de nenhum país, claro. Por isso, não pode e não deve discriminar nenhum governo, nenhum governante. Principalmente, porque há negócios e interesses que estão acima de qualquer viés ideológico. Então, bastava receber bem o Maduro e tudo estaria bem, pelo menos as críticas seriam menores. Mas, sim, Lula exagerou.

Abro parênteses. Concordo com praticamente tudo quanto disse Lula. A Venezuela é discriminada e seu povo tem sofrido por causa de destemperos e coisas estúpidas de seu líder. Essa história de punir todo um povo por atos de seus governantes, sob o comando dos Estados Unidos já deu. O mundo não é mais o quintal deles. E de ninguém. Há meios menos cruéis de dizer a um povo que ele pode se libertar de suas lideranças despóticas. Sem intervenções, sem imposições. Como já dizia um líder estadunidense: “Não se pode enganar todo o povo todo o tempo”.

Abro parênteses de novo para dizer que, neste mundo globalizado por fake news e por empresas e indivíduos inescrupulosos e manipuladores, está cada dia mais difícil um povo escolher seu destino livremente. Mentes e vontades têm sido abduzidas por essas máquinas universais a soldo de grupos de ideologias perigosas, principalmente de neonazifascistas.

Voltemos a Lula e a Maduro, para deixá-los por aqui. Antes, duas coisinhas a mais. Primeira, o escorregão do presidente pode lhe trazer um ou outro dissabor político e diplomático, mas não passará disso. Não atinge a ninguém mais. Logo será esquecido e o mundo voltará a girar. Segundo, enquanto os malucos dançavam e sapateavam sobre esse fato, a boiada nazifascista bolsonarista arreganhava as porteiras da Câmara, para aprovar, isso sim, uma medida que tem o potencial de uma bomba atômica a cair sobre as cabeças de nossos povos originários e sobre toda a política ambientalista que o Brasil precisa desenvolver, para se tornar, de novo, uma nação respeitada no mundo.

Estou falando do tal “marco temporal” que 283 insanos e vingativos deputados aprovaram, na manobra absurda do presidente da Câmara, Arthur Lira. Absurda por dois motivos: queriam os “nobres deputados” que o Supremo Tribunal Federal tirasse da pauta a votação da mesma matéria que lá tramita, num ato de tentativa da chantagem mais deslavada de um poder da República contra outro e queria, ou melhor, quer o senhor presidente da Câmara “mandar um recado” ao Executivo, de que o governo precisa “pagar a fatura” de possíveis, prováveis e futuros apoios a matérias de seu interesse, numa clara – aí, sim – chantagem de um poder da República contra outro.

Abro novos parênteses, para dizer que temos péssimas lembranças de presidentes da Câmara que extrapolaram seus poderes e se tornaram verdadeiros gângsteres da política. Há um deles, inclusive, que está preso, por crimes não só políticos. E o atual está pretendendo ser um novo Nero, a pôr fogo no governo e no país, já que a “lira”ele vem tocando há tempos...

Voltando ao que interessa: estamos diante não de uma Câmara de Deputados, mas de uma quadrilha de chantagistas, formada principalmente pelos deputados do chamado “centrão” bolsonarista que, além de toda essa chantagem absurda, ainda querem se vingar nos povos originários, nos nossos indígenas, pela derrota que seu candidato sofreu nas urnas. E querem perpetuar, com a aprovação desse fatídico “marco temporal” o genocídio dos povos indígenas iniciado pelo governo anterior, além da destruição de nossas matas e rios, com a abertura para garimpeiros, madeireiros e criadores de gado das fronteiras das terras demarcadas das populações originárias. Um verdadeiro ato de estupidez paquidérmica (que me perdoem os elefantes) que ajudará o Brasil a se manter nas trevas do negacionismo, nas garras de ideologias fascistas e na desconfiança dos demais países de que não somos mesmo um país sério.

