novembro 26, 2009

MOTOS E MOTOQUEIROS: ATÉ QUANDO?



Uma exemplar historinha antiga. Do tempo da ditadura.

Conta-se que, uma vez, em Belo Horizonte, saiu a toda de um quartel da PM uma ambulância. Sirene ligada. Velocidade máxima pelas ruas, assustando a todos, dispersando pedestres e motoristas.

Por azar, a tal ambulância bateu. E capotou. Foi aquela correria. Afinal, numa ambulância podia haver gente que precisava ser socorrida, gente que ia, talvez, ser levada urgentemente para um hospital. Já que os dois praças saíam da cabine, apenas um pouco tontos, abriram a porta traseira do veículo. Com grande apreensão, claro!

Surpresa! Dentro, só havia uma grande bagunça de latas de comida. Eram os restos do rancho do quartel, que iam ser levados para alimentar os porcos do coronel. Lavagem, apenas lavagem para porcos continha a ambulância que, com toda a pressa do mundo, arremetia pelas ruas de Belo Horizonte.

Corta. Ano 2009.

No Congresso, discute-se e começa-se a aprovar uma lei que impede que motocicletas trafeguem entre os automóveis, exceto com o trânsito parado. Na verdade, recupera-se um artigo do Código de Trânsito Brasileiro, vetado, em má hora, pelo presidente FHC. Foi quando se deu início à barbárie.

Com liberdade de andar a seu bel prazer no trânsito caótico das grandes cidades, como São Paulo, os motoqueiros e sua pressa infernal só têm provocado acidentes, nos quais eles mesmos são as maiores vítimas. Morrem na capital paulistana quarenta e cinco motociclistas por mês. E o gasto dos hospitais públicos com a recuperação de acidentados de motos chega aos milhões de reais por mês. Um custo social contabilizado em vidas e em capital que podia ser empregado em prol da população, tão carente de assistência médica.

O que tem a ver a história da ambulância com a violência da morte de motoqueiros, principalmente em São Paulo?

Aparentemente nada.

Mas, pense bem: os soldados da ambulância tinham urgência em entregar a tal lavagem na casa do coronel? Claro que não. No entanto, saíram a toda velocidade, com sirenes ligadas, dando o show que pode dar uma ambulância em situação de emergência. É a falsa pressa. Aquela ocasionada por irresponsabilidade ou por pressão, falsa pressão, de superiores, tanto um provável sargento que a recomendou, talvez aos berros, para impor autoridade ou para bajular o coronel, pois que os porcos tinham urgência de receber sua ração.

O mesmo acontece com o serviço de motoboy, o principal responsável pela correria desenfreada das motos pelas ruas da cidade de São Paulo: a falsa pressa.

Por pressão (repito: falsa) do mercado, ou seja, dos patrões e dos pretensos receptores das encomendas que eles transportam, cria-se a cultura da urgência, da entrega mais rápida que a do concorrente. Não tenho estatísticas que provem que o que eu vou dizer está certo, mas tenho quase a absoluta certeza de que a imensa maioria, talvez quase 100% das encomendas que esses motoboys entregam não têm a urgência que dizem ter. E não estou falando de entregadores de pizza, não!

Urgência, para mim, é quando a pressa envolve a salvação de uma vida. Concerne isso a bombeiros, policiais, paramédicos, enfim, socorristas. No mais, tudo é falsa pressa. Negócios não são perdidos porque um documento chegou quinze ou vinte minutos depois. E mesmo que fossem perdidos, são apenas negócios, não valem vidas humanas.

Desde a Revolução Industrial, centenas de milhares de profissões desapareceram ao longo do tempo, por inúteis ou por serem trocadas por outras mais importantes ou diferentes. A cota de obsolescência é sempre alta, em termos históricos, quando se trata de atividades humanas.

Se o tal serviço urgente urgentíssimo que os motoboys prestam à população, com o risco de suas vidas e de vidas alheias, desaparecesse hoje, é provável que alguns milhares de usuários se sentissem perdidos por uns dois ou três dias, uma semana, no máximo. Mas, ao fim e ao cabo, todos se adaptariam e criariam um novo sistema de entregas, menos desumano e, talvez, mais ágil, que um dia também se tornaria obsoleto.

Quanto aos que trabalham nessa insanidade que se chama rodar a velocidades absurdas, costurando o trânsito, arriscando a vida, em cima de duas rodas, num claro desafio a todas as leis da lógica e da física, esses, com certeza, também se adaptariam aos novos tempos e, em poucos dias ou poucos meses (cobertos pelo salário desemprego) já teriam uma nova ocupação e estariam, vivos, ganhado a vida de outra maneira.