Ou pior, vai pensar o mundo que somos um país que não sabe escolher seus representantes nos diversos parlamentos, porque é permanentemente enganado por espertalhões, falsos religiosos, falsos juízes e quem sabe mais que tipo de gente estúpida e mal-intencionada em que insistimos em votar.

E não sabemos, mesmo.

Prova está aí, nesse Congresso recheado de neonazifascistas, de racistas, de genocidas, de preconceituosos, de falsos defensores da democracia, de juízes, religiosos, de empresários e defensores do agronegócio que se comportam como gado na defesa de interesses inconfessáveis e antipatrióticos.

maio 21, 2023

A CPI DO MST

 



Uma comissão parlamentar de inquérito quase sempre dá palanque e visibilidade a seus componentes: a mídia divulga e comenta em boletins diários os principais depoimentos, os embates, as contradições das testemunhas etc. Também pode virar, muitas vezes, um circo mambembe de atuações toscas de parlamentares despreparados, de testemunhas circenses e grotescas, desgastando esse importante instrumento de vigilância que a Câmara e o Senado usam para fiscalizar, denunciar e até, muito raramente, para punir malfeitos.

O MST, Movimento dos Sem Terra, todos sabemos, tem uma trajetória de luta pela reforma agrária e pela defesa da agricultura familiar. Invade terras? Sim, e todos estamos carecas de saber que invadem, sim, terras. E muitas vezes, invadem grandes propriedades ou latifúndios que eles consideram improdutivos. Isso incomoda o agronegócio e os grandes fazendeiros? Sem dúvida alguma. E eles odeiam o MST. Cometem exageros? Com certeza, dentre as inúmeras vezes que eles invadiram “propriedades” (sejam improdutivas ou do agronegócio, ou de grandes corporações), houve, sim, alguns exageros, cometidos irrefletidamente ou não por membros do MST. São condenáveis esses exageros? Muitas vezes, sim. Embora a luta ideológica – de que não vamos falar neste breve artigo – possa justificar tais exageros, principalmente porque o outro lado também comete muitos exageros, e até mesmo crimes. Mas deixemos de lado, por enquanto, esse aspecto da luta agrária brasileira, luta que vem de há muitas e muitas décadas.

O que nos importa, por enquanto, é tecer algumas considerações sobre a CPI já instalada e que pretende investigar as atividades do MST.

Na minha modesta opinião, eu creio estaremos diante de um palco iluminado para o show dos deputados da bancada ruralista e da direita hidrófoba que existem hoje no Congresso. E será um show de horrores.

Explico: o objetivo deles é demonizar o MST. Ou tentar, pelo menos. E tudo quanto vão “descobrir” ou “denunciar” do MST todos nós já sabemos. Então, a mídia vai ampliar as denúncias, vai dar voz a essa malta hidrófoba que vai se esgrimir contra as testemunhas favoráveis ao MST – se houver - e vai dar o seu próprio show de sempre, ao lado da direita, porque também a mídia – comprometida sempre, por seus patrões, com os valores da direita – já deve estar afiando os dentes para cravar no pescoço dos “bandidos” do Movimento dos Sem Terra.

Não haverá nada de novo, portanto. E quando o show não tiver mais nada a mostrar ao público e à mídia, o relator – escolhido a dedo para isso – irá apresentar suas conclusões óbvias de condenação, de vários pedidos de indiciamento e até de prisão dos membros do MST.

E depois? E depois, nada.

Porque conclusões de CPIs são apenas conclusões de CPIs. Algumas até se transformam em lentos processos na justiça, ou pedidos de investigação pela Polícia Federal ou por outro órgão fiscalizatório, mas... na maioria dos casos (vide a CPI da covid-19, que relatou crimes graves!) nada acontece. Tudo cai no esquecimento, porque outra CPI ou outros assuntos vão ocupar a vida dos senhores parlamentares e alimentar a mídia, cuja boca é sempre voraz por novidades e cuja memória tem o tempo do acontecimento.

Então, meus amigos, relaxemos e deixemos que se abram as cortinas do espetáculo, para criticar e, principalmente, para aplaudir ou demonizar aqueles com os quais concordemos ou discordemos, nas redes sociais, nos desenhos dos cartunistas, nas piadas de sempre, nos comentários divertidos ou rancorosos. E vida que segue.

abril 28, 2023

ELES TÊM DEUS NO CORAÇÃO: O ASSASSINATO DO GAROTO LUCAS TERRA

 




“Eles violentaram, espancaram e depois queimaram vivo meu filho porque ele flagrou Fernando e Joel mantendo relações sexuais.” Essa é a declaração do pai do adolescente Lucas Terra, em 2001. Após sete meses de minuciosa investigação, a polícia baiana concluiu o inquérito que indiciou o indivíduo Sílvio Galiza como autor do homicídio, tendo como coautores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda. Detalhe: o primeiro é um pastor e os outros dois são religiosos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que possui atualmente um dos maiores templos religiosos do Brasil, na cidade de Salvador, um mostrengo arquitetônico visível de quase todos os pontos do município.

Acrescenta ainda o pai do garoto, com toda a justificável revolta: “Meu filho foi amarrado e amordaçado para não gritar e colocado dentro de uma caixa de madeirit. Carbonizaram seu corpo para encobrir os vestígios de pedofilia.”

O caso vem se arrastando na justiça desde 2001 e só agora, mais de vinte anos passados, saiu a notícia de que os assassinos estão sendo finalmente julgados e condenados à prisão.

Mas, não é sobre o processo judicial brasileiro, lento e falível, que eu quero falar neste pequeno artigo de protesto, e sim da hipocrisia que reina (sem trocadilho) entre os pastores e seguidores da IURD, essa pústula apostólica que corrói mentes e corações do povo, para surrupiar-lhe da forma mais nojenta possível os poucos caraminguás que tiverem em suas pobre carteiras, fruto, muitas vezes, de árduo trabalho, em troca desse reino de deus prometido por essa camarilha de estelionatários que são os pastores dessa seita maldita.

O caso Lucas Terra é emblemático, por se tratar de um crime bárbaro, mas muitos outros crimes podem ter sido e são acobertados por esse bando de criminosos travestidos de porta-vozes de deus. Porque adquiriram poder econômico e, atualmente, poder político, julgam-se acima da lei humana. Qualquer denúncia ou pronunciamento mais contundente contra essa camarilha são considerados como “perseguição religiosa”. Eles têm deus em seu coração; portanto, para os seus seguidores fanáticos, que estabelecem uma verdadeira cortina de proteção em torno de qualquer deslize por eles cometidos, eles são incapazes de cometer quaisquer crimes.

E os crimes dessa gente quase nunca chegam ao conhecimento público. Os poucos casos de que se tem notícia são considerados apenas como desvios individuais, e sobre eles, pastores compungidos logo tecem uma centena de explicações que nada explicam ou, quando muito, um pedido de perdão em nome de seu deus, que a tudo perdoa, quando a grana é boa (não resisti à rima).

Liberdade de culto é um princípio constitucional. Sob essa cláusula, no entanto, não se podem cometer crimes. E mais: denunciar as falcatruas dessas falsas igrejas coletoras de dízimo para enriquecimento ilícito de pastores não é perseguição religiosa.

Perseguição religiosa é que o fazem os seguidores dessas igrejas evangélicas quando seus pastores afirmam ser satânicas as crenças umbandistas ou do candomblé, incentivando a violência contra casas e templos de culto dessas religiões afrodescendentes, em casos claros de intolerância e racismo.

Portanto, só para finalizar: são, sim, criminosos os cultos que louvam a deus em templos salomônicos, erguidos com a espoliação do povo e enriquecem seus pastores, que vivem em mansões também salomônicas, viajando em jatinhos particulares, e passando férias nababescas em paraísos terrestres, enquanto seus iludidos seguidores oram compungidos e sacrificam até o dinheiro das suas necessidades diárias para pagar o dízimo que financia tudo isso, em troca da salvação em paraísos celestiais.

E dizem que têm deus no coração!